Acórdão nº 2334/04.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2011
Data | 12 Maio 2011 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Em 07/04/2004, AA – COMÉRCIO de AUTOMÓVEIS, L.da intentou, nas Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB – VEÍCULOS e PEÇAS, L.da que actualmente tem a denominação social de CC – VEÍCULOS e PEÇAS, L.da, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização de clientela no montante de € 578.540,54.
A autora, fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que havia duas dezenas de anos que era concessionária, em exclusivo, para todo o distrito de Faro, dos veículos da marca R....
e respectivas peças, abarcando todas as gamas da referida marca: R....., R..... e MG. Em 16/06/1997, foi reduzido a escrito entre a ora autora e o importador e distribuidor da marca, R..... PORTUGAL – VEÍCULOS e PEÇAS, L.da um contrato de concessão específico para os veículos da marca .... R.....
, para todo o Distrito de Faro. Em 3/05/2000, a R..... PORTUGAL – VEÍCULOS e PEÇAS, L.da cedeu à ora ré a sua posição no aludido contrato de concessão. No ponto V do contrato de concessão ficou estipulado que o contrato se manteria em vigor até que qualquer das partes, por notificação dirigida à outra, o denunciasse com a antecedência não inferior a 24 meses. No ponto II da cláusula 8ª do anexo IV do contrato, estabeleceu-se que, no caso de a companhia necessitar urgentemente de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da sua rede de concessionários, poderia terminar o contrato, dando ao concessionário um pré-aviso mínimo de 12 meses. Ainda nos termos dessa cláusula, se o concessionário não concordasse com a referida cessação do contrato, poderia submeter o litígio a uma Comissão de Litígios, nos termos previstos na cláusula 12ª do contrato, sem prejuízo do direito de recorrer para o tribunal que, nos termos do contrato, fosse competente. Em 11/04/2001, a ora ré dirigiu a todos os concessionários, incluindo a ora autora, uma carta em que anunciava a reestruturação da rede de concessionários, comunicando que, nos termos do artigo 8º n.º II do contrato de concessão, punha termo ao contrato, com efeitos no prazo de um ano a contar da data da recepção da carta. Porém, além de não ter sido demonstrada pela ré a necessidade da aludida reestruturação e bem assim a sua urgência, as relações entre as duas partes, no período posterior à recepção da aludida carta, decorreram de molde que a autora se convenceu de que não estaria em causa a continuidade da autora como concessionária da marca da ré no distrito de Faro. Foi, pois, com manifesta surpresa que, em 05/03/2002, a autora recebeu da ora ré uma carta em que esta lhe comunicava que não era possível vir a considerar uma eventual candidatura que a ora autora viesse a apresentar para nova concessão, fazendo cessar o contrato a partir do dia 11/04/2002. Ao contrato em causa aplica-se analogicamente o regime jurídico do contrato de agência, previsto pelo DL n.º 178/86, de 3/07. Assim, nos termos do artigo 33.º desse diploma, o concessionário tem direito a uma indemnização de clientela, no caso de cessação do contrato por denúncia unilateral do concedente. Indemnização essa que a autora, tendo em consideração o volume anual médio de vendas de veículos e peças da marca BB.
nos últimos cinco anos de vigência do contrato entende que deve ser fixada em € 578.540,54. Por carta registada com aviso de recepção enviada em 07/04/2003, a autora comunicou à ré que pretendia receber a indemnização de clientela a que tinha direito mas a ré negou-se a pagar tal indemnização.
A ré contestou, começando por suscitar uma “questão prévia”, seguida da alegação de excepção, de impugnação e de dedução de pedido reconvencional.
Como “questão prévia”, a ré alega que a autora veio articular factos que foram já dados como não verificados, por sentença de tribunal arbitral confirmada por acórdão da Relação de Lisboa. Nessas decisões entendeu-se que a denúncia do contrato de concessão foi efectuada de forma legítima e lícita pela ré e que esta não criou à autora qualquer expectativa de que esta se iria manter como concessionária da marca BB Assim, defende a Ré que a autora deve ser condenada como litigante de má fé no pagamento de multa e de indemnização à ré, em montantes que deixa ao livre arbítrio do tribunal.
Por excepção, a ré invocou o teor da cláusula 8ª (C) I do contrato de concessão, segundo a qual, salvo qualquer disposição em contrário expressa no contrato, nenhuma das partes seria responsável pelo pagamento de qualquer compensação à outra apenas pelo facto de se verificar a cessação do contrato. Segundo a ré, face à aludida cláusula a pretensão da autora encontra-se ferida de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Por impugnação, em síntese, a ré pronunciou-se quanto à necessidade urgente da reestruturação da sua rede de concessionários. Negou que após a comunicação de denúncia tivessem sido criadas quaisquer expectativas de continuação da relação contratual. Negou a aplicabilidade ao contrato em causa do regime jurídico da agência, por ausência de analogia, maxime no que diz respeito à atribuição da pretendida indemnização de clientela. Defendeu inexistirem no caso concreto os requisitos do direito à indemnização de clientela. Contestou o valor pretendido para a indemnização.
Em reconvenção, a ré afirmou que, após a cessação do contrato, a autora continuou, pelo menos até finais de Outubro de 2002, a usar material identificativo e promocional da marca BB. em violação do estipulado no contrato e ainda da legislação de protecção da propriedade industrial, o que causou à ré danos patrimoniais e não patrimoniais, traduzidos no desvio de clientela para a autora e no erro dos clientes que confundiam a autora como concessionária da ré, danos esses pelos quais a ré pretende ser indemnizada em montante a liquidar em execução de sentença.
A ré terminou, concluindo pela sua absolvição do pedido, reiterando a pretensão de que a autora fosse condenada como litigante de má fé em multa e indemnização à ré e pedindo que a autora fosse condenada no pedido reconvencional deduzido, a ser liquidado em sede de execução de sentença.
A autora replicou.
Quanto à excepção, defendeu que o contrato em causa é um contrato de adesão, cujas cláusulas não foram alvo de negociação prévia, e a cláusula 8ª (C) II (e não I) do contrato de concessão é nula, nos termos do artigo 809º do Código Civil e do artigo 19º da Directiva n.º 86/653/CEE, de 18/12/1986.
Quanto à reconvenção, a autora alegou que requereu a constituição da Comissão de Litígios prevista no contrato, para apreciar a ilicitude da denúncia do contrato por parte da ré e esperou que, enquanto o litígio não fosse decidido, a ré continuasse a efectuar à autora os fornecimentos de veículos e peças. Porém, logo em início de Abril de 2002, a ré cortou os fornecimentos de veículos e peças à autora e só em Junho de 2002 nomeou novo concessionário da marca para o Algarve. Os clientes da marca na região ficaram sem qualquer assistência técnica, tendo recorrido por isso aos serviços da autora, bem sabendo que esta deixara de ser concessionária da BB.
, porque a ré lhes enviara uma circular a dar essa informação. Assim a autora não causou quaisquer prejuízos à ré, tendo, pelo contrário, beneficiado a marca.
A autora concluiu pela improcedência da excepção e pela sua absolvição do pedido reconvencional e pela condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização.
A ré treplicou, aceitando determinadas declarações da autora, tidas como confessórias e contestando a sua condenação como litigante de má fé.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a ré a liquidar o pedido reconvencional.
A ré acedeu a tal convite, tendo deduzido novo pedido reconvencional, no qual pediu que a autora fosse condenada a pagar à ré, a título de danos patrimoniais sofridos, a quantia de € 32.500, acrescida de juros moratórios à taxa legal que se vencerem desde a data da notificação da autora até integral pagamento e ainda, a título de danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 25.000, acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal que sobre essa quantia se vencerem desde a data da prolação da sentença até integral pagamento.
A autora contestou o pedido reconvencional aperfeiçoado, reiterando o alegado na resposta ao pedido reconvencional primitivo e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida e realizou-se prova pericial.
Em 13/07/2006, a ré apresentou articulado superveniente de dedução de pedido reconvencional, alegando ter tomado conhecimento que a autora continuou, pelo menos até Março de 2005, a usar nomes, siglas, divisas, emblemas e marcas dos produtos da reconvinte e a exibir todos os anúncios, letreiros e material em que figurava como concessionária da marca BB, assim obtendo proventos económicos que de contrário beneficiariam os concessionários da ré e, reflexamente, a ré e prejudicando, devido à falta de qualidade e eficiência dos serviços da autora, a imagem da marca BB e da reconvinte.
A ré/reconvinte terminou pedindo que seja a autora condenada (i) a pagar-lhe a quantia de € 37.500, acrescida de juros de mora que se vencerem desde a data da notificação da contestação/reconvenção até integral e efectivo pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da utilização dos símbolos indicados desde 12/04/2002, em montante a liquidar em execução de sentença (sic); (ii) a cumprir a obrigação constante da cláusula 8ª (B) V do “Contrato de Concessão” celebrado com a reconvinte; (iii) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 250 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação supra referida.
A autora respondeu, pugnando pelo indeferimento do articulado e pela improcedência dos pedidos formulados e requerendo que a ré seja condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Foram aditados artigos à base instrutória...
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