Acórdão n.º 11/2008, de 13 de Março de 2008

Acórdáo n. 11/2008

Processo n. 584/07

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

Euroscut Norte, Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S. A., na qualidade de concessionária para a concepçáo, construçáo, financiamento, conservaçáo e exploraçáo da auto -estrada n. 28 (IC1 Viana do Castelo/Caminha), requereu contra André Domingues Pereira e Idalina Rosa Gonçalves a expropriaçáo por utilidade pública, com carácter de urgência, para a construçáo da referida auto -estrada, lanço Viana do Castelo/Riba de Âncora, da parcela de terreno com a área de 5523 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 418. da freguesia de Riba de Âncora, sito no lugar de Barrosa, da referida freguesia, tendo -lhe sido atribuído o número 368.

A declaraçáo de utilidade pública respeitante a esta expropriaçáo foi efectuada pelo Despacho n. 18.240/2003, de 18 de Agosto, do Secretário de Estado da Obras Públicas, publicado no D.R., n. 220, 2.ª série, de 23 de Setembro de 2003.

O acórdáo arbitral atribuiu pela expropriaçáo da parcela em causa o valor global de € 31.215,00.

A expropriante interpôs recurso do acórdáo arbitral, nos termos do disposto nos artigos 58. e seguintes do Código das Expropriaçóes de 1999, invocando argumentos de facto que, em seu entendimento, conduziriam a que a indemnizaçáo pela expropriaçáo da parcela referida se quedasse pelo valor global de € 10.415,25.

O Juiz do Tribunal de Caminha proferiu sentença, em 11 -4 -2007, que, qualificando a parcela expropriada como "solo apto para outros fins", decidiu o recurso interposto do seguinte modo:

a) Náo aplico a norma ínsita no artigo 23, n. 4, do Código das Expropriaçóes, aprovado pela lei n. 168/99 de 18 de Setembro, com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, designadamente, na violaçáo do disposto nos artigos 13, n. 1, 62, n. 2 e 103, n. 3, da Constituiçáo da República Portuguesa;

b) Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o recurso interposto por Euroscut Norte - Sociedade Concessionária da SCUT do Norte Litoral, S. A., e, consequentemente, fixo a indemnizaçáo devida aos expropriados em € 14.811,75, a actualizar, a final, nos termos do disposto no artigo 24, n. 1, do Código das Expropriaçóes.

Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70., n. 1, al. a), e 75. -A,

da lei 28/82, de 15/11 (LTC), na parte em que recusou a aplicaçáo da norma contida no artigo 23., n. 4, do Código das Expropriaçóes, aprovado pela Lei n. 168/99, de 18 de Setembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Apresentou alegaçóes que concluiu do seguinte modo:

"Pelas razóes invocadas no Acórdáo n. 422/04, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, a norma constante do artigo 23, n. 4, do Código de Expropriaçóes de 1999 náo viola o disposto nos artigos 13 e 62, n. 2 da Constituiçáo da República Portuguesa.

Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Fundamentaçáo

1 - A norma cuja aplicaçáo foi recusada

A decisáo recorrida considerou inconstitucional e, consequentemente, náo aplicou a norma constante do artigo 23.°, n. 4, do Código das Expropriaçóes de 1999, nos termos da qual "ao montante indemnizatório, determinado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriaçóes deverá ser deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuiçáo autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliaçáo efectuada para efeitos de expropriaçáo nos últimos cinco anos."

Esta disposiçáo náo tinha correspondência nos anteriores Códigos das Expropriaçóes, tendo sido uma inovaçáo da Lei n. 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o actual Código.

Pronunciaram -se pela sua inconstitucionalidade Alves Correia em "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriaçóes por utilidade pública e o Código das Expropriaçóes de 1999", na R.L.J., Ano 133., pág. 116 -119, e em anotaçáo ao acórdáo do Tribunal Constitucional n. 422/04, na R.L.J., Ano 134, pág. 340 -352, Luís Perestrelo de Oliveira, em "Código das Expropriaçóes anotado", pág. 92 -93, da ed. de 2000, da Almedina, Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, em "Código das Expropriaçóes", pág. 86, da ed. de 2002, do Rei dos Livros, Joáo Pedro de Melo Ferreira, em "Código das Expropriaçóes anotado", pág. 174 -175, da 4ª ed., da Coimbra Editora, Pedro Elias da Costa, em "Guia das Expropriaçóes por utilidade pública", pág. 263, da ed. de 2003, da Almedina, e Vasco Valdez Matias, em "Parecer sobre o Código das Expropriaçóes", pág. 13 -15, da ed. pol. de 1999, da APAE.

2 - A posiçáo anterior do Tribunal Constitucional

Este Tribunal decidiu, no Acórdáo n. 422/2004 (pub. em "Acórdáos do Tribunal Constitucional", 59 vol., pág. 687), tirado em Plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79. - A, da LTC, num caso em que estava em causa a mesma norma, mas em que a entidade expropriante era o Município onde se situava o terreno expropriado, náo julgar inconstitucional a norma questionada.

Considerou -se que o disposto no n. 4, do artigo 23., do Código das Expropriaçóes de 1999, náo violava nem o princípio da igualdade, nem o direito a uma justa indemnizaçáo, consagrados, respectivamente, nos artigos 13. e 62., n. 2, da C.R.P. - fundamentos entáo invocados para recusar a aplicaçáo daquela norma pela sentença proferida no processo em que foi prolatado o referido acórdáo.

Posteriormente, efectuaram o mesmo juízo de constitucionalidade, por remissáo para os fundamentos do acórdáo acima referido, os seguintes acórdáos do Tribunal Constitucional:

n. 585/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 588/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 625/2004 (pub. em "Acórdáos do Tribunal Constitucional", 60. vol., pág. 503).

n. 629/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 643/2004 (pub. no Diário da República, 2.ª série, de 10-1-2005).

n. 644/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 662/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 683/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 251/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

n. 332/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

No acórdáo n. 625/2004 afirmou -se que "o acolhimento dessa orientaçáo implica náo apenas o acatamento do sentido da decisáo das questóes de constitucionalidade expressamente tratadas pelo acórdáo do Plenário, mas também o respeito pela projecçáo que, relativamente a questóes nele náo explicitamente apreciadas, há que atribuir aos juízos em que se fundaram tais decisóes, pelo menos quando constituam seu pressuposto lógico necessário."

Este raciocínio permitiu que também se considerasse, nesse acórdáo e noutros posteriormente proferidos, que o disposto no n. 4, do artigo 23., do Código das Expropriaçóes de 1999, náo violava também o princípio da náo retroactividade fiscal, consagrado no artigo 103., n. 3, da C.R.P..

3 - A delimitaçáo do objecto do recurso

A situaçáo em que se recusou a aplicaçáo do disposto no n. 4, do artigo 23., do Cód. das Exp., nos presentes autos, é algo diversa da situaçáo sobre a qual recaiu o acórdáo n. 422/2004, tirado por este Tribunal em Plenário, uma vez que aí a entidade expropriante era o próprio Município onde se localizava o terreno expropriado, enquanto neste processo a entidade expropriante é uma sociedade comercial anónima - a "Euroscut Norte, Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S. A.", concessionária da construçáo da auto -estrada a que se destina a parcela expropriada.

Apesar da sentença recorrida revelar conhecer a posiçáo que defende que o n. 4, do artigo 23., do Cód. das Exp., deve der interpretado no sentido que o mesmo só é aplicável às expropriaçóes em que a entidade expropriante é o Município onde se situa o terreno expropriado (vide

Alves Correia em "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriaçóes por utilidade pública e o Código das Expropriaçóes de 1999", na R.L.J., Ano 133, pág. 116 -117, e Luís Perestrelo de Oliveira, em "Código das Expropriaçóes anotado", pág. 92 -93), admitiu a aplicaçáo infraconstitucional da citada norma à situaçáo sub iudice, apenas a tendo afastado por contrariar preceitos constitucionais.

Náo competindo ao Tribunal Constitucional questionar a bondade da interpretaçáo do direito infraconstitucional acolhida pela decisáo recorrida, deve limitar -se, nos termos do artigo 70., n. 1, a), da LTC, a verificar a correcçáo da recusa da aplicaçáo do disposto no n. 4, do artigo 23., do Cód. das Expr., com fundamento na sua inconstitucionali-dade, apesar de, neste caso, a entidade expropriante náo ser o Município onde se situa o terreno expropriado.

Por outro lado, a norma sob análise reporta -se à deduçáo na indemnizaçáo por expropriaçáo da diferença entre o valor da contribuiçáo autárquica efectivamente satisfeito e aquele que seria pago, caso se tivesse considerado como matéria colectável aquele montante indemnizatório.

A contribuiçáo autárquica foi um imposto de receita municipal, criado pelo Decreto -Lei n. 442 -C/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código da Contribuiçáo Autárquica (C.C.A.), e substituído posteriormente pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI), criado pelo Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), aprovado pelo Decreto-Lei n. 287/2003, de 12 de Novembro, que, no seu artigo 31., n. 1, revogou o C.C.A., determinando que deve considerar -se "a contribuiçáo autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis para todos os efeitos legais".

Contudo, tendo a decisáo recorrida efectuado o seu juízo de inconstitucionalidade com referência à contribuiçáo autárquica, uma vez que o montante da indemnizaçáo, por expropriaçáo, deve ser calculado à data da publicaçáo da Declaraçáo de Utilidade Pública (artigo 24., n. 1, do Cód. das Exp.), que neste caso ocorreu em 18 de Agosto de 2003, ou seja em data anterior à...

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