Acórdão nº 626/10.4TTGMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Março de 2012
Magistrado Responsável | FERNANDES ISIDORO |
Data da Resolução | 19 de Março de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Registo 582 Proc. n. º 626/10.4TTGMR.P1 Sumário in fine (art. 713º/7 do CPC) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I.
B… apresentou em 27-05-2010, formulário, a que se reportam os arts. 98º-C e 98º-D do CPT[1], de oposição ao despedimento promovido em 26-05-2010, pela empregadora C…, Lda, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.
Frustrada a tentativa de conciliação empreendida na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a que alude o art. 98º-J do CPT, pugnando, com a alegação dos factos e fundamentos configuradores da justa causa invocada, pela licitude do despedimento, e bem assim que se julguem integralmente pagos todos os direitos devidos à trabalhadora em consequência da extinção do contrato.
Contestou a trabalhadora, alegando, para tanto e em síntese, a inexistência de justa causa por não ter praticado os factos que lhe são imputados pela entidade empregadora; e mesmo que os tivesse praticado, face a todas as circunstâncias do caso, sempre a aplicação da sanção máxima de despedimento se mostraria desproporcionada e excessiva, configurando despedimento ilícito.
Outrossim deduziu reconvencão, pedindo, em consequência da declaração da ilicitude do despedimento, a sua reintegração ou, caso por esta venha a optar, uma indemnização não inferior a € 17.107,20, bem como as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão e juros legais.
Realizada a audiência de julgamento e decidida, sem reclamações, a matéria de facto provada e não provada, foi, na oportunidade, proferida sentença que: A. Julgou improcedente o motivo justificativo do despedimento promovido pela empregadora contra a trabalhadora; B. Julgou procedente a reconvenção e, em consequência, condenou a empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 22.087,50 (vinte e dois mil, oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao trânsito desta sentença e de juros de mora desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento, sendo que da quantia de € 4 275,00 (quarto mil, duzentos e setenta e cinco euros) serão deduzidas as importâncias eventualmente recebidas pela trabalhadora nos termos das als.a) e c) do nº 2 do art. 390º do C. do Trabalho).
Inconformada, apelou a empregadora, pedindo, na procedência do recurso: i) a revogação da sentença e a substituição por acórdão a julgar a ação improcedente; ii) a verificação de erro notório na apreciação da prova; iii) ou o reenvio do processo para novo julgamento.
Para tanto formulou as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto da sentença que, nestes autos, julgou improcedente o motivo justificativo do despedimento promovido pela recorrente contra a trabalhadora recorrida e, em consequência, condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de €22.087,50 (vinte e dois mil e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao transito da douta sentença e de juros de mora, desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento.
2) A discordância com a douta sentença de que se recorre prende-se, essencialmente, com o facto do Tribunal “a quo” não ter dado como provado factos demonstrativos de que a recorrida cometeu as infrações que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar que lhe foi instaurado e, em consequência, ter decidido pela inexistência de justa causa do seu despedimento, quando a prova documental junta ao processo permitia concluir ou decidir em sentido contrário, ou seja, pela existência de justa causa de despedimento.
3) Ora, a douta sentença incorre, salvo o devido respeito, numa errónea apreciação da prova documental junta aos autos, como adiante se verá.
4) A questão fundamental que se tem que necessariamente levantar é se a recorrida teve um comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
5) A resposta a tal questão só poderá ser afirmativa, já que claramente a recorrida cometeu um comportamento culposo, que pode justificar o seu despedimento.
6) De facto, a decisão final de que se recorre retira, de alguns dos factos dados como provados e da prova documental carreada para os autos, uma série de ilações que nem os factos, nem a prova documental comportam e que não têm qualquer suporte nesses factos ou prova documental (já que provam exatamente o contrário).
7) Na verdade, dos factos provados resulta claramente que todos os comportamentos da recorrida demonstram que a mesma cometeu as infrações disciplinares que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar que lhe foi instaurado e, apesar disso, surpreendentemente, o tribunal “a quo” decidiu-se pela inexistência de justa causa no seu despedimento.
8) À recorrida foi instaurado um processo disciplinar que se iniciou com a respetiva nota de culpa e que terminou com uma decisão em que a empresa, ora recorrente, decidiu despedi-la, invocando, para o efeito, justa causa, com a qual aquela não se conformou e recorreu, por isso, ao Tribunal.
9) Importa realçar que, nos termos da nossa lei laboral, apenas os factos que são imputados a um trabalhador na nota de culpa podem sustentar a legalidade de o despedir com invocação de justa causa, competindo sempre à entidade patronal, quando impugnado judicialmente o despedimento, fazer a prova da veracidade dos factos que fundamentaram a decisão de despedir.
10) No caso presente, a recorrente logrou provar, em sede judicial, os factos alegados na nota de culpa que permitem justificar o despedimento com justa causa da recorrida.
11) São, assim, os seguintes factos que a recorrente imputava à trabalhadora recorrida na nota de culpa inicial: 1. Os arguidos D… e E… desempenham as funções de estampador, o F… e a B… a de ajudante de estampador e o G… a de estagiário.
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No passado dia 1 de abril, foi-lhes solicitado pela gerência que, excecionalmente, e num curto período de dias, trabalhassem no turno das 14 horas até às 22 horas, para que, desta forma, a empresa conseguisse concluir com sucesso e de forma atempada uma encomenda específica de um cliente.
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Os arguidos recusaram-se a alterar o seu horário de trabalho.
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Com a recusa de alteração do horário por parte destes trabalhadores, a empresa não conseguiu cumprir com os prazos estabelecidos pelo cliente, ficando assim responsável pelo pagamento de uma indemnização ao cliente, correspondente a todos os custos adicionais que o cliente terá de suportar com este atraso.
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Para além deste prejuízo patrimonial direto, a própria imagem da empresa ficou gravemente afetada junto do cliente, deste e de outros que eventualmente tomem conhecimento dos factos ocorridos, o que poderá, no futuro, trazer reduções de encomendas, com as consequências para a empresa e os seus trabalhadores, que são fáceis de adivinhar.
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Acresce que a arguida B…, para além de se recusar a trabalhar conforme relatado, faltou ao respeito ao chefe de produção, o Sr. H… e ao gerente da empresa, o Sr. I…, em frente de todos os funcionários presentes na área de produção da C…, elevando o seu tom de voz e respondendo-lhe de forma desabrida e absolutamente inaceitável.
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Os arguidos D…, F…, E… e G… tiveram um comportamento menos grave do que o da arguida B…, pelo que se encontram a trabalhar normalmente.
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A arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente Nota de Culpa.
12) No aditamento à nota de culpa inicial, os factos que a recorrente imputava à trabalhadora recorrida são os seguintes: 1. A nota de culpa inicial foi recebida pela arguida em 16 de abril, conforme consta no aviso de receção da carta que lhe foi enviada.
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Da mesma constava expressamente, e além do mais, que “a arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente Nota de Culpa”.
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Não obstante esta ordem direta da sua entidade patronal, a arguida, que se deveria apresentar ao trabalho na segunda-feira seguinte, dia 19 de abril, nunca mais compareceu ao trabalho nem apresentou qualquer justificação, nem prévia, nem posteriormente, para a sua ausência nas instalações da empresa, para o exercício das suas funções habituais.
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Assim, deu faltas não justificadas ao trabalho nos dias a seguir discriminados: 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4 e 5 de maio.
13) Em síntese, decorre da nota de culpa inicial e do aditamento à nota de culpa que à recorrida são imputadas pela recorrente duas condutas culposas e ilícitas, passíveis de justificar o seu despedimento com justa causa: Conduta A: Pelo facto de, no dia 1 de abril, ter sido solicitado pela gerência à recorrida e outros colegas de trabalho que, excecionalmente, e num curto período de dias, trabalhassem no turno das 14 horas até às 22 horas, para que, desta forma, a empresa conseguisse concluir com sucesso e de forma atempada uma encomenda específica de um cliente, o que foi recusado pelos mesmos e levou a que a empresa recorrente não tivesse conseguido cumprir os prazos estabelecidos pelo cliente, ficando assim responsável pelo pagamento de uma indemnização ao cliente, correspondente a todos os custos adicionais que o cliente terá de suportar com este atraso.
Conduta B: Por entre os dias 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4 e 5 de maio a recorrida ter dado faltas não justificadas ao trabalho, não obstante a ordem direta da sua recorrente para que a mesma se apresentasse ao trabalho no dia seguinte ao da receção da Nota de Culpa, ou seja, no dia 19 de abril.
14) Realizado o julgamento, foram considerados provados os factos abaixo indicados (os sublinhados são nossos): 1. No dia 02/02/1987, a empregadora admitiu ao ser serviço a trabalhadora para, sob as suas ordens, direção...
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