Acórdão nº 00026/2003 - Porto de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório G… – residente na rua …, Santa Maria da Feira - recorre da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 21.12.06 – que negou provimento ao recurso contencioso em que pretendia a anulação do despacho de 30.11.2001 da DIRECTORA DO DEPARTAMENTO JURÍDICO DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL – que decidiu [competência subdelegada] não o qualificar como Deficiente das Forças Armadas [DFA] por não preencher os requisitos exigidos para o efeito pelo nº2 e nº3 do artigo 1º do DL nº43/76 de 20 de Janeiro.

Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- A matéria provada nos autos não inclui, e deveria incluir, a do relatório técnico de médico especialista em psiquiatria professor catedrático cuja idoneidade e conteúdo científico não foram postos em causa [ver nº1 do aqui nosso arrazoado]; 2- Com o devido respeito, o tribunal recorrido não devia bastar-se com o PA [processo administrativo] junto aos autos cujas apreciações médicas estão longe da autoridade científica do autor do relatório médico e, por isso, não devia prescindir da prova pericial requerida pelo recorrente porque esta tem influência na decisão final para qualificar o recorrente como portador de stress traumático resultante da vida militar. Assim, ao prescindir como prescindiu [ver nº2 do arrazoado] na sentença recorrida praticou-se erro de julgamento; 3- Ao contrário da sentença recorrida, a alteração legislativa feita pela Lei nº46/99, para qualificar o doente como DFA não exige actos que vão para além dos limites de mero cumprimento da vida militar [ver nº3 do aqui nosso arrazoado]; 4- Com a interpretação restritiva desta alteração legislativa, a sentença recorrida é contrária ao AC TCA que acompanha a instrução do recurso contencioso e ao Parecer P000092001 do Conselho Consultivo do Ministério Público que admitem que factos ocorridos durante a instrução ou meros exercícios de treino militar bastam para a qualificação como DFA não sendo necessária a actividade de campanha e de guerra efectiva [ver nº4 e nº7 do aqui nosso arrazoado]; 5- O recorrente sofreu, embora sem confronto com o inimigo, em teatro de guerra e não em mero exercício de instrução, um acidente grave com afecção crâneo-encefálica por fazer parte de uma coluna militar que seguia a uma velocidade excessiva para melhor evitar ciladas do inimigo, o que gerava risco agravado de acidentes de piso irregular. Foi esse acidente e a pressão psicológica de guerra e do seu teatro de operações que geraram o transtorno do stress sobre o recorrente; 6- Deve assim ser restabelecida a interpretação literal da norma em vez da interpretação restritiva por princípios constitucionais do Estado de Direito [ver nº9 do aqui nosso arrazoado]; 7- O acidente de sacrifício pela Pátria sofrido pelo recorrente e o stress pós-traumático contraído em teatro de guerra, embora sem confronto com o inimigo, com o grau de incapacidade reconhecido nos autos, com o AC do TCA e com o Parecer P0000921001 da PGR, em nosso critério induzem a qualificar o recorrente como DFA.

Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida.

O SECRETÁRIO-GERAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL [que nos termos do Despacho nº20418/2006, publicado na II série do DR de 09.10.2006, sucedeu à autora do despacho recorrido] contra-alegou, concluindo assim: 1- A sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao ter considerado não enfermar o acto recorrido de vício de preterição de audiência prévia, não só porque consta do PA junto aos autos ter o recorrente sido notificado para os efeitos do artigo 100º do CPA, como por ser da competência da entidade instrutora, nos termos do artigo 104º do mesmo CPA, decidir sobre a necessidade e conveniência da realização de diligências complementares; 2- A sentença recorrida não sofre do alegado vício de violação da lei ao ter entendido que a realidade factual apurada nos autos não permite o enquadramento pretendido pelo ora recorrente e ao ter decidido que o acto sub judice não é portador da ilegalidade que lhe é assacada pelo recorrente; 3- Com efeito, o acidente sofrido pelo recorrente não pode ser considerado como ocorrido em campanha ou em situação equiparada, como foi decidido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no AC de 31.03.1998 e que se encontra junto aos autos; 4- Não pode aceitar-se uma interpretação meramente literal do nº3 do artigo 1º do DL nº43/76 [redacção dada pela Lei nº46/99 de 16.06] no sentido de que qualquer perturbação psicológica crónica, decorrente da vida militar, seja susceptível de determinar a qualificação como DFA, independentemente de o trauma que provocou tal doença ter ocorrido em situação de campanha ou equiparada; 5- Deve atender-se aos demais elementos de interpretação da lei [sistemático, histórico e racional] e considerar-se que a Lei nº46/99 se limitou, no que ao DL nº43/76 se refere, a explicitar que o stress pós-traumático de guerra é também uma doença susceptível de conduzir à qualificação como DFA caso se verifiquem os demais requisitos legais, maxime, ter tal doença sido contraída em situação de campanha ou equiparada, como decidiu o TCA em AC de 15.05.2003 [Rº4459/00/RJ]; 6- As doenças de que o recorrente padece, a saber, síndroma pós-comocional e neurose ansiosa, não podem ser consideradas como stress pós-traumáutico de guerra, uma vez que este não passou por situações psicologicamente dolorosas ou dramáticas resultantes de envolvimento directo ou indirecto em acções de combate ou vivência de traumas resultantes da guerra; 7- Não sendo as doenças de que padece causadas pelo serviço de campanha ou equiparado, não está reunido o principal requisito para a qualificação como DFA, pelo que o tribunal recorrido decidiu bem ao negar provimento ao recurso contencioso de anulação.

Termina pedindo o não provimento do recurso jurisdicional.

O Ministério Público também se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA] neste último sentido.

De Facto São os seguintes os factos considerados provados na decisão judicial recorrida: 1- O recorrente foi incorporado em 03.01.1967; 2- Em 01.12.1967 embarcou com destino a Moçambique, tendo sido integrado no B Caç 18/1ª Companhia; 3- Tinha a especialidade de atirador de infantaria; 4- Oportunamente foi instaurado no Quartel do Batalhão de Infantaria de Aveiro um processo por acidente em serviço ocorrido no TO de Moçambique em 01.08.68 [na picada "Maúa-Marrupa] e em que se viu envolvido o ora recorrente, então aí a prestar serviço como alferes miliciano; 5- Esse processo de averiguações terminou com o seguinte relatório e conclusões: RELATÓRIO 1. No dia 01.08.68 [e não 86], o Alferes Mil G…, quando se deslocava numa viatura Berliet de matrícula MX-03-62, para auxílio de uma outra viatura que na véspera ficara acidentada, resultou um acidente, tendo ficado ferido o Alferes G….

  1. O acidente deu-se na picada "Maúa-Marrupa" [Moçambique], quando, ao apresentar-se uma curva, devido ao excesso de velocidade, o condutor não conseguiu controlar a viatura, indo embater numa árvore, voltando-se seguidamente.

  2. Do que me foi dado averiguar através de declarações e por deprecada do Comandante do Batalhão, Comandante de Companhia e do Sargento Enfermeiro [que seguia na viatura na altura do acidente] sou levado às seguintes conclusões: CONCLUSÕES 1. Que o acidente foi motivado, em parte, dado o facto de a viatura ir com excesso de velocidade, velocidade esta consentida pelo alferes Mil.º G…, que era o chefe da viatura no momento do acidente [folhas 71 verso do p.i.].

  3. Que o acidente se dera estando o sinistrado no desempenho de funções de serviço.

  4. Que, motivado pelo acidente, foi o sinistrado julgado incapaz de todo o serviço militar com a incapacidade parcial permanente de 28%, por motivo de acidente em serviço tendo o sinistrado concordado com a decisão da J.H.I. [folhas 93 e 94 do p. i.].

  5. Que o serviço que estava a desempenhar o sinistrado no momento do acidente era a recuperação de uma viatura que, na véspera, ficara atascada na picada.

  6. Que o efectivo das NT, que normalmente actuavam na zona do acidente, era de uma Secção ou Grupo de Combate desfalcado, tudo dependendo da missão a cumprir e época do ano.

  7. Que o IN actuava com intensidade próximo de Marrupa, que dista cerca de 140km do local do acidente [folhas 72 do p.i.].

  8. Que durante a permanência da 1a Companhia do B. C AC. 18 naquela localidade não houve contactos com o IN [folhas 45 verso e 54 verso].

  9. O sinistrado, no requerimento de folha 82 deste processo, que deu origem ao processo de incapacidade, alega que, motivado pelo acidente, ficou com decréscimo de memória. Na folha de matrícula do sinistrado [folha 76] verifica-se que, o mesmo conseguiu tirar a licenciatura em direito no ano de 1981 [conf. folhas 108 e 109 do p.i.].

    6- Sobre tal relatório incidiu o seguinte despacho do Comandante do BI de Aveiro: “Examinados os autos sou de parecer que o acidente não deve ser considerado como ocorrido em serviço de campanha nos precisos termos do n°2 do artigo 2° do DL nº43/76 de 20.01” [folha 109 do p.i.]; 7- Instaurado subsequentemente o processo de qualificação de DFA relativo ao ora recorrente com o nº9719/94, foi, a final...

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