Acórdão nº 08B276 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 9 de Dezembro de 2004, contra CC e DD, acção executiva para prestação de facto, com base em sentença proferida no dia 19 de Maio de 2003.

Os executados deduziram, no dia 18 de Janeiro de 2005, oposição à referida execução, sob o fundamento de não haver obra em curso afectante dos direitos reconhecidos na acção principal, nem se vislumbrar da própria sentença incumprimento por eles de específico comando executável por outrem.

Na contestação, os exequentes afirmaram que a edificação desrespeita o embargo já ratificado em processo anterior e o seu direito à servidão de vistas e de estilicídio reconhecida por sentença transitada em julgado.

No despacho saneador, foi afirmada a validade e a regularidade da instância, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 25 de Julho de 2006, por via da qual a oposição foi julgada improcedente.

Agravaram os oponentes, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Junho de 2007, negou provimento ao recurso, em relação ao qual pediram a aclaração e arguiram a nulidade.

A Relação, já depois da interposição do recurso de revista, por acórdão proferido no dia 20 de Setembro de 2007, desatendeu o pedido de aclaração e julgou improcedente arguição da nulidade do acórdão.

Interpuseram os agravantes recurso de agravo do segundo acórdão da Relação e de revista do primeiro, sendo que neste Tribunal não foi admitido o recurso de agravo, mas considerou-se o seu objecto incluído no recurso de revista.

Eles formularam, em síntese, em relação a ambos os acórdãos impugnados, as seguintes conclusões de alegação: - com a prolação do aresto, o tribunal a quo que decidiu o original recurso de agravo, sem antes ter sido proferido despacho a sustentar ou a reparar o agravo, em obediência ao artigo 744º, nº 1, do Código de Processo Civil, violou este normativo; - isso implicou diminuição das garantias processuais - reapreciação da causa pelo próprio julgador da instância primordial e possibilidade de modificação dessa decisão depois de apresentação das razões de discordância; - envolveu grave omissão dum anterior grau de sindicância e ou de reapreciação do objecto do recurso com que as partes contavam, e grave ofensa dos direitos e garantias dos recorrentes no decurso do processo e da justa composição do litígio a ajuizar; - interpretar o artigo 744º, nºs 1 e 5, do Código de Processo Civil por essa forma implica inconstitucionalidade material dessa norma e do respectivo núcleo; - com a prolação do aresto incidental pelo qual se julgou improcedente a arguição da nulidade, a Relação violou aquele preceito e o disposto nos artigos 201º e seguintes do Código de Processo Civil; - deve declarar-se a nulidade em causa e anularem-se todos os actos processuais praticados no tribunal a quo, distribuição incluída e o acórdão, e ordenar-se a baixa do processo ao tribunal da primeira instância, para prolação do despacho omitido.

- os exequentes incorreram em erro procedimental ao instaurarem a execução para prestação de facto positivo em vez de prestação de facto negativo, com as consequências processuais legais referidas no texto - artigos 45º, 193º, 199º, 933º, 941º e 942º do Código de Processo Civil; - a sentença é condenação genérica vindoura e não outra mais específica para o que se tinha verificado e podia ter sido desde logo sindicado na acção, teria de haver uma verificação da obra a demolir, se fosse esse o caso - artigo 941º do Código de Processo Civil - por eventual ofensa das serventias declaradas na acção e a decisão final não condena na demolição de alguma obra em concreto, como podia e devia, visto o pedido deduzido e a natureza constitutiva, na data mais recente, dessa sentença; - o exercício do direito, já restringido em si pela lei ou pela norma protectora respectiva - artigo 1362º do Código Civil - dentro das finalidades dessa ordem jurídica e na medida respectiva, isto é, quando assim já de modo restritivo e ou em salvaguarda doutra norma tipo, o concede e é como tal respeitado, não pode ser tido como abusivo para as finalidades do artigo 334º do Código Civil, violado pela Relação ao manter tacitamente o decidido na primeira instância por erro de aplicação e ou de interpretação do artigo 1362º do Código Civil; - a distância de um metro e meio exigido pelo artigo 1362º do Código Civil é apenas na exacta extensão e dimensão da janela, ou seja, no espaço fronteiro a ela e no que lhe é superior, na extensão ou dimensão respectiva, e não no seu espaço lateral ou inferior; - o pedido em contrário deduzido no requerimento executivo torna-o inepto e insusceptível de conduzir à finalidade coerciva pretendida, de par com o demais alegado nas conclusões primeira e segunda, ineptidão ou desadequação essa de conhecimento oficioso, pelo menos enquanto não se chegar à fase da venda judicial, como resulta dos artigos 812º, 812º-A, 817º e 820º do Código de Processo Civil, a ter em conta na apreciação do caso; - o mesmo sucede com o pedido de afastamento em meio metro da parede ou fachada norte da casa de morada dos recorrentes, que não tem nenhum apoio legal na norma de vizinhança do artigo 1365º do Código Civil para a salvaguarda respectiva; - a servidão de estilicídio apenas confere ao titular do prédio dominante o direito de exigir o exacto cumprimento do artigo 1365º, nº 2, do Código Civil, e não o de pedir a destruição ou o afastamento de meio metro da obra levantada no prédio serviente, a qual, em nada veio conflituar com o escoamento de águas pluviais em causa, que se faz normalmente sem empecilho algum trazido por aquela construção; - mormente assim sucede após a renúncia constatada no prédio dominante remodelado previamente à obra nova efectuada no prédio serviente, e a retirada do seu local de implantação anterior do beiral de pingantes constitutivos da servidão em causa, com a coeva colocação, prévia à continuação ou conclusão da obra nova efectuada depois no prédio serviente, de caleiros próprios para recolha das águas pluviais do telhado, em sua substituição e ou fazendo-se a modernização construtiva respectiva; - decidindo-se doutro modo, e negando-se provimento à oposição, cometeu o tribunal a quo grave, afrontosa e ilegal ofensa aos artigos 1362º e 1365º do Código Civil, por clamoroso erro de interpretação desse injuntivo protector dos conflitos de vizinhança como o presente; - deve revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que contemple as razões contidas nas alegações, seja procedimentais, ordenando-se a baixa dos autos, sejam substantivas, julgando-se ademais procedente a oposição.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão: - o aresto não está afectado de algum vício ou nulidade, e a aplicação dos artigos 1362º e 1365º resulta da subsunção acertada dos factos ao direito; - a servidão não é de vistas, mas destinada à circulação de ar fresco e luz, e de estilicídio, destinada a garantir o escoamento da água pluvial para o solo e não construção que a limitaria; - a sentença, que serve de título executivo, garante literalmente a demolição de qualquer obra que coloque em causa as referidas servidões que oneram os recorrentes, e não há renúncia a qualquer servidão; - não podem os recorrentes discutir no recurso o requerimento executivo liminarmente recebido e cujo despacho transitou em julgado; - não há exercício abusivo do direito na execução, salvo o dos recorrentes, por continuarem a desrespeitar a ordem judicial e jogando na capacidade de convencimento do tribunal.

II É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido: 1. Os executados foram condenados, por sentença proferida no dia 19 de Maio de 2003, transitada em julgado no dia 4 de Março de 2004, a reconhecerem a existência de servidão de vistas - mediante o uso de uma janela no primeiro andar sobre prédio seu e em favor prédio contíguo dos demandantes; a reconhecerem a existência de servidão de estilicídio a favor do lado sul do aludido prédio e a demolirem quaisquer obras que ponham em causa o direito de servidão reconhecido aos autores.

  1. Os exequentes, ainda não decorrido um ano após a prolação da sentença, procederam à reconstrução do seu prédio e dotaram de caleiro o beiral do telhado, e a partir daí deixaram de existir pingantes ou gotejamento sobre o imóvel dos executados.

  2. O prédio dos exequentes assenta num muro em pedra, construído pelos seus antecessores e os dos executados.

  3. Ambos os imóveis foram, anteriormente a 1966, propriedade do mesmo dono, EE e cônjuge, e só após 1966, ano em que se operou a separação dominial em causa, foi construída a parede mais a nascente, com terraço de cobertura, nas traseiras da casa dos exequentes, fazendo ampliação à casa destes.

  4. O muro tem continuidade apenas no prédio dos executados, fechando-o do lado nascente, e tem nessa extensão uma mesma e igual natureza, constituído por blocos de pedra interligados a reboco, e tinha em toda a sua extensão várias presas de ramadas de videiras do lado do prédio dos executados.

  5. A confinância de estremas de exequentes e executados verifica-se apenas dos lados norte e sul...

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