Acórdão nº 08471/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução08 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO Hospital Professor …………….., EPE, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 18/11/2011 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões movido por Santander …………….., Companhia de …………………., SA, julgou procedente a intimação requerida, referente à consulta ou acesso ao documento do processo clínico de Madiu …………, que mencione as causas e circunstâncias do falecimento, em especial, o atestado médico/relatório médico, com menção das causas, início e duração da doença que lhe causou a morte.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 104 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “

  1. A sentença do Tribunal a quo padece de nulidade por não ter apreciado todas as questões suscitadas pelas partes, concretamente a questão relativa à validade do consentimento e à validade das cláusulas invocadas pela Recorrida; B) O acesso à informação sobre a causa, início e duração da doença que determinou a morte do de cujus é suscetível de ser utilizado para que aquela se furte ao pagamento de qualquer compensação devida em virtude da morte do segurado; C) A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos é, em abstrato aplicável ao acesso a documentos administrativos nominativos; D) Tal corno a Lei de Proteção de Dados Pessoais o é relativamente a documentos que contenham dados de saúde, classificados como dados pessoais sensíveis por tal diploma; E) Ambos os diplomas se revelam aplicáveis à situação em apreço pelo que qualquer transmissão de informação sempre teria de ser cumulativamente autorizada por ambos os diplomas (atenta a natureza especial da apreciação da CNPD – relativa a dados pessoais – face à natureza geral da apreciação da CADA relativa à generalidade dos documentos administrativos); F) A CADA não pode ser considerada como a única entidade com competência nesta matéria (que ademais, não se confunde com a competência da CNPD), pois que, caso os dados em causa estivessem no poder de entidades privadas, apenas a CNPD teria competência para deliberar sobre um eventual envio; G) A própria Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, determina que este tipo de informação se sujeita à proteção de dados pessoais mais determinando que o acesso à mesma, em regra, apenas pode ser efetuado para efeitos de prestação de serviços de saúde.

  2. Não existe qualquer consentimento prestado pelo de cujus, porquanto o formulário tipo de onde consta a sua assinatura não apresenta qualquer consentimento expresso, livre, específico, informado e esclarecido.

  3. Tal declaração deixou de ter qualquer validade decorridos seis meses após o seu preenchimento.

  4. A cláusula do contrato de seguro (condições especiais) que exige a apresentação de relatório de onde constem as causas, início e duração da doença que causou a morte do de cujos tem como efeito alterar o critério de repartição do ónus da prova, sendo por isso nula nos termos do n° 1 do artigo 1º, alínea g) do artigo 21º e 12º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

  5. A nulidade deste tipo de cláusulas foi já decretada, várias vezes, por tribunais superiores, os quais, aderindo ao entendimento da CNPD no sentido da nulidade de tais cláusulas (e impossibilidade da transmissão ou acesso e informação como a que curamos nos presentes autos), a incluíram no repositório de cláusulas contratuais gerais abusivas a que se refere o artigo 31° da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais; L) Sendo tal cláusula nula, a somar à falta de consentimento por parte do interessado, soma-se ainda a falta de interesse por parte da Recorrida, a qual não pode, de forma alguma, solicitar à Recorrente o acesso a tal informação; M) A CNPD, e mesmo o Tribunal da Relação de Lisboa, vêm negando a possibilidade dos herdeiros solicitarem tal informação para, posteriormente, a cederem às seguradoras.

  6. Termos em que a pretensão da Recorrida, de acesso a informação clínica do de cujos, deveria ter sido considerada improcedente.

  7. Pelo que a sentença do tribunal a quo deve ser infirmada e substituída por outra que indeferia a pretensão da Recorrida.”.

    Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.

    * A ora recorrida, notificada, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 146 e segs.), tendo assim concluído: “I. Não se conformando com a douta sentença de fls., nos termos do qual foi julgada totalmente procedente a pretensão da Autora, vem a Ré recorrer de tal decisão, defendendo que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo apresenta dois vícios:

  8. Por um lado, está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, B) Por outro, apresenta um erro de julgamento no que se refere à aplicação do direito à situação em causa.

    Dos Factos Relevantes: II. Com relevância para o presente recurso, há que referir os seguintes factos julgados provados pelo Tribunal a quo:

    1. A Requerente á a companhia de seguros com quem Madiu ………subscreveu, a 15/03/2007, o contrato de seguro de vida grupo/crédito à habitação; b) Lê-se na declaração de saúde assinada por Madiu ………….., a qual é parte integrante do contrato de seguro, que este declarou autorizar expressamente, mesmo após a ocorrência de um sinistro coberto pelo contrato de seguro, qualquer médico e hospitais/clínicas a facultar à Seguradora, através do seu médico conselheiro, toda e qualquer informação que possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade; c) Madiu ……… faleceu; d) A 22/03/2011 o médico conselheiro da requerente – Dr. Augusto …………. – solicitou ao Hospital Professor Doutor …………………, EPE, informações acerca da data do diagnóstico da doença que motivou a morte do paciente, uma vez que o certificado de óbito tem omissão do preenchimento deste campo...; e) A requerente instruiu o pedido de acesso a dados de saúde de Madiu ………..com cópia da declaração de saúde assinada pelo de cujos...; f) A autoridade requerida, com fundamento na Deliberação n°511/2011, emitida em 23.5.2011, pela CNPD, indeferiu o pedido da requerente.

    2. A 4.7.2011 a requerente apresentou queixa junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos.

    3. A 26.9/2011 a requerente foi notificada do parecer n°257/2011, emitido pela CADA, nos termos do qual foi deferida a pretensão da requerente.

    4. A requerente deu conhecimento do parecer da CADA à autoridade requerida.

  9. Da alegada nulidade da sentença III. Alega a Recorrente que a sentença recorrida não aprecia três questões suscitadas pela mesma na sua contestação: a questão do consentimento, a ponderação dos interesses e a validade da cláusula da apólice que, alegadamente, consubstancia o consentimento do de cujos no sentido do acesso aos dados aqui em crise, estando por isso a mesma ferida de nulidade, prevista na alínea d) do n°1 do art.668° do CPC.

    IV. Sucede que, das três questões enunciadas pela Recorrente, somente a “ponderação de interesses” não foi analisada, já que se trata de uma questão prejudicada pela solução dada a outras: na verdade, o juízo de proporcionalidade apenas teria que ser tido em conta caso estivéssemos a analisar o acesso a dados nominativos por parte de um terceiro com um interesse direto, pessoal e legítimo, o que não é o caso! V. O Tribunal analisou e classificou o tipo de documentos aqui em análise (documentos nominativos na posse de entidade pública empresarial), bem como a clausula de consentimento para acesso a dados de saúde fornecida pelo de cujos, tendo concluído que, independentemente de, no caso em concreto, se aplicar a LADA ou LPDP,” (...) constando do contrato de seguro, com forma escrita, clausula de autorização de acesso, deverá a mesma ser entendida como manifestação de vontade, expressa e subscrita, do declarante no acesso à respetiva documentação clínica pela seguradora.” VI. Pelo que não assiste razão à Recorrente, já que todas as questões que se impunham analisar foram devidamente fundamentadas, impondo-se assim a validade da sentença do Tribunal a quo.

  10. Do alegado erro no julgamento VII. Comece-se por referir que a Recorrente tece infundamentadas considerações acerca da forma de atuação da Recorrida ao nível do processo de gestão de sinistros, como por exemplo que o acesso ao relatório médico do segurado é solicitado “(...) na medida em que se lhe apresenta como viável furtar-se a qualquer pagamento a efetuar ao abrigo do contrato de seguro (...)” ou mesmo que “(...) é pois este o interesse presumível da ora Recorrida, o de negar o pagamento de qualquer compensação, invocando qualquer dado que lhe permita desonerar-se de um qualquer pagamento devido pela morte do respetivo cliente”, as quais além de serem totalmente falsas, são inclusivamente capazes de ofender a credibilidade, prestigio e confiança da Recorrida, facto que, como a Recorrente bem terá conhecimento, poderá constituir um ilícito criminal nos termos do art.187° do Código Penal.

    VIII. Alega então a Recorrente para justificar o alegado erro de aplicação do direito que: i) O acesso à informação em causa não deve ser analisado somente à luz da LADA, mas também à luz da LPDP, sendo certo que “(...) a CNPD tem sistematicamente negado o acesso de tais dados com fundamento na violação das competentes disposições da Lei n° 67/98.

    ”; ii) “(...) não existe qualquer tipo de consentimento legalmente prestado pelo de cujos”.

    IX. Começando pelo regime legal que disciplina o presente acesso aos dados de saúde do de cujos, o acesso a documentos nominativos na posse de uma Entidade Pública Empresarial (como é o caso da Recorrente) deve ser regulado pela LADA, nos termos do n° 1 e 3 do art.2° de tal regime legal, e não pela LPDP, sendo a CADA, e não a CNPD, a entidade pública com competência para se pronunciar acerca do acesso a tais documentos nominativos...

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