Acórdão nº 0713690 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório Na sequência do inquérito efectuado nos autos de processo comum nº .../04.0TAPRG, do ..º Juízo do Tribunal de Peso da Régua, deduziu o MºPº acusação contra os arguidos B.........., Lda, e C.........., devidamente ids. nos autos, imputando-lhe a prática, em concurso, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos arts. 6º, 7º nºs 1 e 3 e 105º nºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5/6, e de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30º nº 2 e 79º do C. Penal e 6º, 7º nºs 1 e 3 e 105º nºs 1, 4 e 6, todos do RGIT.

Distribuídos os autos, o Sr. Juiz proferiu despacho rejeitando a acusação e determinando a baixa dos autos para a fase de inquérito para os fins tidos por convenientes, despacho esse que foi renovado posteriormente.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a revogação daqueles despachos e a sua substituição por outro que receba a acusação que havia deduzido contra os arguidos, formulando as seguintes conclusões: 1- A acusação foi deduzida em 08.12.2006 e da mesma consta, além do mais, a seguinte factualidade: Nos meses de Outubro e Novembro de 2003, o arguido, na qualidade de legal representante da sociedade arguida, e no interesse desta, emitiu as facturas de fls, 46-71, relativas à actividade desenvolvida e remeteu a declaração periódica referente ao mês de Novembro de 2003 (período 0311), na qual se apurou imposto a entregar ao Estado (IVA) no valor de €6.194,68, conforme declaração periódica de fls. 135, que aqui se dá por reproduzida para os legais efeitos.

Nos meses de Julho, Agosto, Outubro e Novembro de 2004, o arguido, na qualidade de legal representante da sociedade arguida, e no interesse desta, emitiu as facturas de fls.188-195, 204-214 e 224-238, relativas à actividade desenvolvida e remeteu três declarações periódicas referentes aos meses de Agosto, Outubro e Novembro de 2004 (período 0408, 0410 e 0411), na qual se apurou imposto a entregar ao Estado (IVA), respectivamente, no valor de €935,54, €3.368,81 e €2.264,92.

A referida quantia não foi entregue pelos arguidos, nem no prazo legal da entrega da prestação, nem nos 90 dias sobre o termo do mesmo prazo.

O arguido, por si e em representação da arguida "B........., LDA", decidiu não entregar ao Estado as quantias mencionadas em 4) e 5) e apropriou-se das mesmas, obtendo, por essa via, vantagem patrimonial nesse valor.

Em 17 de Agosto de 2005 foram os arguidos notificados para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento do imposto sobre o Valor Acrescentado respeitante a Agosto de 2004 (0408), no montante de €935,54 - cfr. fls. 177 e 179 - o que não fizeram.

Apenas em 10.09.2004, 27.10.2004 e 31.08.2005, os arguidos procederam ao pagamento do montante em dívida mencionado em 4) e acréscimos legais, mediante pagamentos por conta, e em 31 de Outubro de 2005 do montante mencionado em 8), referente ao período de Agosto de 2004 - cfr. fls. 35-37 e 308.

Ao actuar da forma descrita, bem sabia o arguido que o IVA que liquidou e reteve não lhe pertencia e que o deveria ter entregue aos Cofres do Estado, e a este deveria ter sido entregue nos prazos legais e, não obstante, não o entregou em tal prazo, não tendo ainda entregue nos Cofres do Estado as quantias de €3.368,81 e €2.264,92.

O arguido agiu, ainda, em nome e no interesse da sociedade arguida, na qualidade de seu gerente.

Ao actuar da forma descrita fê-lo por dificuldades financeiras da sociedade.

Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2- A acusação foi deduzida no dia 08 de Dezembro de 2006, antes da entrada em vigor da referida Lei do Orçamento, que introduziu alterações ao REGIT.

3- O arguido C.......... e a sociedade arguida (esta notificada na pessoa do seu legal representante (o arguido C..........), foram notificados da acusação, também antes da entrada em vigor da citada lei, que alterou o REGIT.

4- Em 26.01.2007, antes de terem sido proferidos os doutos despachos que rejeitaram a acusação, e que constam de fls, 354 e 370, a sociedade arguida e seu legal representante, o arguido C.........., foram notificados pela Administração Fiscal para procederem ao pagamento das prestações em dívida, demais acréscimos legais e coimas respectivas - cfr. fls. 342-345, 348-A-350 e 358-367.

5- Em 08 de Março de 2007, a Administração Tributária informou aos autos que notificados os arguidos para procederem a tais pagamentos, os mesmos não efectuaram qualquer pagamento e requereu o prosseguimento dos autos, por se não ter verificado a condição de não punibilidade.

6- Antes de proferidos os doutos despachos recorridos, já constavam dos autos as notificações efectuadas aos arguidos e informação da Administração Tributária do não pagamento pelos mesmos das prestações em dívida, acréscimos legais e coimas.

7- Basta ler-se o douto despacho recorrido de fls. 354, proferido em 20.03.2007, para se ver que os fundamentos aí aduzidos são contraditórios e que não constituem fundamento de rejeição da acusação.

8- Na verdade, começa por dizer-se que a lei 53- A/2006, de 20 de Dezembro- que aprovou a Lei do Orçamento - introduziu uma nova condição de punibilidade e depois conclui-se que da acusação não consta ter sido efectuada a notificação ao arguidos para tais pagamentos e que tal facto é elemento constitutivo do crime.

9- Por um lado diz-se que os factos constantes da acusação não constituem crime e, por outro, é determinada a baixa dos autos para a fase de inquérito, para suprir a insuficiência da acusação, ou seja, para nela apenas se fazer constar que foi efectuada a notificação a que alude o disposto na al. b), do n.04 do art. 105.°, do REGIT, o que resultava já dos documentos juntos aos autos, antes mesmo da prolação dos doutos despachos recorridos.

10- Todavia, contrariamente à conclusão a que chegou a Mma. Juiz a quo, a alteração introduzida pelo mencionado normativo não é elemento constitutivo do tipo legal de crime, sendo antes uma condição objectiva de punibilidade. E, neste sentido já se pronunciou o STJ, no Ac. proferido no processo 4086/06-3, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Coimbra, relato n.º 50b, publicado in www.STJ.pt. E o Tribunal da Relação do Porto, no ac. proferido no proc, n..° 0646222, em 14/02/2007.

11 - Actualmente, e dada a letra da lei - "os factos só são puníveis"- o não pagamento da prestação tributária, seja qual for o valor que esteja em dívida, constitui uma condição de punibilidade.

12- Não obstante a alteração do regime punitivo, o crime de abuso de confiança fiscal consuma-se com o vencimento do prazo legal de entrega da prestação tributária e que, em sede de tipicidade, a lei orçamental nada alterou.

13- Todavia, ressalva-se a aplicabi1idade do disposto no artigo 2° n.º4 do Código Penal, uma vez que o regime actualmente em vigor é mais favorável para o agente, quer sob o prisma da extinção da punibilidade pelo pagamento, quer na óptica da punibilidade da conduta (como categoria que acresce à tipicidade, à ilicitude e à culpabilidade - cfr. Decisão do Tribunal Colectivo de Santarém de 24.1.2007.

14- As condições objectivas de punibilidade são aqueles elementos do tipo situado fora do delito, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção anti jurídica tenha consequências penais. Apesar de integrarem uma componente global do acontecer e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção.

15-Por seu turno, os pressupostos processuais são regras do procedimento cuja existência se fundamenta na possibilidade de desenvolver um procedimento penal e ditar uma sentença de fundo e, como os pressupostos processuais pertencem exclusivamente ao direito processual não afectam nem o conteúdo do ilícito. Nem a punibilidade do facto, limitando-se exclusivamente a condicionar a prossecução da acção penal.

16- O crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia. Ou seja, consuma-se no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito. A norma do artigo 105° do RGIT não permite outra interpretação e reconduzir ao núcleo da ilicitude e da tipicidade o que são condições de exercício da acção penal não está de acordo com o espírito ou a letra da lei.

17- O que está em causa não é a mora, que constitui uma mera condição de punibilidade, mas sim a conduta daquele que perante a administração fiscal, agindo esta no interesse público, omite um dos seus deveres fundamentais na sua relação com o Estado.

18-Assim, entendemos que, perante esta alteração legal. Nos encontramos perante uma condição objectiva de punibilidade na medida em que se alude a uma circunstância em relação directa com o facto ilícito, mas que não pertence nem ao tipo de ilícito nem à culpa. Constitui um pressuposto material da punibilidade e conduz à conclusão da aplicabilidade de tal condição ao caso vertente, por aplicação directa do princípio da lei mais favorável, ínsito no artigo 2º, n.º 4, do C. Penal.

19- E atendendo a que o crime de abuso de confiança fiscal se consuma com o vencimento do prazo legal de entrega da prestação tributária - e que, em sede de tipicidade, a lei orçamental nada alterou- da acusação não tinha que constar (nem podia) que os arguidos foram notificados nos termos e para os efeitos da al. b) do n.º 4, do art, 105.°, do REGIT, já que a acusação foi deduzida e notificada aos arguidos antes da entrada em vigor da citada lei nº 53- A/2006, de 29 de Dezembro.

20- Assim, na esteira do entendimento do STJ e do Tribunal da Relação do Porto, que aqui perfilhamos, a nova redacção do art. 105.°, do REGIT e, nomeadamente, o seu n.º 4, consagra uma condição objectiva de punibilidade, pelo que se impunha o recebimento da...

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