Decisões Sumárias nº 71/07 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 71/2007

Processo n.º 1044/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Abrantes interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença desse Tribunal, de 26 de Setembro de 2006, “na parte em que recusou a aplicação da norma constante do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, por inconstitucionalidade violadora dos princípios da culpa, da necessidade, da igualdade e da proporcionalidade, bem como da norma contida no artigo 67.º, § único, do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, no segmento em que impõe a aplicação do máximo da pena prevista no artigo 65.º do mesmo diploma legal, por idêntica inconstitucionalidade”.

A sentença do Tribunal Judicial de Abrantes, de 26 de Setembro de 2006, após dar como apurado que os arguidos A. e B. cometeram, em co-autoria material, um crime de pesca no defeso, previsto e punido pelos artigos 29.º, alínea f) e § 6.º, 43.º e 64.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, na redacção emergente do Decreto n.º 312/70, de 6 de Julho, e um crime de pesca com uso de meio proibido, previsto e punido pelos artigos 29.º, § 6.º, 37.º, 44.º, alínea i), e 65.º do Decreto n.º 44 632, na referida redacção, passou a enfrentar a questão da penalidade a aplicar, consignando a este respeito:

“O crime de pesca no defeso, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 29.º, alínea f) e § 6.º, 43.º e 64.º do Decreto n.º 44 623, na redacção emergente do Decreto n.º 312/70, de 6 de Julho, tem a sua moldura legal aí prevista de pena de prisão de 10 a 40 dias e pena de multa de cem escudos a cinco mil escudos.

Por sua vez, a moldura do crime de pesca com meio proibido, previsto e punido pelos artigos 29.º, § 6.º, 37.º, 44.º, alínea i), e 65.º do Decreto n.º 44 623, na redacção emergente do Decreto n.º 312/70, de 6 de Julho, é, de acordo com tais redacções desses preceitos legais, de 10 a 30 dias de pena de prisão e de cem escudos a dois mil e quinhentos escudos de pena de multa.

Quanto à pena de prisão fixada no citado artigo 65.º, a aplicação do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, impõe a alteração do limiar mínimo da pena de prisão aplicável para o limite mínimo fixado no artigo 41.º do Código Penal, que é de um mês, obtendo-se, assim, uma moldura legal de pena de prisão de um mês a um mês. A aplicação dessa norma faria com que o limiar mínimo da moldura penal coincidisse com o seu limiar máximo (30 dias), conduzindo a uma pena fixa. E digo faria, pois não pode aplicar-se, já que a sua aplicação violaria os princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade contidos nos artigos 1.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 25.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Por isso essa norma já foi objecto de decisões do Tribunal Constitucional a declararem-na inconstitucional, a saber, no Acórdão n.º 22/2003, de 15 de Janeiro de 2003, e na Decisão Sumária n.º 346/2006, ambos proferidos em autos deste mesmo Juízo, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, em cuja fundamentação desse Alto Tribunal me louvo, dispensando-me de aqui a reproduzir. Entendimento «substancialmente convergente» se exarou no Acórdão n.º 124/2004, de 2 de Março de 2004, do Plenário do Tribunal Constitucional.

Daí que não se aplique o artigo 3.º, n.º 1, mencionado, por inconstitucionalidade material, na medida em que decorre dessa norma que o limite mínimo da pena de prisão aplicável ao tipo legal de crime de pesca com meio proibido em causa nos autos é idêntico ao seu limite máximo, dando origem, assim, a uma pena fixa.

Idêntico juízo de inconstitucionalidade conduz à não aplicação do artigo 67.º, § único, 2.ª parte, do Decreto n.º 44 623, no segmento em que esse normativo impõe a aplicação dos máximos das penas previstas nos artigos 64.º e 65.º do mesmo Decreto quando concorra, por exemplo (com relevo para o caso dos autos) a circunstância agravante noite. Já foi decidido, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional em Acórdão n.º 124/2004, de 2 de Março de 2004, que é inconstitucional a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º do mesmo diploma para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada – por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. Cabe, pelos mesmos fundamentos, estender esse juízo de inconstitucionalidade na parte em que esse artigo 67.º, § único, parte final, manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 65.º [por lapso referiu-se 64.º] do mesmo Decreto.

Por conseguinte, também não se aplicará o § único do citado artigo 67.º.

Por conseguinte, aplicar-se-á a moldura legal prevista nos citados artigos 64.º e 65.º, de onde resulta que é aplicável pena de prisão cumulada com pena de multa.

Todavia, os quantitativos das penas de multa aí previstas, e supra referidos, têm de ser actualizados à candeia do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/82, de 23 de Abril [norma que vigorou antes do artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro]. Daí deflui que a pena de multa para o crime de pesca no defeso tenha a moldura legal de € 2,99 a € 149,64 e para o crime de pesca com meio proibido tenha a moldura legal de € 2,99 no limite mínimo e € 74,82 no limite máximo.

Porém, com a aplicação do citado artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 400/82, com referência ao actual artigo 47.º do Código Penal, esses limites mínimos das molduras das penas de multa são aumentados, cada um, para € 10,00, como deflui da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do indicado artigo 47.º com projecção na relação entre sistema de multa fixa em montante pecuniário entre mínimo e máximo e sistema de dias de multa.

Se se substituir a pena de prisão por pena de multa impõe-se aplicar uma só pena de multa equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão, por força do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

A aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa, devendo o juiz, na operação de determinação da medida da pena, conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral, quer especial.

Nesta sede, aplicar-se-á a orientação expendida, entre nós, pelo Professor Figueiredo Dias, a qual confere às finalidades preventivas o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, sendo as exigências de ressocialização do delinquente os factores decisivos, em último termo, da medida concreta da pena a aplicar, cabendo à culpa a função de estabelecer o limite máximo de pena aplicável dentro da moldura legal.

Na determinação dessa medida impõe-se considerar ainda, como directrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime, e, entre outros, os diversos factores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.

Analisados os factos apurados, importa considerar na medida da pena de ambos os arguidos o grau de dolo – dolo directo – com que agiram, que é o mais elevado da censura penal, a muito significativa quantidade de peixe capturado, o elevado grau de culpa com que actuaram, e as fortes necessidades de prevenção geral que nesta zona se vêm fazendo sentir com particular intensidade nos últimos tempos, a par de elevadas necessidades de ressocialização dos arguidos no que tange a crimes piscícolas – não obstante a sua idade já ser considerável –, de modo a que interiorizem que não podem ceder à tentação de irem pescar com rede para rapidamente apanhar grandes quantidades de peixe, pois que isso diminui os fundos piscícolas. Também o facto de pescarem à noite constitui elemento agravante a tomar em consideração dentro da moldura legal.

Favoravelmente a ambos cabe considerar as suas humildes condições de vida, a simplicidade das suas personalidades, a sua considerável idade e a ausência de qualquer antecedente criminal.

Assim, em face das considerações precedentes, num juízo de ponderação global, justifica-se aplicar a cada um dos arguidos a pena de 30 dias de prisão e € 100,00 de pena de multa pela prática do crime de pesca no defeso, e a pena de 20 dias de prisão e € 50,00 de pena de multa pela prática do crime de pesca com meio proibido.

A estas penas de multa não poderá corresponder prisão subsidiária.

Como os crimes cometidos por cada um dos arguidos estão em concurso efectivo ideal, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal mostra-se necessário determinar a pena única em que cada arguido será condenado, tendo em conta, conjuntamente, os factos e a personalidade dos agentes. Assim, nos termos do n.º 2 desse artigo, o máximo da pena de prisão e da pena de multa é a soma das penas parcelares de cada pena da mesma natureza aplicadas e o mínimo a máxima pena parcelar aplicada, mantendo-se sempre a...

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