Decisões Sumárias nº 585/07 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução16 de Novembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 585/07

Processo n.º 894/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – O representante do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de Coimbra recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (“LTC”), da sentença proferida por aquele Tribunal que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma contida no artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais.

2 – A decisão recorrida tem o seguinte teor:

«Não obstante o art. 2.º, n.º 1, alínea e) do Código das Custas Judiciais estabelecer que os sinistrados em acidente de trabalho quando não estejam representados ou patrocinados pelo Ministério Público não beneficiam de isenção de custas, entendo que tal norma é materialmente inconstitucional, por violação de três preceitos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Em primeiro lugar, não se alcança qual o sentido da distinção feita pelo legislador, pois a mesma baseia-se apenas no critério da representação do sinistrado. De acordo com o art. 13.º da CRP, são proibidas todas as formas de discriminação, entendendo-se que esta consiste no tratamento distinto de realidades iguais ou no tratamento igual de realidades distintas. Com a nova norma do CCJ acima referida, os sinistrados em acidentes de trabalho que requeiram a revisão da incapacidade e o façam ou por si (nos termos do disposto no art. 32.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) ou representados por mandatário, poderão ser condenados a pagar as custas do incidente, ao passo que aqueles que o façam representados pelo Ministério Público estarão isentos do seu pagamento.

Estamos aqui perante uma isenção subjectiva, pelo que há que atender apenas à qualidade do sujeito que a lei isenta ou não de custas. Ora, este sujeito é sempre um sinistrado em acidente de trabalho, independentemente de estar ou não representado ou patrocinado e de o ser por mandatário judicial ou pelo Ministério Público. Sublinhe-se que a norma em apreço não isenta o Ministério Público (este já está isento pelo art. 2.º, n.º1, alínea a) do CCJ), mas sim o sinistrado que por ele é representado. Ora não há qualquer diferença objectiva entre um sinistrado representado pelo Ministério Público e um outro que esteja em juízo por si ou representado por mandatário. Assim, não há uma diferença entre as situações que justifique o seu tratamento desigual, pelo que a norma em apreço viola o disposto no citado art. 13.º da CRP.

Por outro lado, dispõe o art. 208.º da CRP que o patrocínio forense é um “elemento essencial à administração da justiça”. A norma agora em análise condiciona a livre opção dos sinistrados em acidentes de trabalho no que toca ao recurso a um advogado para fazerem valer os seus direitos. Dir-se-á que a sua representação sempre poderá ser assegurada pelo Ministério Público e que, portanto, tal restrição não fere este preceito constitucional. Sem embargo desta posição e das atribuições do Ministério Público, o certo é que o sinistrado deve poder livremente optar entre recorrer ao Ministério Público ou ser representado por mandatário judicial, sem que essa opção possa ser condicionada pelo facto de poder ser condenado no pagamento de custas caso opte pela última hipótese. O que a norma afecta não é a possibilidade de representação, mas sim a liberdade da opção a tomar pelo sinistrado – e esta é sem dúvida alguma restringida pela norma do CCJ que apenas isenta de custas os sinistrados patrocinados pelo Ministério Público.

Por último, a norma de custas referida viola ainda o disposto no art. 59.º, n.º 1, alínea f) da CRP, que estabelece o direito de todos os trabalhadores à “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”, porquanto condiciona e limita o acesso dos sinistrados à justiça (pelo menos daqueles que pretendam fazê-lo por si ou representados por mandatário) para fazerem valer os seus direitos.

Não se desconhece nem descura aqui o decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 109/2007, de 15/02/2007 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 69, de 09/04/2007, a págs. 8988 e ss.), que recaiu sobre decisão proferida neste mesmo juízo.

Contudo, e em primeiro lugar, o objecto da apreciação do TC no acórdão em causa foi “a norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 8.º, alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, na medida em que prevêem a condenação em custas do trabalhador não patrocinado no processo pelo Ministério Público no incidente de revisão da incapacidade e que não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento da incapacidade, considerando então como valor do incidente o valor da pensão anteriormente fixada” (pág. 8990, 3.º parágrafo da coluna direita). Ora, com todo o respeito pela anterior decisão que foi objecto de apreciação no recurso em causa, como acima se expôs, entendo que a norma do art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CCJ é materialmente inconstitucional de per si, ou seja, independentemente da sua conjugação com qualquer outro preceito do CCJ, nomeadamente com os critérios de fixação de valor dos incidentes de revisão da incapacidade. A norma em causa é violadora dos três mencionados preceitos constitucionais, mesmo que pudesse ser “corrigida” por qualquer outra norma de custas que devesse aplicar-se conjuntamente. Assim, a decisão proferida pelo TC não pode ser automaticamente transposta para a apreciação que acima se fez.

Mas além disso, e analisando agora a fundamentação do acórdão propriamente dita, creio que os argumentos expendidos pelo TC na fundamentação do referido acórdão não invalidam o que acima referi quanto à violação do princípio da igualdade, o que parece ser também o sentido da declaração de voto aposta pela Ex.ma Juíza Conselheira Maria Fernanda Palma ao acórdão em apreço. Sem prejuízo do que é referido pelo TC (com o que obviamente se concorda) quanto a não caber àquele órgão a sindicância das melhores ou piores opções legislativas na liberdade de conformação do princípio da igualdade (pág. 8990, 5.º parágrafo do ponto 4.), o certo é que entendo que existe efectivamente na norma em causa uma violação do princípio da igualdade, não se tratando apenas de uma melhor ou pior opção legislativa. É certo (e não se põe aqui em causa) que o patrocínio do Ministério Público tem características que o distinguem da representação por mandatário, como bem nota o TC. Contudo, mais uma vez se realça que a norma consagra uma isenção subjectiva de custas e que o sujeito dessa isenção não é o Ministério Público mas sim o sinistrado que é patrocinado. Ou seja, para aferir da existência ou não de discriminação é necessário comparar dois sinistrados que estejam precisamente na mesma posição, mas em que um seja patrocinado pelo MP e o outro litigue por si ou representado por mandatário (pois é esse o critério diferenciador empregue pela lei). Ambos vêem a sua pretensão de revisão indeferida por não haver agravamento da incapacidade - consequência: um estará isento do pagamento de custas por ser representado pelo MP; o outro terá de as pagar por estar sozinho em juízo ou representado por mandatário. Pergunta-se: será que a diferente natureza do patrocínio pelo MP justifica esta diferente consequência ao nível da responsabilidade pelas custas? Creio que não, pois aquela especificidade do patrocínio em nada contende com o...

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