Decisões Sumárias nº 558/07 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA 558/07

Processo nº 910/2007 3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

I

Relatório

  1. A representante do Ministério Público no Tribunal de Comércio de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), contra o despacho de 13 de Fevereiro de 2007 da Juiz do respectivo 3.º Juízo, que declarou esse Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de declaração de insolvência apresentado por A., S.A. O referido despacho recusara a aplicação – com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição da República Portuguesa – da “alteração da alínea a) do Art.º 89.º da Lei Orgânica dos Tribunais efectuada pelo Art.º 29.º do Decr. Lei 76-A/2006 de 29.03, bem como (d)a alteração dada pelo Art.º 14.º do Dec. Lei 8/2007 de 17 de Janeiro”.

    O despacho recorrido desenvolveu a seguinte argumentação:

    A questão que se coloca nesta sede é a da competência em razão da matéria deste Tribunal.

    De acordo com o art. 67° do Código de Processo Civil, «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.».

    A competência deste Tribunal encontra-se prevista no artigo 89° da LOTJ que, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei n° 53/04, de 18/03, dispõe que o tribunal de comércio é competente para julgar o processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou se a massa insolvente integrar uma empresa (art. 89°, n° 1, al. a).

    Este preceito foi alterado pelo Decreto Lei n° 76-A/06 de 29/03, que entrou em vigor em 30/06/2006 (cfr. art. 64°), data anterior à da entrada em juízo destes autos o qual, no seu artigo 29°, conferiu ao tribunal de comércio competência para julgar os processos de insolvência.

    O art. 165° n°1 al. p) da Constituição da República Portuguesa dispõe que É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos. Sobre as leis de autorização prevê o n° 2 do mesmo preceito que as mesmas devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.

    O Decreto Lei n° 76-A/2006 surgiu no uso de autorização legislativa concedida pelo artigo 95º da Lei n° 60-A/2005, de 30 de Dezembro. Este preceito, sob a epígrafe dissolução e liquidação das entidades comerciais dispõe que:

    1. O Governo fica autorizado, durante o ano de 2006, a alterar o regime da dissolução e liquidação de entidades comerciais, designadamente das sociedades comerciais, das sociedades civis sob a forma comercial, das cooperativas e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, através da aprovação de um regime de dissolução e liquidação por via administrativa aplicável às referidas entidades.

    2. O sentido e a extensão da autorização legislativa concedida no número anterior são os seguintes:

    a) atribuição às conservatórias do registo das competências necessárias para que possam proceder à dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um procedimento administrativo, em substituição do regime de dissolução e liquidação judicial de entidades comerciais, sem prejuízo das excepções previstas na alínea seguinte;

    b) estabelecimento das situações em que a dissolução e a liquidação judicial de entidades comerciais pode ter lugar;

    c) aplicação imediata do regime de dissolução e liquidação de entidades comerciais através de um procedimento administrativo aos processos judiciais de dissolução e liquidação que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem instaurados e pendentes em tribunal;

    d) regulação das condições e requisitos da remessa às conservatórias de registo dos processos judiciais referidos na alínea anterior;

    e) determinação do tribunal competente para a impugnação judicial dos actos praticados no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades comerciais.

    .

    Ora resulta claro que este preceito não autorizou o governo a legislar sobre a competência dos tribunais de comércio em matéria de insolvência (matéria que aliás é de todo estranha à que o artigo regula). Significa isto que a alteração da alínea a) do artigo 89° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, não foi autorizada pela Lei 60-A/2005. Consequentemente, sendo tal matéria da competência da Assembleia da República e não se encontrando o Governo autorizado a legislar sobre a mesma, é organicamente inconstitucional a alteração em apreço, não se aplicando a redacção em causa, antes se repristinando a anterior (dada pelo Decreto Lei n° 53/04 de 18/03.

    Neste sentido se pronunciou já Tribunal Constitucional no seu Acórdão n° 690/2006 de 19 de Dezembro, no qual se pode ler: “Torna-se a todos os títulos claro que o sentido e extensão (que, como sabido é, para se usarem as palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada. Tomo II, 537, significam a concretização do “objectivo e o critério da disciplina legislativa a estabelecer a condensação dos princípios ou a orientação fundamental a seguir pelo decreto-lei”) da autorização legislativa constante do aludido art° 95º e enunciados no seu n° 2, não podem comportar um entendimento que conduza a considerar que nela foi delineado, por entre o mais, um programa legislativo que implicasse a atribuição de uma dada competência a uma sorte de tribunais (para o caso, afectando-a a determinados de competência especializada).

    Na verdade, aquele artigo, substancialmente, visou a introdução de um programa legislativo que consubstanciasse uma real «desjudicialização» do regime de dissolução e liquidação das entidades comerciais – a operar por via administrativa –, e prevendo-se ainda uma forma de possibilitação da impugnação das decisões tomadas por essa via, em passo algum se descortina a atribuição de competência a que acima se aludiu.

    E, mesmo focando a alínea b) do n° 2 do citado artigo, toma-se patente que a autorização para o editando diploma governamental estabelecer as situações em que a dissolução e a liquidação judicial das entidades comerciais pode ter lugar não pode comportar um sentido de onde se extraia qual a atribuição de competência a uma dada espécie de tribunal, pois que o «estabelecimento das situações» significa, inequivocamente, a definição dos casos e condicionalismos em que aquelas entidades podem vir a ser liquidadas por via jurisdicional e não a definição do órgão judicial que vai aferir deles. Neste contexto, o normativo em apreço, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.”.

    O art. 89° n°1 al. a), com a redacção que lhe foi dada pelo art. 29° do Decreto Lei n° 76-A/06 de 29/03, foi novamente alterado pelo art. 14° do Decreto Lei n° 8/2007 de 17 de Janeiro, que repôs a redacção deste artigo com a alteração que lhe havia sido introduzida pelo Decreto Lei n° 53/04.

    Sucede, porém, que também este diploma, no que respeita à alteração do art. 89° da LOTJ, enferma de...

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