Acórdão nº 01080/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……, magistrada do Ministério Público com a categoria de procuradora adjunta, veio intentar a presente acção administrativa especial contra o Conselho Superior de Ministério Púbico (CSMP), pedindo a declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Plenário do mesmo CSMP, de 22.6.2009, que indeferiu reclamação da deliberação, de 12.5.2009, da respectiva Secção Disciplinar e, por consequência, manteve a aplicação à Autora (A.) da sanção disciplinar de advertência.

A fundamentar aquele pedido, a Autora invocou (i) incompetência do Vice-Procurador Geral da República para a conversão o inquérito no processo disciplinar na sequência do qual foi aplicada a referida sanção e, ainda, (ii) vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito da deliberação impugnada.

O Réu (R.) CSMP contestou, defendendo a validade da decisão impugnada e, por consequência, a total improcedência da acção proposta.

Notificadas as partes, nos termos do art. 91, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), só o R. CSMP apresentou alegação, com as seguintes conclusões: 1ª O acto objecto da presente Acção não padece de qualquer dos vícios que lhe vêem Imputados: INVALIDADE DA CONVERSÃO DO INQUÉRITO EM PROCESSO DISCIPLINAR e ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, equivalente a vício de VIOLAÇÃO DE LEI.

Vejamos: 2ª Defende a Senhora Magistrada Autora que o acto que converteu o inquérito em processo disciplinar, emitido pelo Senhor Conselheiro Vice-Procurador Geral da República (o Vice-PGR) em 4 de Fevereiro de 2009 É INVÁLIDO porque: 1. a competência para determinar a conversão de inquéritos em processos disciplinares é uma competência EXCLUSIVA DO CSMP e, por isso, INDELEGÁVEL. E, sendo indelegável no Procurador-Geral da República (o PGR), não pode ser objecto de subdelegação no Vice-PGR (que, na tese da Senhora Magistrada Autora, nem pode ser qualificado como órgão); e porque 2. o artigo 31º do Estatuto do Ministério Público (EMP), aprovado pela Lei no 47/86 de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei nº 60/98 de 27 de Agosto, à luz do qual foi concedida a delegação de competências do CSMP no PGR, não permite uma delegação genérica, mas apenas daqueles actos que, através de um juízo de necessidade concreto e casuístico, se afigurem como urgentes.

  1. A competência EXCLUSIVA INDELEGÁVEL do CSMP é a que lhe é conferida pela alínea a) do artigo 27° do EMP e que se traduz no exercício da ACÇÃO DISCIPLINAR (não confundível com PODER DISCIPLINAR), consubstanciada nas decisões de aplicação ou de não aplicação de penas disciplinares, 4ª A competência para a prática do acto que converte um Inquérito num processo disciplinar – já não para a prática do acto que determine o arquivamento de um inquérito, porque se inscreve exactamente no exercício da acção disciplinar, exclusivo do CSMP e, por isso, indelegável – NÃO SÓ NÃO É EXCLUSIVA DO CSMP – o PGR detém competência paralela e simultânea para determinar a instauração de inquéritos e de processos disciplinares aos seus Magistrados, como resulta do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 12° do EMP –, COMO TAMBÉM SE INSCREVE NO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR (não da ACÇÃO DISCIPLINAR) – que não abrange o acto de punir, ou de não punir, esses sim, da EXCLUSIVA E INDELEGÁVEL COMPETÊNCIA DO CSMP.

  2. Pese embora o muito respeito por opinião divergente, cremos que no teria sentido que, no termo de um inquérito mandado instaurar pelo PGR, no qual se concluísse pela indiciação de falta disciplinar, não pudesse o mesmo PGR determinar a instauração do processo disciplinar adequado, no uso da competência própria que lhe é conferida pela alínea f) do nº 2 do citado artigo 12º do EMP, ou determinar a conversão desse inquérito em processo disciplinar – acto este que mais não é do que aproveitar as diligências realizadas na fase de inquérito, se o Arguido nele foi ouvido, que passam a constituir a parte instrutória daquele processo disciplinar, como resulta do artigo 214°, nº 1, do EMP.

  3. A delegação de competências do CSMP no PGR, operada pela Deliberação de 29 de Novembro de 2006, publicada no D. R. II Série, nº 249 de 29 de Dezembro de 2006, inclui EXPRESSAMENTE a referência à norma (habilitante) do artigo 31° do EMP (confiando ao PGR a prática dos actos que, pela sua natureza, não devam aguardar a reunião do CSMP), e enumera os actos que o CSMP considera revestirem tal natureza (que não só urgente), entre os quais O ACTO QUE CONVERTE O INQUÉRITO EM PROCESSO DISCIPLINAR (na alínea u) do seu nº 1). De resto, 7ª O CSMP, enquanto órgão delegante, aprecia SEMPRE a bondade, a oportunidade e a conformidade legal desse acto, "a posteriori", no momento em que é chamado a proferir a decisão final do procedimento, RATIFICANDO-O ou REVOGANDO-O, pois para tanto esta legalmente habilitado, por força do estatuído no artigo 39º, no 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Além disso, 8ª Aquela menção expressa dispensa a fundamentação casuística, da qual a Senhora Magistrada Autora faz depender a validade da delegação de competências: o PGR – e o Vice-PGR, no caso de prática do acto no uso da subdelegação de competência conferida pelo despacho do PGR de 23 de Maio de 2008, publicado no D. R. II Série, nº 110 de 9 de Junho de 2008 – CONVERTE O INQUÉR1TO EM PROCESSO DISCIPLINAR, porque o CSMP considera esse acto, como se disse acima, como um dos que, entre outros, não deve aguardar a reunião do CSMP. Em conclusão: 9ª Ao delegar concreta e expressamente no PGR a prática do ACTO DE CONVERSÃO DO INQUÉRITO EM PROCESSO DISCIPLINAR, o CSMP considerou-o previamente como um ACTO QUE NÃO DEVE AGUARDAR A REUNIÃO DO CSMP, além de outros que, também expressamente, arrolou e incluiu na delegação de competências operada pela deliberação de 29 de Novembro aqui em causa.

    SEM PRESCINDIR 10ª E ao contrário do que vem defendido, A NATUREZA URGENTE do acto que se praticou na situação em presença – e em todas as outras idênticas a ela – NÃO CARECE DE FUNDAMENTAÇÃO, pois RESULTA DIRECTAMENTE DA LEI, que atribui ao processo disciplinar – e a todos os seus actos procedimentais NATUREZA URGENTE. Além disso, 11ª O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração, Regional e Local (ED então vigente), aprovado pelo D. L. nº 24/84 de 16 de Janeiro continha, no nº 2 do seu artigo 4º, prazo abreviado de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, 12ª Prazo esse que o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (o novo ED), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, EXPRESSIVAMENTE COMPRIMIU.

  4. O decurso de tais prazos não se compadece com a dinâmica própria do funcionamento de Órgãos Colegiais em geral e do CSMP em especial, 14ª Cujas reuniões ordinárias ocorrem de dois em dois meses, nos termos do artigo 28º, nº 1, do Estatuto do Ministério Público (EMP), aprovado pela Lei nº 47/86 de 15 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei nº 60/98 de 27 de Agosto.

  5. Como já acima se referiu, o CSMP pode SEMPRE REVOGAR ou RATIFICAR o acto que converte o inquérito em processo disciplinar, expressa ou tacitamente, ou até chamar a si, em qualquer caso, essa decisão, nos termos do nº 2 do artigo 39º do mesmo diploma legal. Por todas estas razões 16ª A delegação de competências do CSMP no PGR para a prática do acto que converte o inquérito em processo disciplinar É VÁLIDA, sendo igualmente válida a subdelegação conferida pelo PGR no Vice-PGR, a coberto do despacho de 23 de Maio de 2009, sendo certo que 17ª O Vice-PGR sempre o podia praticar, SEM NECESSIDADE DE PRÉVIA SUBDELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA ESSE EFEITO, em regime de substituição, nos termos do artigo 41º, nºs 1 e 3 do CPA Quanto ao vício de ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO: 18ª A materialidade assente INTEGRA INFRACÇÃO DISCIPLINAR por violação dos deveres profissionais de actuar no sentido de criar no público confiança na administração da justiça e de correcção, à qual corresponde a pena disciplinar de "MULTA", nos termos do artigo 163º do EMP.

  6. A observância de tais deveres impunha à Senhora Magistrada Autora, além do mais, uma aproximação especialmente atenta e cuidada aos familiares da vítima, em natural e compreensível estado de ansiedade e dor, que, como os demais cidadãos em idênticas circunstâncias, mereciam uma explicação directa e pessoal sobre as razões de inusitada e inesperada demora, para eles indesculpável, por que não explicada por quem detinha o comando das diligências em curso.

  7. A censurabilidade do comportamento da Senhora Magistrada Autora também foi sublinhada pelos Senhores Vogais do Plenário do CSMP (4) que apresentaram declaração de voto, mas votaram a decisão punitiva.

  8. As circunstâncias atenuantes foram devidamente ponderadas e valoradas a seu favor, tendo o CSMP escolhido a pena disciplinar mais leve – "ADVERTÊNCIA" – ao abrigo do disposto no artigo 186° do EMP. Acresce que 22ª A ponderação, valoração e escolha da pena inscrevem-se no exercício de uma actividade discricionária, o que permite que no desempenho dessa tarefa o CSMP actue com significativa liberdade e possa avaliar os elementos ao seu alcance que não tenham valoração fixada na lei, de acordo com o seu critério Por isso, 23ª A DECISÃO PUNITIVA SÓ É SINDICÁVEL em caso de existência de erro manifesto ou grosseiro, o que manifestamente não ocorre na situação em presença. Consequentemente, 24ª O CSMP defende que ela NÃO PADECE DE ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO OU DE DIREITO, equivalente a violação de lei.

    NESTES TERMOS DEVE IMPROCEDER O PEDIDO IMPUGNATÓRIO DEDUZIDO NA PRESENTE ACÇÃO.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Com relevo para a decisão a proferir, consideramos assente a seguinte matéria de facto: 1. A coberto do ofício nº 156, de 16.4.08, o Procurador Geral Distrital de Évora remeteu ao Chefe de Gabinete do Procurador Geral da República diversa documentação, respeitante...

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