Acórdão nº 0675/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Janeiro de 2008

Data10 Janeiro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: Os Municípios de Setúbal, Palmela e Sesimbra pediram ao TAF de Almada no mesmo requerimento inicial «a adopção de duas providências cautelares», sendo uma a suspensão da eficácia do Despacho n.º 16.090/2006, em que o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional concedeu uma «dispensa de avaliação de impacte ambiental», e consistindo a outra na intimação dos requeridos - o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, o Ministério da Economia e da Inovação (doravante, Ministérios do Ambiente e da Economia), o Instituto do Ambiente, o Instituto dos Resíduos e a A... (doravante, A...) - a absterem-se «de licenciar, autorizar ou realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no ...».

Por sentença de fls. 1764 e ss., o TAF de Almada decidiu suspender a eficácia daquele despacho n.º 16.090/2006 e intimou a A... «a abster-se de realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica».

O Ministério da Economia, o Ministério do Ambiente e a A... interpuseram recursos da sentença para o TCA-Sul.

E, por acórdão de fls. 2407 e ss., esse tribunal de 2.ª instância tomou as seguintes decisões: concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Economia, que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva; negou provimento aos recursos deduzidos pelo Ministério do Ambiente e pela A... - salvo, no recurso desta, quanto à atendibilidade de um facto - assim mantendo a «suspensão de eficácia do referido despacho» n.º 16.090/2006 e a intimação da A... «a abster-se das operações de co-incineração naquela fábrica».

Inconformado com tal aresto, o Ministério do Ambiente interpôs para este STA um recurso de revista em que formulou as seguintes conclusões: I - Da admissibilidade do presente recurso de revista 1) É público e notório que a questão da co-incineração de RIP's desencadeou arrebatadas tomadas de posição e controvérsias, deslocando a análise do problema mais para o lado da paixão que para o lado da razão (científica, jurídica, etc.).

2) A relevância social do tema, e as questões levantadas à sua volta, determinaram que o mesmo fosse tratado a nível da Assembleia da República, e levaram à criação, inovadora entre nós, de uma Comissão Científica Independente, e, no seio desta, de um Grupo de Trabalho Médico.

3) O processo de co-incineração pretende desenvolver-se, para já, noutra cimenteira (...), pelo que uma decisão desse Supremo Tribunal servirá de orientação aos tribunais inferiores na apreciação das questões que já aí se encontram em julgamento, e noutras que de futuro se venham a colocar.

4) E servirá, certamente, não apenas como contributo a um melhor esclarecimento da questão, como ainda, para atalhar ao generalizado uso dos meios cautelares da nova lei de processo, interpretados do modo alargado que vem caracterizando as decisões dos tribunais inferiores, como meio para obstar a opções «políticas» do Governo - hoje sobre a gestão de RIP's, e à realização de operações de co-incineração; amanhã outra qualquer questão da «política» do Governo (este ou outro).

5) Pelo que, as questões jurídicas a apreciar por esse Alto Tribunal se revestem de inegável importância jurídica, extravasando o caso concreto, prevendo-se que as questões suscitadas possam vir a ter aplicação em inúmeros casos futuros.

6) Assim, importará uma pronúncia desse Supremo Tribunal sobre: i) A questão da admissibilidade de providência cautelar relativa a actividade regulada por lei expressa, e devidamente licenciada, quando a mesma não se fundamente na impugnação da lei que regula a actividade, ou dos licenciamentos conferidos ao seu abrigo (como sucede in casu, face ao DL 85/2005, e aos licenciamentos emitidos a coberto do mesmo); ou ainda, na inobservância de qualquer das condições de que a lei faz depender o regular exercício dessa actividade; ii) A questão de saber se deve ser considerado no âmbito do artigo 120°, n° 1, al. b), do CPTA, toda e qualquer situação de facto consumado, ou apenas as merecedoras da tutela do direito, especialmente quando a providência incida sobre actividade legalmente licenciada nos termos da lei, ou dos licenciamentos emitidos ao abrigo da mesma (como ocorre in casu); e ainda, iii) A questão de saber se o tribunal pode, substituindo-se ao requerente de uma dada providência, dispensá-lo do indicar o critério à luz do qual pretende ver declarada a providência; ou do ónus de alegar e fazer prova dos «prejuízos de difícil reparação», ou da constituição de uma situação de «facto consumado» e, nessas condições decretar a providência II - Dos fundamentos do presente recurso 7) Vem o presente recurso interposto do acórdão, de 10.5.2007, do TCA Sul, que negou provimento a recurso da decisão do TAF de Almada que decretara a suspensão de eficácia do despacho n.º 16090/2006 do MAOTDR - que dispensou... o procedimento de avaliação de impacte ambiental para proceder à co-incineração de resíduos industriais perigosos da fábrica cimenteira sita no ... - e, intimara à abstenção da realização de testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica (vd. relatório do acórdão em recurso a fls.70).

8) Porém, esse decisório: - Ignora o que não podia ignorar: a existência de lei válida, e em vigor (maxime, o DL 69/2000, e o DL 85/2005); - Acolhe o que não podia acolher: argumentos incompatíveis com a lei existente (o DL 69/2000, e o DL 85/2005, ex vi arts. 3º/1, 45º/1, e 120º/1 b), e 2, e do CPTA); - Recusa o que não podia recusar: a análise da questão aprecianda pelo inelutável prisma do princípio da legalidade, isto é, do respeito pelo primado da lei cuja existência e validade, aliás, nunca foi posta em causa; como ainda, do princípio da segurança, e da separação de poderes, basilares dum Estado de Direito.

9) Erra, pois, o acórdão em recurso quando, no atinente à suspensão de eficácia do despacho n° 16090/2006 do MAOTDR, nada diz sobre a violação do princípio da separação de poderes, por intromissão do poder judicial no âmbito da discricionariedade administrativa, no tocante à declaração de que circunstâncias se reputam de excepcionais em sede de dispensa de AIA, nos termos do art. 3°/1 do DL 69/2000, do art. 3º do CPTA, e art. 2° da CRP; 10) Erra o acórdão em recurso por se restringir à mera (e infundada) afirmação de que «não é defensável pretender que a sentença recorrida se baseou em meras conjecturas ou eventualidades...», sem dizer, porém, porquê, ou face a que matéria dos autos e, principalmente, por ignorar o facto de, em Portugal, a opção pela co-incineração de RIP', em detrimento doutros métodos ou soluções, ser objecto de Lei da República em vigor; e de que a co-incineração no ... foi objecto de todos os licenciamentos nos termos daquela exigíveis; 11) Erra o acórdão em recurso ao afirmar que «se nos afigura não ser justificado nem prudente pretender que estando a quantidade total de dioxinas e furanos emitidos entre 2000 e 2006, abaixo dos valores limites da emissão desses poluentes, a co-incineração de RI Perigosos "nunca poderá prejudicar a saúde humana", tanto mais quanto é certo que o último estudo de impacto ambiental foi realizado há quase dez anos atrás e por isso mesmo não tem em conta a evolução tecnológica nestas matérias entretanto ocorridas» - não se descortinando em que é que a AIA (aliás, efectuada já) pode influir nos níveis de emissão dioxinas e de furanos; 12) Como erra igualmente ao invocar a «evolução tecnológica na matéria», quando a legislação em Portugal (DL n° 85/2005, de 28.4) adoptou a co-incineração como método de tratamento de RIP's, em detrimento de outros métodos ou soluções; 13) Como erra ainda, quando (ao que se apura da passagem transcrita na cópia dactilografada) afirma que «a decisão da 1.ª instância é correcta» porque «suspendeu o despacho que dispensou a AIA», e porque determinou a «suspensão das operações de co-incineração...», pois isso nada diz sobre os fundamentos dessa alegada «correcção», não demonstrando, face à matéria dos autos, as razões por que se entende ser a mesma como acertada.

14) Como erra finalmente quando ignora a esmagadora maioria das questões suscitadas no recurso, sobre as quais, ou se não pronunciou, ou muito deficientemente o fez; nomeadamente ignorando a ponderação de interesses (art. 120°/2 do CPTA), quando do lado público temos lei expressa a consagrar a co-incineração como método de tratamento de RIPs, e a estabelecer as condições em que a mesma será exercida; e ainda, os licenciamentos atribuídos ao abrigo da mesma; e do lado privado apenas temos a suposta perigosidade acrescida da co-incineração quando confrontada com outros métodos, ao contrário daquele, não escolhidos na lei; ou dito doutro modo, 15) Quando ignora a circunstância do legislador, nos termos do DL 85/2005, ter adoptado como método de tratamento RIP's (com exclusão de outros) a co-incineração; e de, ao abrigo desse diploma ter conferido os diferentes licenciamentos para o efeito à fábrica cimenteira do ..., o que, só por si seria suficiente para denegar as providências requeridas, em nome do maior prejuízo adveniente da violação dos princípios do primado da lei, e da segurança jurídica, basilares num Estado de Direito - vd. art. 120º/2, articulado com o princípio aflorado no art. 45º/1 do CPTA, ex vi 9º/1 do CC, onde se dispõe que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico».

Também a A... interpôs um recurso de revista do sobredito acórdão do TCA, tendo culminado a sua minuta com a enunciação das conclusões seguintes: A - A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, fundamenta a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT