Acórdão nº 930/04.0TVSLB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB - Sociedade de Construções, Lda, pedindo que o contrato-promessa celebrado com tal sociedade fosse declarado definitivamente incumprido desde 15 de Dezembro de 1999, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, sendo a Ré declarada única e exclusiva responsável pelo seu incumprimento, e que, em consequência de tal facto, nos termos dos artigos 440.°, 441.° e 442.°, n.ºs 1 e 2 (2.ª parte), do Código Civil, fosse a Ré condenada a pagar-lhe: - € 39.903,83 correspondentes ao dobro da importância recebida (Pte. 4.000.000$00) aquando da celebração do contrato dos autos; - € 10.624,40 correspondentes aos juros vencidos, calculados à taxa legal de 7% desde 15.12.99 até 30.4.03 e de 4% entre 1.5.03, até 1.2.04; bem como na verba correspondente aos juros vincendos até ao pagamento efectivo e integral; Para tanto, alegou, em síntese, que em 05 de Março de 1992 a sociedade Ré e o A. celebraram um contrato-promessa de compra e venda nos termos do qual, a Ré prometeu vender ao A. «livre de quaisquer ónus ou encargos», «o lugar de estacionamento aberto, com aproximadamente 15 m2, designado por n° 1, situado no piso «-3» (3ª cave)..

.» (DOC. 1, CLÁUSULAS 4 e 2).

Esse «lugar de estacionamento» é o identificado na planta anexa ao contrato-promessa como DOC. 2, sendo o preço total da venda prometida de Pte. 4.000.000$00, que o A. pagou integralmente à Ré na data da celebração do referido contrato promessa, (DOC. 1, CLÁUSULA 3 e DOC. 3).

Porque o imóvel não se encontrava concluído, em contrapartida do pagamento integral do A., a Ré obrigou-se a constituir garantia bancária em favor daquele (DOC. 1 CLÁUSULA 3°, IN FINE), que «se destinava à garantia do bom cumprimento da venda de 1 lugar de estacionamento na 3ª cave do edifício em construção» (DOC. 4).

Essa garantia bancária foi constituída por um (1) ano - até 26 de Março de 1993 (IDEM) - porque a Ré se obrigava «a finalizar a construção total da fracção até Agosto de 1992» (DOC 1, CLÁUSULA 5).

Todavia, a sociedade Ré não concluiu, nem entregou a fracção de estacionamento que prometera vender ao A. no prazo contratado (até Outubro de 1992), bem como ainda não procedeu à renovação da garantia bancária estabelecida nos termos da cláusula 3ª in fine do contrato-promessa (DOC. 1), Em virtude da Ré não ter cumprido a obrigação a que se vinculara, o A. já havia intentado contra ela acção de condenação, onde peticionava a rescisão do contrato promessa celebrado em 05 de Março de 1992, por incumprimento imputável à Ré.

Na sentença proferida naqueles autos, veio, porém, a concluir-se que: «O prazo de sessenta dias - para a realização da escritura (DOC. 1 CLÁUSULA 6) - não era um prazo peremptório, mas prorrogável, daí afirmarmos que existiam dois prazos, e não constam dos autos, em termos de alegação fáctica, quaisquer indícios que quer o A. quer a Ré, tenham iniciado conversações no sentido de tal prazo de prorrogação ter sido estabelecido.

Daqui se abarca que a falta de interpelação no sentido de ser efectuada a escritura não fez a Ré incorrer em mora. Por outro lado, inexistindo qualquer outro prazo admonitório . não poderemos concluir que estamos perante um incumprimento definitivo, mas apenas temporário”.

Com base em tais premissas, na referida sentença veio a decidir-se que: «... NÃO ESTANDO A RÉ EM MORA, O CONTRATO AINDA MANTÉM A SUA EFICÁCIA NO QUE À SUA ULTIMACÃO CONCERNE, ISTO É, o TERMO AD QUEM AINDA NÃO EXPIROU..

.».

Esta sentença foi objecto de recurso e veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o acórdão transitado em julgado em 22 de Junho de 1998.

Na sequência de tal decisão, por carta datada de 30 de Novembro de 1999, o A. interpelou a Ré no sentido de o «contrato em questão ser cumprido nos seus exactos termos, para o que se concede a V. Exa. prazo até final do corrente ano de 1999».

Em resposta à interpelação do A., e antes ainda de terminado o prazo por este dado para cumprimento, a RÉ, POR CARTA DE 15 de Dezembro de 1999, EXPRESSAMENTE RECUSOU 0 CUMPRIMENTO DO CONTRATO EM PRESENÇA.

O A. conclui, assim, pelo incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado entre as partes, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, quer pela recusa da Ré em cumprir o contrato promessa face à interpelação que lhe foi feita, fixando-se um prazo para esse efeito, quer pela declaração da Ré em resposta a essa interpelação, em que afirma que iria fazer seu o sinal entregue pelo A.

Complementarmente referiu ainda o A. que o lugar de garagem em discussão, mencionado no contrato promessa dos autos, apresenta defeitos que objectivamente impossibilitam ou tornam extremamente penosa a sua utilização, face às qualidades que contratualmente tinham sido asseguradas e ao fim e normal funcionamento das coisas da mesma natureza.

Em contestação, a Ré impugnou a factualidade invocada, defendeu a inexistência de incumprimento definitivo que lhe pudesse ser imputável e invocou a excepção do caso julgado.

O A. respondeu à excepção, concluindo nos termos da petição inicial.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção dilatória do caso julgado, seguindo o processo para julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, nessa medida, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 39.903,83 correspondente ao dobro do sinal, e juros de mora à taxa legal sobre essa quantia desde a data da citação desta acção, absolvendo a Ré do demais peticionado.

2. Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, a que a Relação negou provimento, confirmando a sentença impugnada.

O acórdão recorrido começa por realçar que da leitura destas duas cartas podemos, assim, ter presentes realidades que se configuram como inequívocas: a carta enviada pelo Apelado à Apelante, em 30 de Novembro de 1999, é uma verdadeira e válida interpelação admonitória para cumprir o contrato e a carta enviada pela Apelante ao Apelado, em 15 de Dezembro de 1999, é a clara tradução da sua recusa definitiva em celebrar esse mesmo contrato, imputando a este o incumprimento do contrato promessa, em data muito anterior.

Esse incumprimento reportou-o a Apelante a 26 de Novembro de 1997, data em que enviou uma carta ao Apelado (Ponto 5 dos Factos Provados), indicando data para a realização de escritura de compra e venda. Nessa altura, porém, o Apelando estava a aguardar decisão no Proc. 578/96, já mencionado nos autos (processo em que se apreciava a perda de interesse do Apelado na celebração desse contrato).

Porém, pretender, como o pretende a Apelante, retirar consequências da não comparência do Apelado na data indicada para a celebração da escritura (indicada na carta de 26 de Novembro de 1997), quando sabia perfeitamente que não podia realizar tal marcação, conforme, aliás, o próprio Apelado a recordou em carta enviada em 04 de Dezembro de 1997, em que dava conta desta situação – Ponto 6 dos Factos Provados – é, no mínimo, incompreensível.

Com efeito, antes do trânsito em julgado da decisão que pusesse termo à questão colocada pelo Apelado relativa à apreciação da rescisão do contrato promessa dos autos, não assistia à Apelante o direito de proceder à marcação da escritura de compra e venda uma vez que esta pressupõe a vigência desse mesmo contrato promessa.

O argumento avançado pela Apelante para imputar ao Apelado anterior incumprimento do contrato não tinha, assim, fundamento legal, por ser inválida a interpelação admonitória que lhe dirigiu.

Regressando à análise da carta de 30 de Novembro de 1999 é ainda de ter em atenção que a recusa da Apelante em proceder à marcação de data para a celebração da escritura definitiva transformou a mora em que a Apelante se encontrava, em incumprimento definitivo, face ao decurso do prazo que ali lhe foi indicado pela Apelado, sem necessidade de fixação de um qualquer outro prazo complementar para se poder afirmar o incumprimento definitivo.

Face à presunção de culpa neste incumprimento, que incidia sobre a Apelante e que a mesma não ilidiu, assistia ao Apelado o direito de resolver o contrato promessa com base em incumprimento definitivo e culposo da Apelante, direito esse que efectivou com a instauração da presente acção.

Estamos, pois, perante uma situação de incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da Apelante, incumprimento esse que é culposo, e que confere ao Apelado o direito à resolução do contrato promessa com a consequente obrigação da Apelante de lhe restituir o sinal em dobro – artigos 442.º, 432.º, 798.º. 801.º e 808.º, todos do Código Civil.

Por outro lado, pretender, como o pretende a Apelante, que com a sua carta de 15 de Dezembro de 1999 (Ponto 8 dos Factos Provados) se iniciaram negociações entre as partes – baseadas na correspondência de fls. 83 a 86 dos autos - que, desta forma, anulavam os efeitos da carta do Apelado de Novembro de 1999 é, no mínimo, distorcer a realidade.

Da leitura da correspondência assinalada nada se pode inferir sobre a existência e/ou conteúdo de negociações uma vez que ali apenas se pode constatar a tentativa de marcação de datas para encontros entre advogados, encontros esses que não se chegaram sequer a efectivar. Por outro lado, a verdade é que podemos constatar que essa mesma troca de indicações para a realização de uma reunião, que decorre entre Janeiro a Abril de 2000, ocorre já numa altura em que o prazo dado pelo Apelado para a marcação da escritura definitiva tinha já decorrido e, portanto, a mora da Apelante tinha já se convertido em incumprimento definitivo.

Curiosamente vemos a Apelante, já em 05 de Novembro de 2003, pretender marcar uma data para a escritura definitiva do contrato, como se, até àquele momento, nada tivesse acontecido – Ponto 9 dos Factos Provados – e a que o Apelado responde, e bem, nos termos da sua carta de 05 de Dezembro de 2003 (ali fazendo referência que a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT