Acórdão nº 1422/08.4PBOER.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1-No âmbito do processo acima referenciado foi proferida, em 4/04/2011, sentença que condenou, entre outros, o arguido A...

, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p e p. pelo art. 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à tabela I-C, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a determinados deveres de conduta.

2- O arguido veio recorrer desta sentença tendo apresentado as seguintes conclusões de recurso após ter sido convidado para suprir a deficiência das mesmas: (…) A. Concluímos que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado a alínea H) nos termos em que o fez, isto porque, uma breve leitura dos factos provados nas alíneas G), H) e R) apenas nos remete para uma situação de detenção de estupefacientes para consumo próprio, p. p. nos termos do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, embora o recorrente tenha sido condenado, no nosso entender mal, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a) ex-vi artigo 21.º, do mesmo diploma legal.

  1. A situação é tanto mais grave quanto é certo que do confronto do referido facto provado com a subsunção jurídica levada a efeito pelo Tribunal a quo, fica por esclarecer de forma inequívoca a que comportamento do recorrente aquele se reporta na alínea H), uma vez que, dos factos dados como provados não consta nenhuma circunstância de facto susceptível de se subsumir ao elenco do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o que viola o espírito e a lei constitucional – artigo 32.º da CRP – considerando que o direito penal não admite a analogia.

  2. Por outro lado, lê-se na Douta Sentença Recorrida: De facto, a consciência da ilicitude e vontade de acção no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes extrai-se do próprio desenrolar dos eventos e seu protelar no tempo, não sendo credível outra actuação que não a deliberada ou sequer que o arguido desconhecesse a ilicitude do seu comportamento e a punibilidade do mesmo (negrito nosso).

  3. Todavia, a Douta Sentença é totalmente omissa nesta matéria no que aos factos concerne, de molde a permitir ao julgador tal conclusão e, E. Com o devido respeito, a livre convicção do julgador não se pode confundir com livre arbítrio, em especial quando não existem quaisquer factos susceptíveis de fundamentar aquela posição.

  4. E, nem a circunstância de a quantidade apreendida ao recorrente ser superior àquela que é comummente aceite como consumo diário pode ter a virtualidade de per si condenar alguém por tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

  5. Entendemos também que o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da Lei aos factos provados, pelo que se impõe o presente recurso a fim de o recorrente ver asseguradas, por esta via, as mais elementares garantias de defesa, designadamente, os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, consagrados no artigo 32.º, n.º 2 CRP.

  6. O enquadramento jurídico-legal que o Tribunal a quo fez, perante a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que resultou provada nos termos que acima melhor se descreveu, foi no sentido de subsumir os factos provados no artigo 25.º, alínea a) ex vi do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

    I. Para o efeito, entendeu o Tribunal que o recorrente praticou uma das condutas enunciadas no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em concreto, ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.

  7. Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2008, in www.dgsi.pt, foi fixada jurisprudência no sentido de não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

  8. Com relevância para a defesa do nosso entendimento, permitimo-nos citar algumas passagens absolutamente esclarecedoras do referido acórdão: (…) Como indefensável se tem igualmente – ora, por razões diametralmente opostas – a solução proposta por aqueles outros que, ainda por aplicação literal do citado artigo 28º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, entendem ser de remeter para a norma fundamental do artigo 21º (ou do tipo privilegiado do artigo 25º ou até mesmo do artigo 26º) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o encargo de sancionar as condutas de aquisição ou detenção, para consumo próprio, antes abrangidas pelo artigo 40º e que, pela quantidade do produto em causa, não se encaixam na previsão do novo diploma legal. (…) uma lei benfazeja para o consumidor, surgida no âmbito de um movimento de despenalização das condutas menos desvaliosas de consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e imbuída da noção do “consumidor-doente” a reclamar, mais do que censura legal, a sua inclusão em programas virados para o tratamento e integração social – na medida em que, na prática e contra toda a lógica, tal traduzir-se-ia em transmudar um “doente” em traficante (13) por via de mais uns gramas de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas que porventura detivesse ou adquirisse para consumo próprio, não menos verdade é que essa solução, desproporcionada e aberrante [à luz quer do novo diploma quer da própria Lei n.º 15/93, de 22.01 (que, distinguindo claramente o tráfico e outras actividades ilícitas do consumo, não transformava um crime noutro pelo mero facto de o agente deter maior ou menor quantidade de produto)] importaria ainda a violação dos princípios da culpa e bem assim da necessidade (ou da justa medida) e da proporcionalidade (ou da proibição do excesso) das penas (14), para além de que, sob o ponto de vista dogmático, só com manifesta afronta ao princípio da legalidade, e consequente proibição da analogia (15) e da tipicidade isso seria possível. É que, nos moldes em que se encontra configurado no DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro o tipo base do tráfico de estupefacientes (e quem diz este, diz o tipo privilegiado do artigo 25º ou até mesmo o do artigo 26º) – com exclusão dos casos previstos no artigo 40º –, ele não pode aplicar-se às situações em que a substância detida ou adquirida se destina a consumo próprio do agente, qualquer que seja a quantidade em causa.

    Por outro lado, mal se compreenderia que o simples facto de a quantidade de estupefaciente detido ou adquirido pelo agente, para consumo próprio, exceder o necessário para consumo médio individual durante 10 dias levasse o legislador da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro a transformar o crime de consumo em tráfico quando, expressa e inequivocamente salvaguardando da norma revogatória do artigo 28º o cultivo – conduta bem mais desvaliosa –, preveniu que ele continuasse a ser sancionado, ainda no âmbito do consumo, como crime e nos termos do preceituado na norma do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (…).

    L. Em face de tudo quanto antecede resulta evidente que mal andou o Tribunal a quo ao condenar o recorrente pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, tendo inclusivamente sublinhado que se tratava de situação fora dos casos previstos no art. 40.º do referido diploma legal, pois a correcta interpretação e aplicação da lei aos factos concretos imporia que o recorrente tivesse sido condenado pela prática de um crime de consumo, p. p. pelo artigo 40.º, n.º 2, tudo de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência para o qual remetemos na íntegra.

  9. Concluímos que mal andou o Tribunal a quo ao afirmar não ficou demonstrado que a destinava [por referência à resina (haxixe)] exclusivamente ao seu consumo porquanto aquilo que efectivamente não logrou provado foi que o recorrente destinasse o produto estupefaciente ao tráfico e, tanto quanto julgamos saber o ónus da prova em matéria criminal é do Ministério Público que tem que provar o tráfico, não podendo o julgador bastar-se com quantidades para condenar por crimes que não foram efectivamente praticados, ainda que estejamos perante um assunto de saúde pública com a importância que o mesmo merece.

  10. A norma aplicável ao caso concreto – artigo 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – prevê a aplicação de pena de prisão e pena de multa e, entendemos que ponderadas todas as circunstâncias relevantes ao recorrente deverá ser aplicada apenas uma pena de multa que decerto satisfará todas as exigências de prevenção geral e especial.

    Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente recurso ser recebido, julgado procedente porque provado e, em sequência, absolver-se o arguido da prática de um crime crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à sua tabela I-C e subsequentes injunções e, condenar-se o recorrente pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 40.º, n.º 2 do mesmo diploma, de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mediante aplicação de pena de multa e regimes especial para jovens.

    (…) 3- O Ministério público junto do Tribunal de 1ª Instância veio...

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