Acórdão nº 947/10.6PEAMD.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Janeiro de 2012
Data | 31 Janeiro 2012 |
Órgão | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I - Relatório: I – 1.) No Tribunal de Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foi o arguido A...
, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, 177.º, n.º 1. al. a) e n.º 6, e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal.
B... veio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em razão dos factos objecto dos presentes autos.
I – 2.) Proferido o respectivo acórdão, veio o arguido a ser condenado pela sobredita infracção (abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.º 1, al. a), 30.º, n.ºs 2 e 3 e 79.º, n.º 1, todos do Código Penal), na pena de 7 (sete) anos de prisão.
E na procedência do pedido de indemnização civil formulado, foi ainda condenado no pagamento da quantia de €50.000 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à menor B....
I – 3.) Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido A...
para esta Relação, deste modo concluindo, na sequência de convite inicialmente endereçado para a sua correcção, as seguintes conclusões: 1. ….
-
….
I – 4.) Respondendo ao recurso interposto, concluiu o Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Grande Lisboa-Noroeste: 1. ….
-
….
II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, após a apresentação “corrigida” das conclusões, veio ainda assim a emitir parecer no sentido da rejeição do recurso, por extemporaneidade (na medida em que se concluiu que o mesmo não tem por objecto a reapreciação da prova gravada), ou se assim não se entender, a sua improcedência.
* No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o recorrente apresentou ainda a alegação melhor constante de fls. 796/7.
* Seguiram-se os vistos legais.
* Teve lugar a conferência.
* Cumpre pois apreciar e decidir: III – 1.) Conforme resulta das conclusões acima deixadas transcritas, consabidamente definidoras do respectivo objecto, com o recurso apresentado, coloca o arguido A... para apreciação desta Relação as seguintes questões: - Nulidade do acórdão, em virtude de, na sua perspectiva, terem ocorrido diversas alterações não substanciais dos factos, para as quais não foram cumpridas previamente as exigências processuais necessárias; - Nulidade do acórdão, por não ter sido considerada factualidade alegada na contestação do arguido, com prejuízo para a sua defesa; - Discordância em relação à matéria de facto considerada provada; - Incapacidade judiciária da ofendida para o pedido cível apresentado e redução do montante indemnizatório fixado; - Incorrecto enquadramento normativo do crime apurado; - Carácter excessivo da pena aplicada.
A estas incidências, haverá que acrescentar ainda a temática da tempestividade do recurso, colocada pelo Ministério Público em ambas as instâncias.
*** III – 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida:
-
Factos provados 1. B... nasceu a 28 de Setembro de 1997, sendo filha do arguido, A..., e de C..., com a qual aquele manteve uma relação amorosa.
-
-
Depois do nascimento da B..., os seus progenitores ainda coabitaram durante alguns meses, após o que a menor e a mãe passaram a residir, de forma permanente e ininterrupta, com a avó materna, T2..., na habitação desta, sita na Rua …, e posteriormente com o seu irmão T1..., igualmente filho do arguido.
-
A mãe da B... é surda-muda mas sempre foi capaz de cuidar de si e dos filhos e sempre trabalhou.
-
Em Agosto de 2008, a avó da B..., bem como os restantes elementos do agregado familiar, com excepção dos menores B... e T1... e da sua irmã uterina, D..., deslocaram-se a Cabo Verde, local onde permaneceram durante todo o referido mês.
-
Os menores B... e T1... ficaram, então, entregues aos cuidados do arguido, com o qual passaram a residir, na residência deste, sita na Avenida ….
-
Durante o tempo em que os referidos menores residiram com o pai, dormiam todos no mesmo quarto, dormindo a B... e o arguido na única cama aí existente e o T1... no chão, sobre um colchão.
-
Nessas ocasiões, aproveitando-se do facto de partilhar a cama com a B..., em datas não concretamente apuradas e em número não concretamente apurado de vezes, o arguido abeirava-se da mesma, despia as cuecas e as calças do pijama e, acto contínuo, despia as cuecas e as calças de pijama da menor, manipulando-lhe com as suas mãos os órgãos genitais daquela.
-
Após, o arguido colocava o seu corpo sobre o corpo da menor e, não obstante a mesma dizer para parar, abria-lhe as pernas e introduzia o seu pénis erecto na vagina daquela, ainda que parcialmente, causando-lhe dor e constrangimento, friccionando-o em movimentos repetidos e contínuos, até ejacular para as pernas da B....
-
Posteriormente, quando a avó e os restantes familiares dos menores regressaram a Portugal, os menores B... e T1... voltaram a residir com os mesmos, no …..
-
Em data não concretamente apurada, situada no início do ano de 2009, o arguido deixou de residir em …, passando a pernoitar, aos fins-de-semana, na localidade de …., local onde reside a sua actual companheira.
-
Durante a semana, e devido ao seu local de trabalho se situar em Gondomar, o arguido passou a residir na Rua ….
-
Todavia, nessa mesma altura, o arguido tinha alguns dos seus pertences no sótão da casa de uma outra filha, T3..., sita na Rua ….
-
Em datas não concretamente apuradas dos anos de 2009 e 2010, sempre aos domingos, o arguido deslocava-se à residência dos filhos menores, B... e T1..., a fim de os ir buscar para almoçarem e passearem juntos.
-
Normalmente, o arguido ia buscar os filhos e posteriormente iam os três almoçar com a restante família, nomeadamente com a sua filha T3..., irmã dos menores, e com a sua irmã E..., tia dos menores.
-
Após, separavam-se da restante família, indo o arguido e os menores passear de carro, por locais não concretamente apurados.
-
Em datas não concretamente determinadas e em número não concretamente apurado de vezes, mas que ocorreram em alguns domingos dos anos de 2009 e 2010, e após passear com os filhos, o arguido, com o intuito de satisfazer os seus desejos sexuais, deslocava-se para a Rua …, junto ao n.º 12, local onde estacionava o seu veículo automóvel.
-
Aí, o arguido ordenava ao filho T1... que aguardasse no carro, levando a B... a acompanhá-lo até ao sótão existente no n.º 12 da referida rua, pertencente à fracção do rés-do-chão direito.
-
Já naquele local, o arguido despia a roupa que a menor trajava da cintura para baixo e mandava-a deitar-se na cama, apesar de aquela lhe dizer constantemente que não queria.
-
Seguidamente, o arguido despia também as cuecas e as calças que trajava e deitava-se sobre a B..., manipulando-lhe com as suas mãos os órgãos genitais daquela.
-
Após, não obstante a filha dizer para parar, o arguido abria-lhe as pernas e introduzia o seu pénis erecto na respectiva vagina, causando-lhe dor e constrangimento, friccionando-o em movimentos repetidos e contínuos, até ejacular para as pernas daquela.
-
Tais actos ocorreram em número de vezes não concretamente apurado, sempre aos domingos, quando o arguido ia visitar os filhos, tendo a última vez ocorrido em data não concretamente apurada do mês de Agosto de 2010.
-
De todas as vezes que mantinha relações sexuais com a menor, o arguido dizia-lhe para não contar a ninguém, o que aquela sempre obedeceu.
-
A ofendida B... não pediu nem consentiu nos actos descritos.
-
O arguido agiu sempre com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, aproveitando-se do facto de ser pai da ofendida, tendo por isso, autoridade sobre a mesma, para com ela copular, contra a sua vontade e apesar de aquela lhe transmitir que lhe doía e que não queria.
-
Agiu sempre deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo manter relações sexuais com a sua filha, introduzindo o seu pénis erecto na vagina daquela, ciente de que a B... tinha apenas 10 anos de idade, o que efectivamente aconteceu, mais sabendo que o fazia sem o consentimento e contra a vontade da mesma, e que desse modo ofendia a respectiva intimidade e liberdade sexual.
-
Bem sabia o arguido que toda a sua conduta era proibida e punida por lei.
* 27. A menor B... apresenta um deficit cognitivo moderado, o qual tem limitado a sua aprendizagem, sendo que apesar de se conseguir organizar em termos espaciais, não se consegue situar temporalmente, revelando dificuldades em descrever ou situar acontecimentos no tempo.
-
Ao agir como descrito, o arguido ofendeu a honra e a dignidade da menor B..., a qual se encontra numa fase crucial da vida, de desenvolvimento das faculdades cognitivas e emocionais e de construção da personalidade e do carácter.
-
Em consequência dos factos praticados pelo arguido, a menor ficou abalada e viu agravado o seu deficit cognitivo, desconhecendo-se se alguma vez recuperará da vivência sofrida.
-
Para além do apoio psicológico escolar que recebe, a B... encontra-se a ser seguida em consultas de psicologia no Hospital Amadora – Sintra, com uma periodicidade mensal.
* 31. O arguido A... é o penúltimo dos quatro filhos de um casal de baixo estrato social, sendo o pai funcionário do Estado (jardineiro) e a mãe doméstica.
-
Apesar de trabalhadores e preocupados com o processo educativo dos filhos, viviam com algumas dificuldades para sustentar a família, situação que não permitiu que os filhos estudassem para além do ensino básico.
-
Neste contexto, o arguido deixou a escola após completar a 6ª classe, para ajudar os pais.
-
Durante a infância e a adolescência...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO