Acórdão nº 1840/06.2TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA e mulher BB, CC e mulher DD, EE e FF, GG e mulher HH intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra II, Lda, JJ, KK[1], e LL.

Pediram a condenação das Rés: a) a reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores da quota leiteira identificada nos autos; b) reconhecer que o arresto e a entrega dessa quota à terceira Ré, como fiel depositária da mesma, ofende a propriedade dos Autores; c) ver restituída tal quota leiteira definitivamente à posse e propriedade dos Autores; d) abster-se de quaisquer actos ou factos que impliquem a violação dos direitos de posse e propriedade dos Autores sobre a referida quota leiteira; - Para o caso de se vir a entender que é legalmente impossível a restituição da quota leiteira à propriedade dos Autores, porque a transmissão desta para a segunda Ré deve ser julgada ilegal e insubsistente, devem a 3ª e 4ª Rés, ser condenadas a: e) pagarem aos Autores uma indemnização equivalente ao valor de mercado da referida quota leiteira, valor esse que os Autores ignoram e dever ser fixado, ou neste processo, por arbitramento, ou em execução de sentença, acrescida dos juros contados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

O réu INGA contestou, excepcionando e impugnando os factos invocados pelos demandantes, concluindo pela procedência das excepções invocadas ou pela improcedência da acção com a sua absolvição dos pedidos.

A Ré Imporgado contestou, impugnando e pedindo a sua absolvição do pedido.

A LL., contestou, excepcionando e pedindo a sua absolvição da instância.

A ré JJ o não contestou, nem constituiu mandatário.

Em réplica, os Autores concluíram como na p.i.

No saneador foram julgadas improcedentes as excepções de incompetência material, ineptidão da p.i. e falta de personalidade judiciária.

Impugnada essa decisão, veio esta Relação a confirmá-la quanto às duas primeiras excepções e a revogá-la quanto à última, tendo absolvido a Zona Agrária de Barcelinhos da instância.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido os Réus do pedido.

Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso os Autores, para a Relação do Porto que, julgando a Apelação procedente, revogou a sentença recorrida e, em consequência, na procedência da acção: - Declarou que os autores eram titulares da quantidade de referência (quota leiteira) identificada na acção; - Condenou o R. IFAP - IP a pagar aos autores indemnização equivalente ao valor de mercado da referida quantidade de referência, a fixar em ulterior liquidação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Inconformado, o Réu IFAP veio interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1. O IFAP em 24 da sua Contestação alegou "... que na campanha de 2005/2006, que decorreu entre 01 de Abril de 2005 a 31 de Março de 2006, a referida JJ não procedeu a qualquer entrega ou venda de leite" 2. Por outro lado, os AA, aqui Recorridos, nunca impugnaram tal alegação fáctica do IFAP na sua Contestação, nem sequer alegaram, tanto na sua PI como na sua Réplica o facto de que "a entrega da quantidade de leite correspondente à QR até aí utilizada por JJ foi efectuada pelo novo arrendatário MM" (apenas tendo feito em sede de alegações do recurso de Apelação).

  1. Como tal, bem respondeu a 1ª Instância ao quesito 35° da Base instrutória, dando como provado o facto de "na campanha de 2005/2006, que decorreu entre 01 de Abril de 2005 a 31 de Março de 2006, a referida JJ não procedeu a qualquer entrega ou venda de leite." 4. O Tribunal a quo, entendeu que o facto invocado pelos AA., aqui Recorridos, na 3ª Conclusão da sua Apelação, deveria ser considerado provado nos termos do disposto no art° 659° n° 3 do CPC; na sequência do que «aditou» "à factualidade provada também este facto: Na campanha de 2005/2006 que decorreu entre 1 de Abril de 2005 a 31 de Março de 2006 a entrega da quantidade de leite correspondente à QR até aí utilizada por JJ foi efectuada pelo novo arrendatário MM.", 5. Não obstante o disposto no art° 712° do CPC, afigura-se ao IFAP, aqui Recorrente, que, in casu, a lei de processo não permitiria ao Tribunal a quo tal «aditamento» e/ou alteração à resposta dada pela 1ª Instância ao quesito 35° da Base Instrutória, nem admite outra qualquer resposta diversa da que foi dada pela 1ª Instância; 6. Por outro lado, igualmente se afigura que o facto aditado pelo Tribunal a quo em resposta ao quesito 35° da Base Instrutória ("Na campanha de 2005/2006 que decorreu entre 1 de Abril de 2005 a 31 de Março de 2006 a entrega da quantidade de leite correspondente à QR até aí utilizada por JJ foi efectuada pelo novo arrendatário MM") não corresponde: nem a facto algum que tivesse sido alegado por qualquer das partes nos seus respectivos articulados, nomeadamente nos articulados oferecidos pelos Apelantes, aqui Recorridos; nem a facto algum que tivesse sido levado à Base Instrutória; nem a facto algum que tivesse sido objecto de produção de prova em sede de julgamento e discussão da causa; 7. Nessa medida, afigura-se que os teores dos documentos invocados pelos Recorridos na 3ª Conclusão das Alegações do recurso de Apelação, não são susceptíveis de impor solução diversa da resposta que foi dada pela 1ª Instância ao quesito 35° da Base Instrutória, porquanto igualmente se afigura que o «aditamento» operado pelo Tribunal a quo não se traduz num mero complemento do facto nele considerado pela 1ª Instância, mas, antes, de prova de um facto essencial novo, porque nunca alegado pela parte a quem aproveitaria (os AA, aqui Recorridos).

  2. Por isso, e tendo presente o disposto, conjugadamente, na al. d) do n° 1 do art° 467°, no n° 1 do artº 487°, no art° 490°, no n° 1 do art° 493°, n° 1 do artº 502°, no art. 505°, no n° 1 do 511º, no nº 3 do 569°, no n° 2 do artº 660°, no artº 664°, no artº 685°-B (antigo artº 690-A e no art.º 712°, todos do CPC, afigura-se que tal «aditamento» não poderá deixar de acarretar a nulidade do Acórdão recorrido por força do disposto na al. d) do n° 1 do art.º 668° o CPC, segundo o qual a sentença/Acórdão é nula(o) quando o juiz (...) conheça de questões de que não pode tomar conhecimento.

  3. De acordo com o quadro legal e regulamentar aplicável, a QR (também designada por «quota leiteira»), configurando uma Licença ou uma autorização administrativa para a Produção de Leite, afigura-se revestir a natureza de direito administrativo e, como tal, insusceptível de propriedade (pelo menos privada).

  4. Por outro lado, do mesmo quadro legal e regulamentar aplicável, igualmente resulta que a reversão da QR para a RN, constitui prática de acto administrativo, competindo a sindicância jurisdicional da sua legalidade à jurisdição administrativa.

  5. Como se colhe dos autos, designadamente do documento junto pelo IFAP à sua Contestação sob DOC. 2 e de fls. 160 do processo administrativo a eles junto, no período de tempo compreendido entre 01/12/2003 e 21/11/2005 (data, esta, em que a LEICARCOOP apresentou ao IFAP uma 'Transferência de Titular de Entregas, de fls. 160 do processo administrativo junto aos autos) não ocorreu nenhum facto no procedimento administrativo em ordem à alteração da titularidade da QR em causa, 12. Consequentemente, durante esse período de tempo, compreendido entre 01/12/2003 e 21/11/2005, o IFAP, enquanto entidade pública legalmente incumbida da gestão do sistema instituído apenas conheceu, no quadro do respectivo procedimento administrativo, a 2ª R., JJ, como titular da QR em causa; 13. Como tal, a partir de 01/12/2003 e até 21/11/2005, foi a 2ª R., JJ, enquanto titular da QR em causa, quem assumiu a obrigação de efectuar entregas de leite correspondentes a tal QR em causa (e de que era titular) sob pena de a mesma poder vir a ser reduzida ou, mesmo, extinta (nesta caso revertendo para a RN), não tendo ocorrido, entretanto, no procedimento administrativo nenhum facto em ordem à alteração da titularidade da QR em causa).

  6. E, como igualmente se colhe dos autos, "Na campanha de 2005/2006 que decorreu entre 1 de Abril de 2005 a 31 de Março de 2006 a referida JJ não procedeu a qualquer entrega ou venda de leite" (facto provado 36), pelo que, consequentemente, a QR em causa teria de reverter para a RN na estrita observância do legalmente prescrito, constituindo tal reversão, in casu, a prática do acto administrativo legalmente devido.

  7. Em tais circunstâncias, não se percebe em que factos è que o Tribunal a quo se terá fundado para concluir no Acórdão recorrido que "não existia fundamento para (...) se considerar que a QR devia reverter para a RN uma vez que a ré JJ não era já titular da mesma, não assumindo, por isso, relevância o facto de ela não ter procedido a qualquer entrega de leite" (cfr. p 17 do Acórdão recorrido), pelo que, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo no Acórdão recorrido, se ficção alguma terá havido, terá sido a ficção de uma eventual denúncia do contrato de arrendamento rural celebrado entre os AA, aqui Recorridos, e a 2a R., JJ, em data indocumentada nos autos.

  8. Resulta também dos autos, designadamente de fls. 108 do processo administrativo a eles junto, que em 04/11/2004 o KK foi notificado no âmbito de um procedimento cautelar em que era Requerente, IMPORGADO (1ª R. nos presentes autos), e Requerida, JJ, (a 2ª R. nos presentes autos) autuado no 5º Juízo Cível do Tribunal de V. N. Famalicão sob o n° 3519/03.8TJVNF-A, de que "fica arrestada à ordem deste tribunal e processo, a quota leiteira que a requerida JJ (...) detem, nesse instituto [ex KK ficando esse instituto depositária da quota arrestada - art° 862°, n° 5 do Código de Processo Civil." (negrito e sublinhado, nossos), para efeitos de garantir o efectivo pagamento de uma alegada divida que esta (2ª R. JJ) teria para com aquela (IMPORGADO).

  9. Por outro lado...

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