Acórdão nº 08355/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO F. H……….-LA ………. AG, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 19/11/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e as Contra-interessadas, A……….., SA e F…………. – Produtos Farmacêuticos e Dietéticos, Lda.

, indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de suspensão de eficácia dos atos de atribuição de PVP, emitidos pela DGAE, absolvendo as entidades requeridas do pedido.

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 281 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “O que importa analisar e decidir é se um acto administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento genérico que irá violar uma patente válida e em vigor, é inválido porque ilegal e, por isso, se for concedido pelo Infarmed e/ou pela DGAE, deve ser anulado pelo tribunal.

Colocada correctamente a questão, ao Tribunal a quo só restaria concluir que as AIM impugnadas deveriam ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135° e 133°, nº 2 c) e d) do CPA, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração de medicamento genérico, e logo violação, pelas Contra-Interessadas, da Patente. Tendo como consequência o permitir a violação de normas constitucionais (nomeadamente os artigos 62° e 266° da Constituição), que visam a protecção de um direito fundamental.

Com a patente é conferido ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, sendo que tal corresponde ao direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, qualquer actuação que viole essa patente, seja o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio.

Nos termos do artigo 316° do Código da Propriedade Industrial, o direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente, goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral. Assim, é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17° da Constituição.

Neste sentido tem entendido a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, como defendido nos acórdãos proferidos no Processo n.° 3887/08; Processo n.° 3886/08, Processo n.° 4265/08; Processo n.° 4219/08, Processo n.° 4034/08 e mais recentemente Processo No. 05803/09.

Sempre que não respeite o principio da legalidade, o acto de concessão de AIM a um medicamento, sendo um acto administrativo cujo objecto é o da viabilização jurídica da actividade de comercialização desse medicamento no território nacional, actividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma actividade, será ilegal.

O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade com todo o ordenamento jurídico, sendo que a ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa.

As AIM impugnadas devem ser declaradas nulas, nos termos do artigo 133° n° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, urna vez que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental – os Direitos de Propriedade Industrial da Recorrente emergentes da Patente.

A principal missão da providência cautelar administrativa é a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.

Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os “prejuízos de difícil reparação”.

Da emissão da AIM que se pretende anular resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade a essa acção, tornando-se, assim, imperiosa e urgente a emissão de uma medida cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal.

Mas mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil.

A comercialização dos medicamentos genéricos irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo concedido pela Patente de que é titular, equivalendo essa situação à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem pertencente à ora Recorrente.

Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na retirada temporária de uma parte do activo da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

De facto, tal compensação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento. Se a providência não for concedida com base no argumento de que a Recorrente sempre poderia vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, tal iria contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural e iria violar o princípio constitucional da efectiva protecção decorrente do artigo 20º, n° 4 da CRP.

O facto de os danos resultarem da comercialização dos medicamentos genéricos pelas Contra-Interessadas não os desqualifica para efeitos da sua apreciação, uma vez que não têm que ser actuais mas sim, precisamente, futuros, no teor inequívoco da alínea b) do n° 1 do artigo 120º do CPTA.

Acresce que a lei não exige que os danos futuros, que ao caso interessam sejam de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que danos venham a ocorrer se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis.

A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que ela é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam.

A ora Recorrente alegou factos que são suficientes para a demonstração do fundado receio de vir a sofrer prejuízos importantes e de difícil reparação.

A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.

Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

As Contra-Interessadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo que se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário d que é exigido pelo n° 2 do artigo 120° do CPTA para que as providências possam ser recusadas.

A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles encontrando-se os artigos 511° do CPC, 563° do Código Civil, artigos 112° e 120º n° 1 a) e b) do CPTA, artigos 133° n° 2 c) e d) do CPA e artigos 18°, 62° e 266° da Constituição.

O Tribunal Central Administrativo Sul tem concedido processos cautelares exactamente iguais ao dos presentes autos, com os mesmos argumentos apresentados pela ora Recorrente, através dos Acórdãos, entre outros, de 26 de Junho de 2008 (Processo n° 3887/08), de 3 de Julho de 2008 (Processo n° 3891/08), de 11 de Setembro de 2008 (Processo n° 3782/88), de 18 de Setembro de 2008 (Processo 3886/08), de 2 de Outubro de 2008 (Processo n.° 4265/08), de 17 de Outubro de 2008 (Processo n.° 04219/08), de 30 de Outubro de 2008 (Processos n.°s 4205/08 e 4232/08), de 6 de Novembro de 2008 (Processo n.° 3993/08), de 13 de Novembro de 2008 (Processo n.° 4231/08), de 4 de Dezembro de 2008 (Processo n.° 4351/08), de 22 de Janeiro de 2009 (Processo n.° 4614/08), de 12 de Fevereiro de 2009 (Processo n.° 3990/08), de 14 de Maio de 2009 (Processo n.° 4564/08), de 10 de Setembro de 2009 (Processos n.° 5333/09 e 5384/09) e mais recentemente a 28 de Janeiro de 2010 (processo No. 05803/09).”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.

* As Contra-interessadas e o Infarmed contra-alegaram, pedindo que seja negado provimento ao recurso e seja confirmada a sentença.

* O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 435).

* O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de AIM e de fixação de PVP de medicamentos genéricos.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1 – A autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos, denominados de: Gerousia e Acido Ibandrónico Farmalter, foi...

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