Acórdão nº 610/07 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução11 de Dezembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 610/2007

Processo n.º 656/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

I.

Relatório:

1.

  1. e outros, não se conformando com a sentença da 3ª vara Cível da Cível da Comarca de Lisboa que julgou improcedente a acção por eles intentada contra B., absolvendo a ré do pedido, recorreram para a Relação de Lisboa, Tribunal que por acórdão de 20 de Outubro de 2005 confirmou, no entanto, a sentença recorrida e julgou improcedente a apelação.

Inconformados, recorreram de revista para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando, no recurso, as seguintes conclusões:

“ (…) 1.

  1. E não existe também o direito à transmissão do arrendamento à luz da alínea f) do nº1 do art. 85º do RAU, na redacção introduzida pela Lei 6/2001, não só porque nos autos não foram provados factos que demonstrassem a vivência em economia comum há mais de dois anos à data da morte da inquilina do andar dos autos, mas também porque a aplicabilidade da Lei Nova às relações jurídicas já constituídas à data da sua entrada em vigor está condicionado ao pressuposto da subsistência dessas relações jurídicas à data da entrada em vigor da Lei Nova e, no caso dos autos, a relação jurídica de arrendamento já cessara por morte da inquilina em 9 de Janeiro de 1996, há mais de 5 anos quando entrou em vigor a Lei 6/2001art. 12º, nº2, in fine do Código Civil e Batista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1987, pág. 233;

  2. O Acórdão recorrido ao decidir que a R. tinha o direito à transmissão do arrendamento fez pois indevida interpretação do art. 12º, nº 2, do Código Civil, violando o princípio da confiança dos cidadãos no Estado de Direito Democrático ofendendo claramente o art. 2º da Constituição, e é nulo nos termos do art. 668º, nº 1, d), parte, do Código de Processo Civil, por se pronunciar sobre a vivência em comum da R. e da inquilina do andar quando tal conclusão não se podia validamente extrair de factos inexistentes nos autos e vertidos em sede de matéria de facto por forma claramente conclusiva;

  3. E ao manter a decisão de 1ª instância admitindo a existência do direito a novo arrendamento violou os arts. 90º e 94º do RAU e os art.s. 219º e 220º do Código Civil. (…)”

    Por acórdão de 9 de Maio de 2006 o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista e confirmou o acórdão recorrido, dizendo, no que ora interessa considerar, o seguinte:

    “[…] São, fundamentalmente duas as questões a conhecer, considerando o teor da alegação de recurso:

    1. se a recorrida viveu em economia comum com a falecida arrendatária B.;

    2. se à situação em apreço é aplicável, atento o regime previsto no art. 12º do C.Civil, o art. 85º nº 1 al. f) do R.A.U., alínea esta aditada pela Lei nº 6/2001, de 11 de Maio.

    I- Disse-se que são, fundamentalmente duas as questões a conhecer, porquanto uma terceira se encontra prejudicada – caducidade do direito ao novo arrendamento – , caso se entenda da razão do Acórdão recorrido no que se refere à aplicabilidade do aludido regime preconizado no citado art. 85º nº 1 al. f) do RAU.

    O Acórdão da Relação de Lisboa entendeu encontrar-se preenchido o requisito da vivência em economia comum entre a recorrida e a falecida arrendatária B., sufragando-se na factualidade dada como provada constante nos artigos 4º, 5º e 13º.

    [...] Com efeito, sufragou-se o entendimento que durante todos os assinalados anos se estabeleceu entre as duas senhoras uma estreita convivência “quase familiar” que se integra no conceito de economia comum.

    Na verdade, a tese sustentada pelos recorrentes no que se refere à existência de um contrato doméstico que uniria a falecida inquilina e a recorrida, não tem, no suporte factual dado como provado, a mínima verosimilhança.

    Ao invés, a convivência entre ambas sedimentou-se não a partir de um qualquer tipo de consenso, com relevância do direito, leia-se contrato, mas, antes na sequência de uma amizade existente entre ambas em que a inter-ajuda entre as duas senhoras seria um paradigma. […]

    II- No que ora se refere à problemática da transmissão do direito ao arrendamento e ao facto de no Acórdão recorrido se ter dado obediência à previsão constante no art. 85º nº 1 al. f) do RAU, no aditamento que lhe foi dado pela Lei nº 6/2001 de 11 de Maio, tendo em vista o que se dispõe, no que tange ao direito transitório, no art. 12º do C.Civil, é de salientar o seguinte:

    As normas de carácter geral relativas aos conflitos de leis no tempo são reguladas nos arts. 12º e 13º do Código citado. A regra basilar vem contida no art. 12º, cujo nº 1 reafirma o princípio da não retroactividade, esclarecendo, contudo, que, mesmo na hipótese de a lei se atribuir eficácia retroactiva, se presume que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

    No nº 2, do mencionado art. 12º, procura-se, numa fórmula sintética, precisar o princípio da não retroactividade, norma para a qual não se vislumbra qualquer precedente legislativo, tendo antes como fonte inspiradora a doutrina de Ennecerus-Nipperdey, que distingue entre “regulamentações de factos” e “regulamentações de direitos”, devendo presumir-se, quanto a estas últimas leis que elas abrangem também as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo, ou até suprimi-lo. No referenciado nº 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica a factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica, independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, isto é, aplica-se de futuro às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).

    A razão de ser que está na base desta regra da aplicação imediata é, por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas em conta pelo legislador, face ao ajustamento devido às novas concepções e valorações da comunidade e, por outro, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga, uma vez que se trata de um regime legal e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos.

    É sabido que é função do direito transitório concatenar a aplicação de dois sistemas jurídicos que se sucedem no tempo. Para conseguir tal objectivo terão de ser sopesados os interesses que se contrapõem, apontando uns para a aplicação da lei nova; outros para a aplicação da lei antiga.

    Esses interesses são, principalmente, dois: o interesse da estabilidade e o interesse na adaptação.

    O interesse dos indivíduos na estabilidade da ordem jurídica, o que lhes permitirá a organização dos seus planos de vida e lhes evitará o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas. Podem, nomeadamente surgir situações jurídicas merecedoras de tutela, como o sejam aqueles que a doutrina qualifica de “direitos legitimamente adquiridos”.

    A este feixe de interesses contrapõe-se um outro — o interesse público na transformação da antiga ordem jurídica e na sua adaptação a novas necessidades e...

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