Acórdão nº 553/11 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução16 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 553/2011

Processo n.º 704/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por acórdão proferido em 30 de Julho de 2010, no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foi, para além do mais, decidido, condenar:

- O arguido A., como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, e como reincidente, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;

- A arguida B., como co-autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no mesmo artigo 21.º, n.º 1, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- O arguido C., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido igualmente nesse artigo 21.º, n.º 1, e como reincidente, na pena de 7 anos de prisão.

Os arguidos recorreram deste Acórdão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 21 de Junho de 2011, negou provimento aos recursos.

Após correcção deste Acórdão, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:

“…por se entender que, salvo o devido respeito por diferente opinião, no caso concreto dos presentes autos e nas decisões proferidas em primeira instância pelo Tribunal Colectivo junto do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz e em recurso por este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, foram aplicadas e interpretadas as disposições legais dos artigos 256.º, 257.º e 258.º do Código de Processo Penal, referentes à detenção dos arguidos, em violação do disposto no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, em violação do Direito Fundamental, com dignidade de Direito, Liberdade e Garantia, que é o Direito à Liberdade.

Assim como, foram também interpretados e aplicados, no presente caso, os artigos 174.º, 177.º e 178.º do Código de Processo Penal, referentes às formalidades a que devem obedecer as revistas, buscas e apreensões, em violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 8 e 34.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, em violação do Direito Fundamental, com dignidade de Direito, Liberdade e Garantia, que é o Direito à Inviolabilidade do Domicílio.”

Notificados para explicitarem quais as interpretações sustentadas na decisão recorrida dos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso cuja constitucionalidade pretendiam ver fiscalizadas, os arguidos apresentaram um requerimento com o seguinte teor:

Com o presente recurso para este Venerando Tribunal Constitucional pretendem os recorrentes ver apreciada a (in)constitucionalidade da decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial da Figueira da Foz e posteriormente confirmada em recurso penal pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, por entenderem que, com o devido respeito por entendimento diverso, as decisões recorridas fizeram uma incorrecta aplicação (contra preceitos constitucionalmente consagrados) da figura jurídica da “detenção em flagrante delito” prevista nos artigos 256.º, 257.º e 258.º do Cód. Proc. Penal. E assim, porque as referidas decisões de que se recorre entenderam qualificar como “detenção em flagrante delito” uma situação factual que, a luz da importância e respeito que num Estado de Direito Democrático é devido ao Direito Fundamental, com dignidade de Direito, Liberdade e Garantia, que é o Direito à Liberdade de todo e qualquer cidadão, consagrado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, não comporta minimamente a aplicação de uma tal figura jurídica tão limitativa do referido Direito, Liberdade e Garantia. Ou seja, e concretizando, consideram os recorrentes que as decisões recorridas violaram o direito à Liberdade constitucionalmente consagrado, na medida em que os factos ocorridos no dia 14 de Julho de 2009 e imputados ao arguido A., que se encontram descritos nos autos do processo crime n.º 109/09.5JACBR (cfr. fls. 335 a 337 dos referidos autos) são manifestamente insuficientes para que se possa dizer que o arguido A. foi detido em “flagrante delito”.

Entendem os recorrentes que em face da excepcionalidade que num Estado de Direito Democrático deve ter a aplicação da figura da “detenção em flagrante delito” – enquanto figura que permite a restrição do Direitos Fundamentais sem intervenção prévia de qualquer entidade judiciária –, os factos como os ocorridos no dia 14 de Julho de 2009 devem ser considerados manifestamente insuficientes para que, em obediência ao artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, se considerem preenchidos os exigentes e apertados requisitos de que o artigo 256.º do Cód. Proc. Penal faz depender a aplicação da figura da “detenção em flagrante delito”.

Entendem os recorrentes que uma situação em que um cidadão é detido na rua pública, sem ter na sua posse – seja em si mesmo, seja no veículo em que se fazia transportar – qualquer produto estupefaciente, nem tão pouco qualquer objecto associado ao manuseamento desse tipo de produto ou sequer uma quantia de dinheiro que indiciasse a intenção de adquirir qualquer produto estupefaciente, nunca poderá ser entendida como “flagrante delito” da prática do crime de tráfego de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01. Tanto mais que nem sequer nas posteriores buscas à residência do referido arguido detido em alegado (mas falso) “flagrante delito” se encontraram quaisquer produtos estupefacientes ou quaisquer objectos associados ao manuseamento e tráfico desses produtos.

Entendemos que pretender-se classificar como em “flagrante delito” a detenção de um cidadão apenas porque este conhece um outro indivíduo ao qual veio a ser apreendido produto estupefaciente, como entenderam as decisões recorridas proferidas pelo Tribunal Judicial da Figueira da Foz e pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, extravasa claramente a figura do “flagrante delito” e não preenche minimamente os requisitos previsto no artigo 256.º do Cód. Proc. Penal, pelo que a detenção e privação da liberdade de qualquer cidadão em semelhante situação só pode ser entendida como uma situação de detenção ilegal e, consequentemente, em violação do Direito Fundamental à Liberdade consagrado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, os comportamentos imputados ao arguido A. no momento da sua detenção, e que ficaram descritos no respectivo auto de notícia elaborado...

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