Acórdão nº 336/99.1PBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCALV
Data da Resolução13 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

O Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção do Tribuna Singular, contra o arguido A..., residente em Rua …, imputando-lhe a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.

*** No início da audiência de discussão e julgamento, foi proferida a seguinte decisão: “Termos em que decidem: Julgar o extinto o procedimento criminal instaurado, nestes autos de processo comum colectivo nº 336/99.1PBVNO, pelo Mº. Pº. contra a arguida A..., nos quais lhe vinha imputada a prática de um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. b) e 30º nº 2 e de um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada, p. e p. pelos arts. 217º nº 1; 218º nº 2 al. b); 22º; 23º e 30º nº 2, todos do Código Penal.

Notifique.”.

*2.

Não concordando com a decisão o Ministério Publico interpôs o presente recurso, formulando nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª No Processo Comum Colectivo em apreço, por referência a factos ocorridos entre data não apurada de Junho de 1999, no decurso do Verão do mesmo ano, em Novembro e Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 o Ministério Público deduziu acusação, em 24/02/10, contra a arguida A... imputando-lhe a prática de factos que foram qualificados jurídico-penalmente do seguinte modo: - um crime de burla qualificada, na forma consumada e continuada p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. b), ambos do CP, com referência ao art. 30º, nº2 do mesmo diploma legal; - um crime de burla qualificada, na forma tentada e continuada p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. b), 22º, nºs 1 e 2, al. b), 23º, nº1 e 30º, nº2, todos do CP.

  1. Todavia, por Acórdão proferido, em 02/02/11, nos autos supra-identificados, foi julgado extinto, por prescrição, o procedimento criminal neles movido, decisão da qual se discorda.

  2. A questão que, por conseguinte, se coloca no âmbito deste recurso consiste em averiguar se quando foi deduzida acusação o procedimento criminal se encontrava ou não prescrito.

  3. Atendendo à moldura penal abstractamente correspondente aos crimes em apreço, de 2 a 8 anos e de um mês e cinco anos e quatro meses, verifica-se que, quer na sequência do regime decorrente do D.L. nº 48/95, de 15/03, quer em face do regime resultante da Lei nº 59/2007, de 04/09, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, tal como se extrai do art. 118º, nºs 1, al. b) e 2 do CP.

  4. De acordo com o disposto nos artigos 119º, nºs1 e 2, als. b) e c) do CP a contagem do prazo prescricional dos factos em apreço tem início a partir do último facto imputado, o qual nos termos vertidos na acusação, teve lugar em data não concretamente apurada do mês de Janeiro de 2000.

  5. Porém, a contagem deste prazo pode ser interrompida ou suspensa, balizando-se a mesma nos limites legais, ou seja, conforme decorre do disposto no art. 121º, nº3 do CPP a prescrição ocorrerá sempre, desde que, se verifique o prazo normal de prescrição, sem interrupções, acrescido de metade e ressalvado o tempo de suspensão.

  6. Na realidade, nos termos do disposto no art. 121º, nº1, als. a), b) e c) do CP a contagem do prazo prescricional interrompe-se com a constituição de arguido, com a notificação da acusação, com a declaração de contumácia e com a notificação do despacho que designa dia para a audiência na ausência do arguido.

  7. A contagem do mesmo prazo suspende-se, para além do mais, enquanto o processo estiver pendente, a partir da notificação da acusação, sem que, todavia, nessa fase possa ultrapassar os três anos, conforme se encontra estabelecido no art. 120º, nºs 1, al. b) e 3 do CP.

  8. No caso concreto, constata-se que as únicas causas de interrupção são a constituição de A... como arguida e, posteriormente, a sua notificação da acusação deduzida contra si.

  9. Compulsados os autos verifica-se que, no decurso das diligências de inquérito, a constituição de arguida teve lugar nas seguintes quatro datas e não apenas nas duas referidas no Acórdão recorrido: - 03/09/99, fls. 115, 116, I vol.; - 29/12/99, fls. 1047, 1049 VI vol.

    - 03/01/00, fls. 740, V vol. e - 20/03/00, fls. 1327, VII vol.

  10. Está, pois verificada uma primeira fase de interrupção do prazo prescricional.

  11. Coloca-se agora, a questão de saber se apenas a primeira constituição de arguido, feita no processo principal, pois o mesmo contém processos incorporados, deve ser levada em conta para efeitos de interrupção do prazo prescricional, tal como é sustentado no Acórdão recorrido.

  12. Neste perfilhou-se, no essencial, a tese vertida nos Acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/06.

  13. No referido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra decidiu-se que constituído alguém como arguido, seja por via oral ou escrita, seja por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, esse cidadão conserva essa qualidade enquanto durar o processo, nele não a perdendo nem a readquirindo, mantendo essa qualidade durante todo o processo e só deixando de a ter com a resolução do processo ou quando deixar de figurar no mesmo como arguido, perdendo o respectivo estatuto, com os respectivos direitos e deveres.

  14. No referido acórdão sustentou-se ainda a tese de que mesmo no caso de decurso do inquérito surgirem novos factos e haver lugar a novo interrogatório, essa situação não renova a qualidade de arguido.

  15. Conclui-se, pois no mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que “Uma vez atribuída no processo a qualidade de arguido, ela conserva-se por toda a existência do processo, precisamente porque a partir daí o mesmo passa a ser nele sujeito processual e como tal titular de direitos e de deveres processuais.” 17ª Por outro lado, no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/10/08, consignou-se que: “Pois bem dito isso afigura-se-nos desde já necessário precisar que o facto dos presentes autos terem tido origem em anterior processo, por via de uma situação de alteração substancial dos factos aí verificada, não destrói os efeitos jurídicos produzidos pelas diligências processuais até então desenroladas, designadamente os efeitos interruptivos ou suspensivos ocorridos.” 18ª O entendimento jurisprudencial vertido neste aresto reconduz-se a entendimento anterior de igual sentido vertido no Acórdão da Relação do Porto de 21/11/07 (nº 0742796) in Base de Dados Jurídica Almedina – BDJUR, no qual se decidiu: “- O processo com origem em certidão extraído de outro incorpora o conjunto de actos com relevância processual nela documentados – designadamente, a constituição de arguido – os quais deverão ser levados em conta na determinação dos prazos de prescrição do procedimento criminal.” 19ª O legislador não estabeleceu no texto legal qualquer especificação quanto à circunstância de se referir apenas e tão só à primeira constituição de arguido, enquanto facto interruptivo da prescrição do procedimento criminal.

  16. O legislador refere-se tão somente à constituição de arguido, acto que consubstancia a atribuição de um conjunto de direitos e de deveres que são inerentes e próprios de um sujeito processual específico, o arguido, ou seja, a pessoa contra quem corre a investigação.

  17. Se o legislador não distingue nem restringe, porque há-de o intérprete fazê-lo? 22ª A constituição de arguido como causa interruptiva da prescrição parece-nos, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, que se reveste de natureza diversa das demais causas de interrupção, com excepção da declaração de contumácia, as quais pela sua natureza só poderão ocorrer uma vez.

  18. Sem prejuízo de se poder afirmar que na maior parte das situações se verifica uma constituição de arguido por processo não pode deixar de ponderar-se que esta ligação directa da constituição de arguido ao processo nem sempre se verifica.

  19. É o que sucede no caso da extracção de certidão para procedimento criminal em processo novo e em que se não procede à constituição de arguido valendo a constituição de arguido efectuada no processo de que se extrai a certidão como causa interruptiva da prescrição do procedimento criminal no âmbito do novo processo.

  20. Leve-se também em conta a situação e que no âmbito de um Inquérito, em virtude de se registarem factos novos e diversos, ocorreram duas constituições de arguido, sendo que nos autos é proferido despacho de arquivamento em relação aos factos objecto da primeira constituição de arguido e despacho de acusação no que respeita aos factos em relação aos quais houve também a sua ulterior/segunda constituição como arguido.

    Neste contexto, porque não contar a ulterior/segunda constituição como arguido como facto interruptivo relevante para o procedimento criminal movido nos autos? 26ª Analise-se também o caso de um inquérito arquivado e posteriormente reaberto por terem surgido novos elementos de prova que determinam a realização de outras diligências e ainda de novo interrogatório do arguido, sendo que já anteriormente ao despacho de arquivamento houve constituição de arguido e interrogatório do mesmo.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT