Acórdão nº 342/09.0TTMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 16 de Abril de 2009, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, 1.º Juízo, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB – …, S. A., pedindo que o respectivo despedimento fosse declarado ilícito e a condenação da ré a pagar-lhe: a) € 64.890, a título de indemnização por despedimento, acrescida da que lhe couber pelo tempo que vier a decorrer até ao trânsito em julgado da decisão judicial; b) € 1.706, a título de retribuição que deixou de auferir até 16 de Abril de 2009; c) as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final; d) € 744, a título de prémio de produção, que não lhe foi pago no período em que esteve suspenso por decisão da ré; e) € 10.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; f) juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas e sobre as que se vencerem no decurso da demanda até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, que foi admitido ao serviço da ré, em 19 de Fevereiro de 1979, e que, em Fevereiro de 2009, exercia as funções de assistente administrativo de 1.ª, auferindo a retribuição base de € 1.442, acrescida de um prémio de produção, no valor de € 12, por cada dia de trabalho efectivo, sendo certo que, em 11 de Fevereiro de 2009, na sequência de procedimento disciplinar instaurado pela ré, foi despedido, pese embora se verificasse a caducidade do direito de aplicar tal sanção, a prescrição das infracções disciplinares imputadas, bem como a caducidade da acção disciplinar e a imprecisão da nota de culpa, defendendo, igualmente, que os factos que lhe são imputados são falsos, o que determinava a ilicitude do despedimento operado.
A ré contestou, invocando a regularidade do procedimento disciplinar, a inexistência dos vícios aduzidos pelo autor e a licitude do despedimento efectuado.
No despacho saneador, julgou-se (i) improcedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, (ii) procedente a excepção de prescrição referente às infracções disciplinares aludidas nos artigos 30.º a 42.º da contestação, (iii) improcedente a nulidade por violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 430.º do Código do Trabalho, e (iv) improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar, tendo sido arrolados os factos admitidos por acordo e a base instrutória.
Realizado julgamento, exarou-se sentença, que, concluindo pela licitude do despedimento promovido, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 744, a título de prémio de produção que não lhe foi pago durante o período em que esteve suspenso, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a ré dos restantes pedidos.
Subsequentemente, observado o contraditório, o autor foi condenado como litigante de má fé, «numa multa equivalente a 6 UC».
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Inconformado, o autor recorreu para Tribunal da Relação do Porto, que julgou procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida, na parte em concluiu pela licitude do despedimento do autor, condenando a ré a pagar-lhe: «1.
[a] indemnização a que alude o artigo 439.º, n.
os 1 e 2, do Código do Trabalho de 2003, e que, nesta data, monta ao valor de € 44.702,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até integral pagamento; 2.
[a]s retribuições que o Autor deixou de auferir desde 15.3.2009 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 437.º do C. do Trabalho, e que, nesta data, monta ao valor de € 43.373,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do vencimento de cada uma das referidas retribuições e até integral pagamento; 3.
[a] quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até integral pagamento». Além disso, concedeu provimento ao recurso de agravo, revogando a decisão recorrida que condenou o autor como litigante de má fé, na multa de 6 UC.
É contra o deliberado pelo Tribunal da Relação que a ré, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1. Por regra, o recurso de Revista, salvo casos devidamente especificados na Lei, tem efeito devolutivo, a recorrente requer face ao prejuízo considerável que a execução da sentença lhe pode causar que seja atribuído ao recurso efeito devolutivo, propondo-se a prestar caução ― através de garantia bancária ― no valor da condenação, ou seja, 98.075 Euros, no prazo a definir por V. Exa.
2. A recorrente está convicta que a razão lhe assiste e que esta seja obrigada a entregar os valores considerados pela Relação como devidos ao aqui recorrido, poderá correr o natural risco de os não conseguir recuperar.
3. Acresce tal situação obrigaria necessariamente a um conjunto de operações de transferência de fundos cujos custos consideráveis nunca seriam recuperados para a ora recorrente, para além de virem a ser considerados desnecessários.
4. Não obstante o recorrido nenhum prejuízo terá caso o efeito seja suspensivo, dado que a recorrente propõe-se a prestar caução, através de garantia bancária.
5. Merece reparo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.
6. A recorrente alegou em sede própria que o A. ora recorrido, violou o disposto no art. 121.º, n.º 1, alíneas c), d) e g), e art. 396.º, n.º 3, alíneas a), b) e e) e com violação grave da confiança e lealdade que nele eram depositados.
7. Por acordo das partes, ou confissão, em sede de Despacho de Saneador foram admitidos os seguintes factos [correspondentes aos factos provados 1) a 17) e 21) a 24), que serão adiante discriminados, na pertinente fundamentação de facto]: […] 8. Por sua vez, em sede de julgamento de 1.ª Instancia foram considerados provados os seguintes factos [correspondentes aos factos provados 1) a 52), adiante enunciados, na pertinente fundamentação de facto]: […] 9. O Mmo Juiz da 1.ª Instância, após a prova dos factos, aplicou o direito avaliando a existência da justa causa de despedimento na qual verificou a proporcionalidade da medida adoptada.
Mais não fez o Mmo Juiz do que seguir um critério considerado pela Jurisprudência.
10. Tendo valorado devidamente os factos provados e necessariamente concluir pela censura da conduta do A.
11. Na relação de emprego os deveres enumerados no art. 121.º do CT de 2003, em especial nas alíneas c) e d), e no art. 396.º, n.º 3, do CT, enumeração esta universalmente reconhecida como exemplificativa, enformam o círculo de actuação do trabalhador (a ler-se na sua relação directa com a entidade empregadora) de tal forma que não podem ser avaliados numa estrita interpretação de um estreito aproveitamento por e para a sua pessoa como se existisse isolado no mundo.
12. É inequívoco que quando o trabalhador beneficia por acto próprio, no uso dos poderes hierárquicos que lhe advêm da relação laboral, uma qualquer pessoa terceira da sua família ou não, com prejuízo ou à revelia dos interesses e autorização da a sua entidade patronal, viola ostensivamente os seus deveres laborais.
13. Interessa menos o quantum do dano ou a qualidade do eventual beneficiado, do que quem provocou o dano, quem o possibilitou, em suma, quem actuou.
14. O que se discute é a qualificação de um comportamento e não um quantum de um eventual enriquecimento, uma vez que a perda de confiança ― dever absoluto que não admite gradações ― se funda na actuação do trabalhador.
15. A confiança é um valor absoluto.
16. O Tribunal da Relação considera incorrectamente que a matéria dos quesitos 3 e 11 como não provada, contra toda a matéria que acima se expôs (provada porque) aceite pelo recorrido.
No entanto, a matéria considerada como não provada pelo Tribunal da Relação tem importância meramente relativa para a decisão e não pode servir para alterar a decisão da 1.ª Instancia.
17. Face à posição que o próprio recorrido enquanto autor teve, admitindo por acordo: “I) O A. é superior hierárquico de vários trabalhadores e, de entre estes, de um de seu nome CC, funcionário que ao tempo da prática dos factos que integram o procedimento disciplinar desempenhava funções na secção de corte.
J) No mês de Novembro de 2007, o trabalhador CC, por ordem e sob as instruções do A, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa, madeira ou seus derivados que lhe foram entregues pelo A.
L) Estes materiais eram o produto da desmontagem de uns gabinetes de trabalho e estavam guardados no sótão da sala de exposição da empresa.
N) Os materiais destinavam-se à construção de uns armários para os anexos de uma lavandaria de uma pessoa das relações do A., de seu nome DD.
O) A montagem foi efectuada na casa do referido DD.
R) Alguns anos a esta parte, pelo menos há dez anos, o A. pelo menos uma vez por ano dá instruções ao trabalhador CC para que este, no tempo de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa, efectue serviços de corte de madeira ou derivados para as suas colmeias.
T) O A., no ano de 2008 e nos anteriores, por via do funcionário CC, usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais, no horário normal de laboração da empresa.
U) O A. não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do trabalhador CC, nem a utilização das máquinas.” 18. Atento a esta posição, perde relevo o teor dos quesitos 3 e 11, que praticamente e sobretudo o 3, limita-se a quantificar, quando o que está em causa para considerar a existência ou não de justa causa é a qualidade do comportamento/actuação à revelia das instruções e autorização da entidade patronal.
19. Ademais, as expressões “para fins pessoais do autor” e “no interesse daquele” porque integradas num conjunto de matéria de facto a provar, complementada por factos assentes por acordo e confissão, não reveste natureza conclusiva, e mesmo que o Tribunal da...
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