Acórdão nº 0745339 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Dezembro de 2007
Magistrado Responsável | ARTUR OLIVEIRA |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO - SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 5339/07 - com os juízes Artur Oliveira (relator), Maria Elisa Marques e José Piedade, - após conferência, profere, em 5 de Dezembro de 2007, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º ..../06.1GBPNF, do .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, o assistente B.......... deduziu acusação particular contra a arguida C.......... imputando-lhe factos que, em seu entender, integram a prática de 1 (um) crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, do Código Penal, 1 (um) crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal e 1 (um) crime de calúnia, previsto e punido previsto e punido pelo artigo 183.º, do Código Penal [fls. 47-53].
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O Ministério Público acompanhou a acusação particular mas apenas pelos crimes de difamação e de injúria [fls. 57].
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Uma vez distribuído o processo, o juiz rejeitou a acusação particular por a considerar manifestamente infundada, nos termos seguintes [fls. 69-71]: «I B.........., assistente nos presentes autos, deduziu acusação particular contra C.........., imputando-lhe a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do CP, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do CP e de um crime de calúnia, p. e p. pelo art. 183º do CP.
II A definição de crime geralmente aceite é a de uma acção (não contamos aqui com os crimes omissivos) típica, ilícita e culposa - veja-se, por todos, Eduardo Correia, Direito Criminal, Volume I, Almedina, 1999, pp. 195 e ss. e Claus Roxin, tradução de Teresa Beleza de Strafrecht und Strafrechtiseform in Textos de Direito Penal, Tomo I, AAFDL, pp. 6 e ss..
No caso dos autos não restam dúvidas que, a provarem-se, as condutas imputadas à arguida, as mesmas serão ilícitas e típicas.
Mas, serão culposas? III Confrontados os art.s 180º, 181º e 183º do CP constatamos que os crimes aí tratados admitem apenas a forma dolosa e não a negligente.
De acordo com o art. 14º, n.º 1 do mesmo código (tomemos apenas como exemplo o dolo directo), "age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar".
O dolo é uma forma de realização do ilícito típico que, psicologicamente se traduz no conhecimento da vontade de realização de um tipo legal de crime (Figueiredo Dias, Direito Penal, pág. 187). Trata-se de uma atitude pessoal indiferente ou contrária ao dever-ser jurídico-penal. Para este autor, o dolo compõe-se de três elementos ou perspectivas: a do conhecimento (elemento intelectual), a da vontade (elemento volitivo) e a da atitude (elemento emocional). Já para Eduardo Correia (ob, cit., vol. 10, pág. 79), o dolo reveste apenas dois elementos, sendo um o intelectual e outro o volitivo - vide Ac. RP de 18/04/2007, n.º convencional RP200704180646052, in www.dgsi.pt, do qual se transcreveu a passagem que antecede. IV Segundo Eduardo Correia, op. cit., p. 369 e ss., o elemento volitivo consiste "numa certa conexão do facto com a personalidade do sujeito, numa certa posição do agente perante o facto". O agente quis um certo facto e pôs a sua realização como fim último da sua conduta.
Compulsado o texto da acusação particular deduzida, parece-nos que este elemento, embora de forma avulsa, está suficientemente contido nas expressões: com a intenção consciente e deliberada de o ofender" (art. 17º); com a única intenção de injuriar" (art. 20º); "A denunciada bem sabia que (...) estava a ferir o assistente" (art. 21º); E ela bem o sabe" (art. 28º).
V Só que em nenhuma passagem da referida acusação se faz qualquer menção ao elemento intelectual do dolo, isto é, "que o agente conheça o tipo legal de crime que a sua vontade visa realizar" - Eduardo Correia, op. cit., p. 374. Dito de outra forma: o conhecimento da significação, ou ilicitude, dos elementos constitutivos do crime.
Para a sua punição, portanto, exige-se que o agente conheça "os efeitos práticos usuais, ligados aos elementos jurídicos empregados" - Beleza dos Santos, in RLJ, 67º, 113. Numa palavra: é fundamental que o agente saiba que está a cometer um crime, que o agente represente que o facto praticado preenche um tipo de crime.
Compulsada a peça processual em apreço, verifica-se que nada se refere sobre a representação por parte da arguida de que a sua conduta fosse tipificada como crime.
Diz-se que ela quis agir do modo descrito e que sabia que ofendia o arguido (elemento volitivo). Só que nunca se refere que a mesma soubesse que, assim actuando, cometia os crimes de que vem acusada (elemento intelectual). A título meramente ilustrativo, tal elemento condensa-se, por norma, na fórmula sacramental "bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei".
Falta, pois, à acusação particular um dos elementos constitutivos dos crimes imputados à arguida, atento o disposto nos arts. 13º e 14º do CP.
Assim, a factualidade que lhe é imputada na acusação não consubstancia os crimes de Difamação, Injúria e Calúnia, p. e p. pelos arts. 180º, 181º e 183º do CP, posto que, mesmo provando-se todos os factos ali narrados, sempre faltaria o dolo (no seu elemento intelectual), elemento fundamental para que se pudesse sancionar penalmente a conduta da arguida.
VI De acordo com o art. 311º, n.º 2, a), do. CPP, o juiz deve rejeitar a acusação caso a mesma seja manifestamente infundada.
Tal circunstância...
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