Acórdão nº 4014/07.1TVLSB.L1.S1. de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça G...-Companhia de Seguros, S.A., intentou, em 7.9.2007, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, com distribuição à 5ª Vara, acção especial de consignação em depósito contra: AA, e; BB.

Procedeu ao depósito da quantia de € 81.276,36 e requereu que fosse declarada extinta a obrigação do pagamento da quantia a que foi condenada no âmbito de decisão transitada em julgado no Processo 40/02 do Tribunal Judicial de Arraiolos.

Para tanto, alegou que, após o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo identificado nos autos, enviou aos réus recibo de indemnização no valor da quantia agora depositada, não aceitando os mesmos receber esse valor.

Os réus contestaram, impugnando o depósito efectuado, por considerarem ser maior a quantia devida pela autora, requerendo ainda que seja declarada a obrigação da autora proceder ao pagamento da quantia de € 105.396,63, e respectivos juros de mora.

*** Foi proferida sentença que, ao abrigo do disposto no art. 1029°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, determinou a notificação da autora para completar o depósito que efectuou até perfazer a quantia de € 105.396,63 e respectivos juros de mora.

*** Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 29.3.2011 – fls. 205 a 220 –, julgou procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, declarando extinta a obrigação com o depósito da quantia de € 81.276,36, efectuado pela requerente nos autos.

*** Inconformados, os Réus recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1. O devedor só pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida — n° 1, do art. 841° do Código Civil.

2. O instituto da consignação em depósito não serve para o devedor depositar coisa diversa.

  1. A consignação em depósito não pode ser meio e expediente para o devedor voltar a discutir os termos e o alcance da sua obrigação.

  2. A “coisa devida” estava definida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado há muito, e que, por isso mesmo, formou caso julgado sobre a questão.

  3. A consignante, quando o podia ter feito, não suscitou qualquer reparo ao total da indemnização atribuído.

  4. Qualquer rectificação de decisão judicial deve ser requerida ao respectivo julgador.

  5. A consignante não requereu qualquer rectificação ao M.mo Juiz do Tribunal Judicial de Arraiolos, não requereu no Tribunal da Relação de Évora e nem no Supremo Tribunal de Justiça.

  6. Foi só depois de o Supremo Tribunal de Justiça ter retirado uma parcela ao elenco indemnizatório, mantendo as restantes e o total como vinha das instâncias, que a ora consignante veio requerer a rectificação da indemnização.

  7. Dirigiu esse pedido ao Tribunal de Arraiolos que, obviamente, considerou precludida essa questão, nomeadamente pelo facto de não ocorrer a previsão do n°2 do art. 667° do Código de Processo Civil.

  8. A consignante, por manifesta má-fé, lançou mão, então, do instituto da consignação em depósito quando bem sabia que não podia envolver alteração da obrigação devida.

  9. Demais, não se tratava de nenhum dos casos previstos nas alíneas a) e b) do citado n°1 do art. 841° do Código Civil.

  10. Essa foi a razão por que a M.ma Juíza da 5ª Vara Cível de Lisboa considerou a consignação não liberatória devido a, no caso, o quantitativo em dívida se encontrar fixado por decisão com trânsito em julgado.

  11. Persistindo na evidente má-fé processual, a aqui recorrida recorreu para a Relação de Lisboa, que veio sobrepor-se às decisões de outro distrito judicial, inclusive à esfera de competência da Relação de Évora.

  12. Com o respeito que sempre merecem os Tribunais, o Acórdão em crise constitui uma violação clara e frontal dos arts.667°, nomeadamente o seu n°3, 668°, nº1, d) 671°, n°1, 673° e 677°, todos do Código de Processo Civil.

  13. O douto Acórdão deve ser considerado nulo por violação expressa dos mencionados preceitos, bem como por violação das regras de jurisdição territorial na medida em que apreciou até a matéria de facto que vinha apurada pelas instâncias competentes.

Termos em que, revogando o douto Acórdão, deve ser mantida a douta sentença e ser considerado não liberatória a consignação e, por isso, não extinta a obrigação com o depósito efectuado e até que seja completado com o total determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto é, pela quantia de € 105.396,63, a que hão-de acrescer os juros vencidos e vincendos.

A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: A) - No âmbito da acção declarativa com processo ordinário n°40/02 do Tribunal Judicial de Arraiolos, foi proferida sentença com o seguinte teor: “AA, casada (...), e BB, solteiro, residente na Rua V..., intentaram, no Tribunal da Comarca de Arraiolos, a presente acção declarativa, na forma ordinária, contra Companhia de Seguros G..., SA, (...), pedindo a condenação desta a pagar a quantia de 271.278,12 €, acrescida de juros moratórias à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alega, para tanto e em resumo, ter ocorrido um acidente de viação, do qual resultaram a morte de mãe CC e danos patrimoniais e não patrimoniais ressarcíveis sendo de um veículo segurado da ré a culpa pela eclosão do acidente.

Regularmente citada a ré contestou, impugnando a versão dos factos alegados pela autora.

(...) São questões a resolver, a culpa pela eclosão do sinistro e os montantes indemnizatórios.

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1) No dia 6 de Fevereiro de 1999, cerca das 11 h e 30 m, na EN n° 2, ao Km 476,37, junto ao entroncamento formado com a EN n° 251, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias de matricula ...-BF, que seguia no sentido Pavia / Mora e era conduzido no momento do acidente por DD e o peão CC.

2) CC contava à data do acidente 55 anos de idade, nascera a 30-03-1943 e 1 em consequência do acidente veio a falecer em 18 de Fevereiro de 1999.

3) Naquele local a via tem dois sentidos de trânsito, a largura de cerca de 8,80 metros, o piso era asfaltado, em bom estado de conservação e as condições atmosféricas eram boas.

4) A estrada é delimitada em ambos os lados por bermas asfaltadas, medindo cada uma delas cerca de 2 metros, bordejando o traçado por guias contínuas.

5) O local onde ocorreu o acidente dista cerca de 50/60 metros do final de uma curva para a direita, atento o sentido de marcha Pavia / Mora / Ponte de Sôr, curva ampla, de boa visibilidade, cujo alcance útil em toda a sua largura em extensão é superior a 50 metros.

6) A CC estava imobilizada na berma.

7) O condutor do BF fez a curva por dentro.

8) E pisou e transpôs o traço delimitador da via e da berma no seu sentido de marcha.

9) O embate dá-se com a esquina do farolim direito.

10) O corpo da vítima ficou caído na faixa de rodagem.

11) O corpo da vítima ficou próximo do eixo da via.

12) Em consequência do atropelamento a CC sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento.

13) E sofreu fractura do terço superior da tíbia esquerda, fractura da rótula esquerda e ramo esquio púbico esquerdo.

14) CC foi socorrida no Hospital de S. João de Deus em Mora.

15) E dada a natureza e gravidade do seu estado de imediato transferida para o Hospital do Espírito Santo em Évora, donde foi transferida para o Hospital Garcia da Horta.

16) A 9 de Fevereiro foi transferida para a Clínica de S. João de Deus.

17) A causa da morte foi uma hemorragia interna causada pelas lesões traumáticas torácicas graves sofridas em consequência do acidente.

18) Desde a data do acidente até à sua morte a CC esteve consciente.

19) E durante aquele período sofreu dores.

20) E teve a percepção de que ia morrer.

21) A CC gozava de boa saúde e era alegre e cheia de energia e de enorme alegria de viver.

22) A percepção da morte provocou-lhe medo, angústia e ansiedade.

23) Os AA. Com o funeral gastaram a quantia de 1396,63 euros.

24) A CC era empregada da Portugal Telecom.

25) E auferia o vencimento mensal ilíquido de 923,35 euros, 14 vezes por ano.

26) A título de subsídio de refeição por cada dia de trabalho prestado auferia 6,91 euros.

27) Os AA. Sofreram com a perda da CC.

28) A CC dava-lhes apoio moral e financeiro.

29) O condutor do BF havia transferido para a Ré seguradora a sua responsabilidade civil pela circulação do mesmo por contrato de seguro...

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