Acórdão n.º 395/2006, de 16 de Agosto de 2006

Acórdáo n.o 395/2006

Processo n.o 171/06

Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

A - Relatório. - 1 - Cândido José Dominguez dos Santos recorre, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versáo (LTC), do acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, de 15 de Dezembro de 2005, que negou provimento ao recurso interposto do despacho do 3.o Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, de 8 de Agosto de 2005.

2 - A Comissáo das Comunidades Europeias intentou, perante o referido Juízo Cível, processo especial contra o Instituto Tecnológico para a Europa Comunitária (ITEC), com sede no Instituto Superior Técnico, Avenida de Rovisco Pais, em Lisboa, requerendo a sua declaraçáo de insolvência, com base, em síntese, no facto de o requerido estar impossibilitado de pagar o montante de E 191 631,59 proveniente da diferença entre o montante de contribuiçóes efectuadas pela requerente em favor do requerido, no âmbito de dois contratos relativos à realizaçáo de projectos de investigaçáo e programas de promoçáo para a realizaçáo de estágios e intercâmbios profissionais, e os custos apresentados, nos respectivos mapas.

3 - Por sentença de 11 de Julho de 2005, o referido tribunal cível julgou procedente o pedido e, entre o mais, decretou a insolvência do requerido, e fixou a residência da Administraçáo do insolvente, constituída pela sua Direcçáo, mencionando entre os membros desta e como exercendo o cargo em nome próprio pelo administrador INETI - Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, o ora recorrente.

4 - Notificado nos termos do artigo 37.o,n.o 1, do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 53/2004, de 18 de Março (CIRE), o ora recorrente deduziu embargos contra esta sentença, alegando, em resumo, ter sido substituído no cargo do devedor declarado insolvente, em 24 de Abril de 2002, e náo ter participado, a partir desta data, em qualquer deliberaçáo, reuniáo ou subscrito qualquer documentaçáo ou correspondência em nome do ITEC, pelo que a sentença náo lhe podia ter fixado residência.

5 - Pelo despacho acima mencionado, de 8 de Agosto de 2005, o tribunal indeferiu liminarmente os embargos à sentença, com o fundamento de que as razóes alegadas, náo tendo por efeito jurídico afastar os fundamentos da sentença que declarara a insolvência, náo constituíam fundamento idóneo de embargos, nos termos do artigo 40.o,n.o 2, do CIRE.

6 - Inconformado com esta decisáo, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa, defendendo a tese de que a impugnaçáo, em sede de facto, da qualidade de administrador do insolvente, que fora fixada com base na presunçáo decorrente da sua mençáo no registo comercial, poderia ser feita através de embargos, resultando essa legitimidade do disposto no artigo 40.o, n.o 1, alínea f), do CIRE e que «se o artigo 40.o, n.o 2, do CIRE for inter-pretado pela forma que resulta da douta sentença recorrida [. . .] é inaplicável por violar directamente o artigo 32.o, n.o 1, da Constituiçáo da República e indirectamente o artigo 13.o, n.o 1, da mesma Constituiçáo [. . .]».

7 - Pelo referido acórdáo, o Tribunal da Relaçáo de Lisboa negou provimento ao recurso, discreteando do seguinte jeito:

Assiste total razáo ao agravante quando refere 'A identificaçáo dos administradores do insolvente e a fixaçáo da sua residência é elemento obrigatório e essencial de sentença de declaraçáo de insolvência, nos termos do artigo 36.o, alínea c), e do artigo 39.o, n.o 1, ambos do CIRE . . . Os administradores do insolvente, a quem tenha sido fixada residência, sáo notificados pessoalmente da sentença de insolvência (artigo 37.o, n.o 1, do CIRE) e têm legitimidade para deduzir embargos (artigo 40.o, n.o 1, alínea f), do CIRE) . . . A identificaçáo de um cidadáo como administrador de pessoa colectiva insolvente tem consequências sancionatórias que pode ir até à declaraçáo de inabilitaçáo para o exercício de funçóes de 2 a 10 anos, e que passa pela prestaçáo de serviços gratuitos.'

Daí a possibilidade de alguém, como o agravante, na qualidade de membro do devedor, impugnar a sentença, deduzindo embargos à sentença declaratória de insolvência ou interpondo recurso desta última (artigos 40.o e 42.o do CIRE).

No que respeita aos embargos o seu fundamento é o previsto no artigo 40.o, n.o 2, do CIRE (última parte), ou seja, factos ou meios de prova que náo tenham sido tidos em conta pelo Tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaraçáo de insolvência.

Fundamentos estes, previstos no artigo 3.o do CIRE e que mais náo sáo do que a insustentabilidade económico-financeira do insolvente.

Ora, torna-se evidente que a causa de pedir dos presentes embargos náo sáo de molde a afastar os fundamentos da declaraçáo da insolvência, porquanto ainda que se decidisse que o agravante náo seria membro da Direcçáo e da Administraçáo do insolvente, o ITEC permaneceria na situaçáo de insolvente.

Logo, bem andou o Ex.mo Juiz ao indeferir liminarmente os presentes embargos.

Dir-se-á que os fundamentos dos embargos apresentados pelo agravante sáo relevantes e que náo podem ser omitidos pela Ordem Jurídica. . . e seguramente que o sáo, até pela envolvente traçada nas conclusóes.

No entanto, o agravante tinha ao seu dispor o direito de interpor recurso da sentença declaratória da insolvência, tal como já referimos.

E com essa interposiçáo o agravante náo estava limitado aos fundamentos dos embargos, tendo toda a possibilidade de salvaguardar os interesses juridicamente relevantes invocados.

Tanto mais, que é inequívoco que a identificaçáo do agravante como membro da Administraçáo e fixaçáo da residência, com as legais consequências, é um dos elementos da sentença - artigo 36.o do CIRE.

Logo, náo se levantam quaisquer questóes de inconstitucionalidade do artigo 40.o, n.o 2, do CIRE, porquanto a interposiçáo dos embargos, constituindo um meio específico de impugnaçáo da sentença declaratória, atentos os especiais interesses jurídicos que se debatem nesta última, náo vedam ao agravante impugnar aquela com outros fundamentos, nomeadamente os alegados no âmbito destes embargos, por via do recurso da sentença.

Desta forma, com estes meios de impugnaçáo cumulativos, ou náo, fica assegurado todo o direito de defesa e de audiência do embargante.

Náo pode é o agravante, por esta via, desvirtuar o objectivo último dos embargos, traduzido numa impugnaçáo específica dos fundamentos previstos no artigo 3.o do CIRE, como ocorreria ao invocar o fundamento do erro na identificaçáo do administrador do ITEC.

Para tal, teria que recorrer da sentença declaratória da insolvência e náo deduzir embargos

Nestes termos, improcedem todas as conclusóes: Acordam em negar provimento ao agravo, confirmando a decisáo impugnada.

8 - Dizendo-se mais uma vez inconformado, o embargante recorreu para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciaçáo da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 46.o, n.o 2, do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas, na interpretaçáo segundo veio a ser fixado por despacho do relator, no Tribunal Constitucional, transitado em julgado - «segundo a qual os fundamentos dos embargos à sentença declaratória de insolvência sáo apenas os que visem afastar os fundamentos de insustentabilidade económico-financeira do insolvente, com exclusáo dos fundamentos constantes daquela sentença relativos à decisáo de identificaçáo dos administradores do devedor insolvente e da fixaçáo de residência aos mesmos, estes de acordo com o disposto na alínea c) do artigo 36.o do

CIRE».

9 - Alegando, no Tribunal Constitucional, o recorrente condensou a argumentaçáo, aí desenvolvida, nas seguintes proposiçóes conclusivas:

1 - O presente recurso vem de um acórdáo do Venerando Tribunal da Relaçáo de Lisboa que negou a possibilidade de oposiçáo por embargos quando se náo...

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