Acórdão nº 104/10.1GCVPA.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução26 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 104/10.1GCVPA.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório No Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo do crime de que vinha acusado (sic)[1].Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o MºPº, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que altere a decisão da matéria de facto de modo a fazer transitar para os factos provados todos os que foram considerados como não provados e, em consequência, declare que o arguido praticou os factos descritos na acusação, tipificados no crime de incêndio p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do C. Penal, e o considere inimputável perigoso para, em seguida, após audiência complementar, o tribunal recorrido proceder à determinação da medida concreta da medida de segurança de internamento, ou, assim se não entendendo, considere verificadas as nulidades da sentença invocadas e determine a sua reformulação pelo mesmo tribunal, com a prolação de nova decisão onde se supram aqueles vícios, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1. O arguido foi absolvido da prática do ilícito típico de incêndio, p. e p. pelo artigo 274°, n°s 1 e 2, al. a), do CP, pelo qual vinha acusado.

  1. A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelo auto de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão.

  2. Há assim erro de julgamento relativamente aos factos dados como não provados nos pontos a) a e) do ponto 2.1.2 do acórdão recorrido, por isso, os mesmos devem ser dados como provados, por haver provas que impõem diversa decisão de facto, daí decorrendo a condenação do arguido.

  3. Na verdade, a reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, constitui prova autónoma, e este meio de prova deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rigor das coisas, confirmações ou adjunções complementares.

  4. A participação livre, sem ameaças e constrangimentos, no auto de reconstituição do crime por arguido inimputável (portador dum atraso mental moderado) assistido por defensor que não apresentou qualquer oposição à participação daquele na diligência não lhe retira o discernimento nem é impeditivo de o mesmo poder reconhecer e confirmar a prática dos factos objectivos (actos materiais) que praticou e lhe são imputados na acusação e dados como não provados pelo tribunal recorrido.

  5. Efectivamente, afigura-se-nos que o arguido inimputável (portador dum atraso mental moderado) não está incapacitado de reconhecer e confirmar os factos objectivos (actos materiais) que praticou, apenas está impedido por tal anomalia psíquica de avaliar o significado e implicações, nomeadamente penais, desses actos.

  6. Tal proposição infere-se, aliás, da análise global do relatório da perícia psiquiátrica realizada ao arguido.

  7. Nunca tendo sido colocada em causa ao longo do processo a legalidade da reconstituição do crime pelo arguido deverá ser valorada de modo positivo e não de modo negativo como erroneamente fez o tribunal recorrido.

  8. Pode e deve ser valorado de modo positivo, o que o tribunal recorrido também não fez, o depoimento de C…, agente Polícia Judiciária, que participou na reconstituição e referiu o modo como o arguido indicou os locais onde ateou os fogos e como o fez, como de resto vem sendo reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores, indicando-se, entre tantos, o Ac. do STJ de 20/04/2006 proc. 06P363 in www.dgsi.pt.

  9. A análise conjugada do auto de reconstituição assinalado, do depoimento do agente da Polícia Judiciária que procedeu à reconstituição, do auto de apreensão e do relatório pericial, e sua valoração conjunta positiva, bem como as regras da experiência comum, impõem decisão diversa da constante da decisão recorrida, permitindo ao Tribunal formular a convicção de que o arguido foi o autor dos incêndios e, consequentemente, dar como provados os factos que o tribunal recorrido considerou como não provados e constantes do ponto 2.1.2 do seu acórdão.

  10. Nos termos do artigo 431°, als. a) e b), do CPP, face ao reexame das provas a efectuar por esse tribunal superior, deverão ser dados como provados os pontos a) a e) do ponto 2.1.2, indicados no acórdão recorrido como não provados.

  11. A decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada visto que constando da acusação “Porque os factos cometidos se inserem numa expressão comportamental de distúrbio psicopatológico de que padece, que permite estabelecer uma relação de causalidade doença/incêndios há fundado receio de venha a cometer outros incêndios de igual gravidade jurídico-penal atenta a anomalia de que padece”, o tribunal a quo não fez constar tal factualidade nem dos factos provados e nem dos não provados.

  12. Esta factualidade é essencial para a aplicação duma eventual medida de segurança de internamento ao arguido, conforme decorre do n° 1 do art. 91° do CP.

  13. Constando do relatório da perícia psiquiátrica realizada ao arguido de fls. 410 e ss. que o arguido apresenta perigosidade para a prática de actos semelhantes aos de que é acusado, é possível, salvo melhor opinião, sanar o aludido vício com base no teor desse relatório que consta dos autos e tem a natureza de prova pericial, não se mostrando, assim, necessário o reenvio do processo para novo julgamento.

  14. Nos termos do art. 426°, n° 1, do CPP deverá ser dada como provada a factualidade em causa e ligada à perigosidade do arguido.

  15. Consequentemente, face à matéria de facto provada com a adição referida dos factos constantes dos pontos a) a e) do ponto 2.1.2 da decisão recorrida e ainda da factualidade mencionada no ponto II desta motivação e pelas razões aí expostas, deverá declarar-se que o arguido o praticou os factos descritos na acusação, tipificados no crime de incêndio p. e p. pelo art. 274° n°s 1 e 2 al. a) do CP e ser considerado inimputável perigoso.

  16. Deverá ainda ser decretada a devolução ao tribunal recorrido para, em audiência complementar, procederá determinação da medida concreta da medida de segurança de internamento a aplicar-lhe e pronunciar-se sobre a eventual suspensão da execução do internamento (cf. artigos 369° a 371° do CPP e artigos 91° e 98° do CP).

    CASO NÃO SEJA PROFERIDA A DECISÃO SUPRA SOLICITADA 18. A sentença é nula nos termos por inobservância do disposto nos arts. 374°, n°2 e 379°, nº 1 al. a) e do disposto no art. 379°, n° 1, al. c) todos do CPP por não ter feito constar quer dos factos provados e que dos não provados esta factualidade constante da acusação “Porque os factos cometidos se inserem numa expressão comportamental de distúrbio psicopatológico de que padece, que permite estabelecer uma relação de causalidade doença/incêndios há fundado receio de venha a cometer outros incêndios de igual gravidade jurídico-penal atenta a anomalia de que padece” e que é essencial para a boa decisão da causa.

  17. A sentença é ainda nula, nos termos dos arts. 374° n° 2 e 379° n° 1 a) do CPP, ao não explicar de forma evidente e convincente para que possa impor-se quer aos seus destinatários, quer à comunidade de forma geral, qual a razão dum inimputável (portador dum atraso mental moderado) não poder participar na reconstituição dos factos que lhe são imputados, nem explicar porque não deve merecer credibilidade a sua colaboração nessa diligência processual, nem porque não valorou positivamente o depoimento de C…, agente Polícia Judiciária, que participou na reconstituição, nem o auto de apreensão do isqueiro que o arguido teria utilizado para atear os fogos.

  18. Deve, assim ser declarada nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nos artigos 374° n° 2 e 379° n° 1 als. a) e c) ambos do CPP, a qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão onde se supram os vícios apontados.

  19. Foram violados pelo tribunal recorrido os arts. 127°, 150°, 374° n° 2, 379° n° 1 a) e c), 410° n° 2, al. a) todos do CPP.

    O arguido apresentou resposta, defendendo a manutenção da decisão recorrida, assim concluindo: 1.- O douto acórdão recorrido não infringe qualquer preceito legal, não padecendo de qualquer vício, pelo que não existe motivo para a sua revogação; 2.- É nosso modesto entendimento que não existe erro de julgamento sobre a matéria de facto, pois a convicção do tribunal recorrido foi formulada em conformidade com o disposto no artigo 127.° do C.P.P.; 3.- É que, o tribunal valorou toda a prova produzida em audiência, expressando de forma correcta as razões que conduziram a essa valoração, sendo que a prova constante dos autos não impõe decisão diversa daquela que foi proferida pelo tribunal recorrido, razão pela qual não existem razões para alterar a matéria de facto julgada como provada e não provada e consequentemente, o recurso não pode proceder; 4.- Quanto à alegada insuficiência da matéria de facto provada, é também nossa modesta opinião que, com o devido respeito, não assiste razão ao Digno Magistrado do M.P, porquanto o fundamento a que se refere a alínea a) do n.°2 do artigo 410.° do C.P.P. é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, pelo que não se verifica o vício referido; 5.- Finalmente, quanto à suscitada questão da nulidade da sentença também não se verifica que tenha existido por parte do tribunal recorrido qualquer omissão de pronuncia porquanto o douto acórdão enumerou correctamente os factos provados e não provados, fazendo uma exposição completa e adequada dos motivos, de facto e de direito, que...

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