Acórdão n.º 221/89, de 23 de Março de 1989

Acórdão n.º 221/89 Processo n.º 91/86 1 - O Provedor de Justiça requereu a este Tribunal, em 4 de Abril de 1986, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, e 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade orgânica - por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição - do Decreto-Lei n.º 465/85, de 5 de Novembro, que disciplina o uso de sistemas de alarme em estabelecimentos comerciais e residências, e, subsidiariamente, da inconstitucionalidade material das normas dos artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do mesmo diploma, por as mesmas ofenderem o direito fundamental da inviolabilidade do domicílio consagrado no artigo 34.º da Constituição.

A justificar o pedido, alegou, em síntese, o requerente: a) A autorização a que se referem a alínea c) do artigo 5.º e o artigo 6.º do diploma em causa 'equivale a uma restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio (artigo 34.º da Constituição), ainda que sob a aparência de renúncia necessariamente forçada - do proprietário ou possuidor do alarme sonoro'; b) 'Perante a íntima conexão entre a inviolabilidade do domicílio e o direito à intimidade pessoal (artigo 26.º da Constituição) poder-se-á considerar também restringido pelo regime do Decreto-Lei n.º 465/85 (artigos 5.º e 6.º) este direito fundamental de índole pessoal'; c) 'Decorre ainda a inconstitucionalidade orgânica da intervenção do Executivo no âmbito de um direito social (direito ao ambiente e à qualidade de vida) consagrado no artigo 66.º da Constituição -, designadamente na parte do preceito relativa à prevenção e controlo das diferentes formas e efeitos da poluição. É que está sujeita à reserva de lei a vertente negativa desse direito, ou seja, aquele aspecto do respectivo conteúdo que visa impedir a perturbação do meio ambiente (n.º 3 do artigo 66.º)'; d) A obrigação imposta pelo artigo 5.º do diploma ao proprietário ou possuidor do sistema sonoro de alarme de ele autorizar expressamente a entrada no edifício ou instalação onde se encontra montado o aparelho a agentes da autoridade, no caso previsto na parte final do artigo 6.º, traduz-se numa 'renúncia forçada' ao direito à inviolabilidade do domicílio; e) A responsabilização do proprietário ou possuidor pelas despesas referidas no artigo 7.º e pelo encargo previsto no artigo 8.º tem uma extensão incompatível com a natureza e alcance do direito fundamental em causa; f) No conflito entre o direito fundamental - de carácter pessoal - à inviolabilidade do domicílio e o direito - social - ao ambiente revelam-se, assim, francamente desproporcionadas as normas do Decreto-Lei n.º 465/85, por reduzirem o conteúdo essencial do primeiro.

Notificado para se pronunciar sobre o pedido, ofereceu o Primeiro-Ministro um parecer da Auditoria da Presidência do Conselho de Ministros que havia merecido a sua concordância e no qual se sustenta, em resumo: a) O Decreto-Lei n.º 465/85 não permite qualquer situação de que decorra a violação de domicílio, 'não caindo, portanto, este diploma na previsão do artigo 168.º, alínea b), da Constituição'; b) 'Mesmo considerando que o Decreto-Lei n.º 465/85 permite a restrição de um direito fundamental - direito à inviolabilidade de domicílio -, mesmo assim deverá entender-se que não existe qualquer inconstitucionalidade orgânica', pois o diploma 'não diminuiu a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direitoconstitucional'; c) 'O Decreto-Lei n.º 465/85, de 5 de Novembro, não ofende o princípio da inviolabilidade de domicílio - e, nessa medida, não é materialmente inconstitucional -, porquanto subordina a entrada na residência ou instalação onde o alarme estiver montado ao consentimento prévio do seu dono ou detentor'; d) 'O diploma, ao exigir a subordinação aludida na conclusão anterior, não restringe o conteúdo fundamental do direito à inviolabilidade de domicílio'.

Operada a mudança de relator, por o primitivo ter renunciado ao cargo, cumpre decidir.

2 - O diploma em apreciação é assim justificado no respectivo preâmbulo: São múltiplas as queixas de cidadãos contra o ruído de alarmes contra roubo ou intrusão que são fortuitamente accionados e, em muitos casos, só passado mais de um dia são desligados, aquando da reabertura dos estabelecimentos, decorrido o fim de semana ou no regresso de férias dos moradores. As forças de polícia que acorrem [no texto do Diário da República escreveu-se, por lapso, 'ocorrem'] limitam-se quase sempre a constatar o accionamento fortuito, mas sempre que não houve arrombamento ou não comparecem os interessados ou responsáveis do edifício ou instalação vêem-se na impossibilidade de desligar os aparelhos.

E, depois de se dizer que 'o Governo submeteu à apreciação pública o Regulamento sobre Ruídos, que definirá, quando entrar em vigor, o quadro geral da protecção que é devida aos cidadãos nessa matéria', acrescenta-se: O caso referido encontra-se porém suficientemente detectado, pelo que podem ser, desde já, criados os meios técnico-administrativos que, sem prejuízo de os cidadãos poderem encontrar na instalação de alarmes um reforço de segurança, garantam que o seu accionamento, para além do tempo indispensável, não seja lesivo de outros interesses legítimos.

Vejamos agora, em resumo, o conteúdo das suas disposições.

O artigo 1.º sujeita a comunicação ao governador civil do respectivo distrito 'a montagem em edifícios ou instalações de qualquer natureza de sistemas sonoros de alarme contra intrusão de que resulta a produção de ruído para o exterior dos mesmos' (n.º 1) e diz depois o que se entende por 'sistema sonoro de alarme contra intrusão', ou seja, 'o conjunto de dispositivos eléctricos e ou electrónicos que se destina a detectar e a sinalizar, de forma audível, a presença, entrada ou tentativa de entrada de um intruso em edifícios ou instalações protegidas' (n.º 3).

O artigo 2.º exceptua do disposto no artigo 1.º os 'sistemas instalados em edifícios públicos ou de representação diplomática, desde que esteja assegurada a presença permanente de pessoal de guarda ou vigilância habilitado a desligar o alarme' (n.º 1), bem como as 'correntes de segurança de porta que incorporem um dispositivo sonoro com um nível de potência sonora inferior a 90 dB (A), determinado de acordo com a normalização portuguesa aplicável, e de autonomia de funcionamento não superior a trinta minutos' (n.º 2).

O artigo 3.º estabelece os requisitos a que deve obedecer a comunicação a fazer ao governador civil.

O artigo 4.º comete a fiscalização do disposto no diploma à Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública.

O artigo 5.º, nas suas diferentes alíneas [a) a h)], impõe outras tantas obrigações ao proprietário ou possuidor que instale o sistema sonoro de alarme.

O artigo 6.º regula o 'caso de o sistema de alarme, accionado por qualquer motivo, não ser desligado em prazo razoável pelo seu proprietário ou possuidor ou pelas pessoas ou serviços por si indicados', conferindo à autoridade competente, para o efeito de 'desligar o aparelho', o poder de 'entrar por qualquer meio adequado nos próprios edifícios ou instalações donde o ruído é originário'.

Os artigos 7.º e 8.º responsabilizam o...

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