Acórdão n.º 218/89, de 09 de Março de 1989

Acórdão n.º 218/89 Processo n.º 295/86 Acordam no Tribunal Constitucional: I O procurador-geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o artigo 62.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requer, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade formal originária das normas dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de Junho.

Fundamenta o seu pedido do seguinte modo: 1) O decreto-lei em causa deu nova redacção ao Decreto-Lei n.º 662/76, de 4 de Agosto, e aos Estatutos da ENATUR, aprovando no seu artigo 1.º esses Estatutos e determinando no seu artigo 2.º a cessação de funções dos membros em exercício nos actuais órgãos sociais; 2) Não se demonstra a qualquer nível a participação da comissão de trabalhadores da citada ENATUR no processo legislativo que conduziu ao decreto-lei em causa e, pelo contrário, só posteriormente foram feitas diligências para ouvir a dita comissão, aceitando-se que, por lapso, não foi pedido o parecer prévio, mau grado o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 46/79, de 12 de Setembro; 3) O artigo 55.º, alínea d) da Constituição da República garante aos trabalhadores, através das suas comissões, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral; 4) Tal direito de participação insere-se no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e como tal comporta a natureza de direito fundamental, nomeadamente para os efeitos de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, disciplinado nos artigos 17.º e 18.º da Constituição; 5) Ora, parece evidente, face, por exemplo, aos artigos 7.º, n.os 1 e 3, 8.º, 12.º, alínea c), 18.º, 24.º e seguintes dos referidos Estatutos ora em causa, que as suas normas se inserem na 'legislação laboral', com o sentido amplo que deve atribuir-se a tal expressão: toda a legislação que vise regulamentar os direitos dos trabalhadores reconhecidos na Constituição; 6) Foi assim violado o artigo 55.º, alínea d), com os efeitos determinados nos n.os 1 e 3 do artigo 282.º, todos da Constituição da República.

II Notificado o Primeiro-Ministro em 12 de Dezembro de 1986, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, para se pronunciar, querendo, no prazo de 30 dias, sobre o pedido, foi apresentada resposta em 3 de Fevereiro de 1987, na qual, depois de largamente se debater o problema de definir o que seja legislação do trabalho, citando-se doutrina e jurisprudência, se conclui: a) O conceito constitucionalmente consagrado nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), de 'legislação de trabalho' abrange as principais 'fontes estaduais e internacionais' de direito do trabalho, a saber, os diplomas legais que constituem as bases gerais das relações de trabalho individuais ou colectivas, públicas ou privadas, e o regime das organizações de trabalhadores; b) Os Estatutos da ENATUR, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de Junho, e em concreto os seus artigos 1.º e 2.º, não se caracterizam por serem 'legislação do trabalho', tão-pouco alguma das suas normas relativas ao pessoal é inovatória, em relação às leis gerais, nem se revestem de característicasjuslaborais; c) Em conformidade, o Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de Junho, não carecia da prévia participação (constitucionalmente determinada) de qualquer organização dos trabalhadores (comissão de trabalhadores ou associações sindicais) para a sua perfeição formal.

Pelo que entende que deve ser 'considerado improcedente o alegado vício de inconstitucionalidade formal quanto aos artigos 1.º e 2.º do Decreto-lei n.º 157/86'.

Cumpre decidir.

III - Delimitação do pedido O primeiro problema a encarar é o da delimitação do pedido.

Objecto deste, na sua formulação literal, são os dois primeiros artigos do Decreto-Lei n.º 157/86, de 25 de Junho, cuja declaração de inconstitucionalidade se pretende, com a óbvia consequência de a mesma arrastar consequencialmente a inconstitucionalidade de todas as normas aprovadas pelo artigo 1.º, designadamente de todas aquelas que constituem os Estatutos propriamente ditos. Mas, na verdade, o sentido que mais se adequa à essência do pedido pressupõe o seguinte raciocínio: a inconstitucionalidade das normas estatutárias não resultará da inconstitucionalidade das disposições referidas constantes propriamente do Decreto-Lei n.º 157/86, antes os dois artigos cuja apreciação é requerida serão inconstitucionais apenas na medida em que se concluir que procedem à aprovação de normativos esses, sim, viciados no seu processo genético.

Quer dizer: deverão ser consideradas todas as normas dos Estatutos apesar de no pedido se fazer a enumeração exemplificativa apenas de algumas para concluir quais serão as normas que deverão considerar-se legislação do trabalho. Isto conduzir-nos-á a uma apreciação, ainda que extremamente sucinta, de todas as normas constantes dos Estatutos.

IV - A legislação do trabalho e a alínea d) do artigo 55.º da CRP Os artigos 1.º e 2.º...

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