Acórdão nº 0375/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução15 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. O SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS IMPOSTOS, em representação dos trabalhadores seus associados – grupo de pessoal dirigente, de chefia tributária e de administração tributária da DGCI –, instaurou neste Supremo Tribunal Administrativo, contra a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, sob invocação do disposto nos arts. 310º, nº 2 da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, 24º, nº 1, al. a), ii) do ETAF e 50º e segs. do CPTA, alegando, em síntese, que a entidade demandada, ao aprovar a Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação nº 22-A/2008, de 24 de Abril), que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e que, “sem outras formalidades”, determinou a transição dos actuais trabalhadores que exercem funções públicas em nomeação definitiva – entre os quais associados do Autor – para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, afrontou os seus direitos e interesses, pedindo a anulação da decisão administrativa contida no art. 88º, nº 4 da citada Lei, por violação do disposto no seu art. 10º, als d) e f).

Por despacho saneador de fls. 167, foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de incompetência absoluta do tribunal, arguidas pela entidade demandada na respectiva contestação.

Por acórdão da Subsecção, de 12.05.2010 (fls. 303 e segs.), foi julgada improcedente a acção.

É desta decisão que vem interposto para o Pleno o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação o recorrente conclui: A) Ao considerar que o exercício das funções indicadas no artigo 10º da Lei nº 12-A/2008, e, em especial, das referidas nas suas alíneas d) e f), constitui condição da respectiva aplicação aos trabalhadores visados por aquela norma, o douto Acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito; B) É certo que o artigo 10º da Lei nº 12-A/2008 introduz uma dupla restrição à utilização da nomeação definitiva como acto constitutivo de relação jurídica de emprego público; C) Mas essa dupla restrição não tem a ver com o regime de exercício, em exclusividade ou complemento, de tais funções mas, e em primeira linha, com as funções propriamente ditas, na sua especificidade – que são apenas as ali indicadas, com exclusão de quaisquer outras; D) Por outro lado, tem a ver com as carreiras em que o trabalhador se integra – que são as adequadas ao exercício de tais funções, com exclusão das demais; E) A investigação criminal, independentemente da espécie de crime considerado, tal como a inspecção, em geral, fazem parte das funções públicas abrangidas pelo artigo 10º referido; F) Naquelas funções compreendem-se, portanto, a investigação dos crimes fiscais e a inspecção tributária; G) As carreiras funcionalmente adequadas ao exercício de tais funções são as carreiras próprias da administração tributária, salvo as de regime geral, nas quais os trabalhadores que o Recorrente representa estão inseridos; H) Na verdade, no conteúdo funcional das referidas carreiras inclui-se o desempenho corrente, permanente e ordinário das actividades aqui consideradas por parte daquele pessoal; I) Contrariamente àquilo que foi decidido, a lei não impõe, portanto, explícita ou, sequer, implicitamente, um regime exclusivo ou preponderante de exercício das funções referidas no artigo 10º da Lei nº 12-A/2008 como condição da sua aplicação; J) Nessa medida, ao julgar improcedente a causa com fundamento numa interpretação errónea do direito aplicável, o douto Acórdão recorrido infringiu o referido preceito legal, conjugado com o nº 4 do artigo 88º da mesma Lei nº 12-A/2008; K) Bem assim, a interpretação do artigo 10º da Lei nº 12-A/2008 feita pela decisão impugnada, no sentido de o mesmo não abranger os trabalhadores representados pelo Recorrente, é materialmente inconstitucional por violação da reserva de função pública e dos princípios da igualdade de tratamento e da protecção da confiança; L) Na verdade, fazendo a administração tributária parte do “núcleo duro” das funções de soberania do Estado, devem os seus trabalhadores manter o vínculo que caracteriza as relações mais estreitas entre aquele e os respectivos servidores; M) Por outro lado, conhecidas as competências em matéria de investigação criminal e de inspecção tributária dos referidos trabalhadores, não existe credencial idónea para não lhes reservar o mesmo tratamento que a lei dispensa aos demais trabalhadores de investigação criminal e inspecção; N) Deste modo, tendo sido interpretado no sentido da exclusão dos trabalhadores representados pelo Recorrente do seu âmbito de aplicação, o artigo 10º da Lei nº 12-A/2008 infringe irremediavelmente os artigos 3º, 13º, 269º, nº 1 e 271º da Lei fundamental; O) Ao aplicar o referido preceito legal com o apontado sentido restritivo, o douto Acórdão sob censura fez aplicação de norma inconstitucional, o que lhe estava expressamente vedado pelos artigos 204º da Constituição da República e 1º, nº 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; P) O Código de Processo nos Tribunais Administrativos impõe, nos processos impugnatórios, a identificação pelo tribunal de outras causas de invalidade não alegada pelas partes, devendo, nesses casos, convidá-las a pronunciarem-se sobre as mesmas; Q) Podendo, no caso dos autos, suscitar-se com elevado grau de verosimilhança a questão da incompetência absoluta do autor da decisão impugnada, contida no nº 4 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Venerando Supremo Tribunal a quo tinha o dever de identificar tal invalidade, que não foi alegada; R) Ao não o fazer, violou, pois, o dever inscrito no artigo 95º, nº 2 do referido código, o que, subsidiariamente embora, também aqui se deixa arguido.

  1. A entidade recorrida, Assembleia da República, concluiu a sua contra-alegação do seguinte modo: Em congruência com a posição já por si anteriormente assumida no processo (na contestação e nas alegações finais – respectivas partes subsidiárias), a “Assembleia da República” entende que são totalmente correctas as conclusões contidas no Acórdão proferido, ora sob impugnação jurisdicional [«Por tudo o que se deixou exposto pode concluir-se que os trabalhadores associados do Autor não se mostram cobertos pela previsão do art. 10º, alíneas d) e f) da Lei nº 12-A/2008, razão porque (i) não concorre motivo de anulação da decisão administrativa contida no art. 88º, nº 4 da mesma Lei, bem como (ii) lhes não pode ser reconhecido o direito a manterem a relação jurídica de emprego público na modalidade de nomeação»], pelo que deve o mesmo ser mantido, ainda que continue sem entender (questão não fundamentadamente resolvida nos autos, ainda que oportunamente invocada por excepção) que “acto administrativo” ou “materialmente administrativo” – alvo da presente impugnação contenciosa – se contém, afinal, no comando normativo ínsito no art. 88º, nº 4 da Lei nº 12-A/2008.

* Os Exmos Adjuntos tiveram vista dos autos, nos termos do art. 92º do CPTA.

( Fundamentação ) OS FACTOS O acórdão recorrido considerou, com interesse para a decisão, a seguinte matéria de facto: 1. O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos representa, entre outros, os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) integrado nos grupos do pessoal dirigente, pessoal de chefia tributária e pessoal de administração tributária, 2. Agentes esses que constituem os trabalhadores directamente interessados nos presentes autos (art. 18º da p.i.).

O DIREITO O acórdão recorrido julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo ora recorrente contra a Assembleia da República, na qual o A. impugna e pede a anulação da decisão administrativa contida no art. 88º, nº 4 da Lei nº 22-A/2008, de 27 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação nº 22-A/2008, de 24 de Abril), que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e que, “sem outras formalidades”, determinou a transição dos actuais trabalhadores que exercem funções públicas em nomeação definitiva – entre os quais associados do Autor – para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, alegadamente em violação do disposto no art. 10º, als d) e f) da citada Lei.

Para assim decidir, considerou improcedentes os vícios assacados pelo A. à referida decisão administrativa, concluindo, no essencial, e a partir da interpretação a que chegou do texto daquele art. 10º, que os trabalhadores associados do Autor não se encontram abrangidos pela previsão normativa das als d) e f) desse mesmo preceito legal, não se configurando pois a invocada violação de lei.

O recorrente imputa ao acórdão sob censura três vícios ou erros de julgamento: (i) errada interpretação e aplicação do art. 10º, als. d) e f), da Lei nº 22-A/2008, de 27 de Fevereiro, por ter considerado o exercício exclusivo ou preponderante das funções ali indicadas como condição da respectiva aplicação aos trabalhadores visados pela norma; (ii) inconstitucionalidade material do citado art. 10º, na interpretação restritiva que dele fez o acórdão recorrido, no sentido de não abranger os trabalhadores representados pelo recorrente, em violação da reserva de função pública e dos princípios da igualdade e da protecção da confiança (arts. 3º, 13º, 269º/nº 1 e 271º/nº 1 da CRP); (iii) não identificação e conhecimento de uma invalidade não alegada da decisão administrativa (incompetência absoluta do autor), em violação do art. 95º, nº 2 do CPTA.

Vejamos da consistência de tais alegações, devendo, desde já, e tendo em conta a parte final da contra-alegação da entidade recorrida (que alega continuar sem entender que “acto administrativo” ou “materialmente administrativo” se contém no comando normativo do art. 88º, nº 4 da Lei nº...

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