Acórdão nº 0791/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional do despacho que julgou improcedente a reclamação de acto do órgão da execução fiscal com o n.º 634/09.8BEPRT.
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RELATÓRIO 1.1 A… (adiante Reclamante ou Recorrente) reclamou judicialmente contra a decisão do órgão da execução fiscal que indeferiu o seu pedido de dispensa do depósito do preço do bem vendido até que seja proferida decisão no processo de verificação e graduação de créditos, no qual reclamou um crédito sobre a Executada garantido por direito de retenção, já reconhecido judicialmente, sobre esse bem.
1.2 A reclamação foi julgada improcedente com o fundamento que a situação estava expressamente regulada pela alínea h) do art. 256.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), motivo por que não há lugar à aplicação subsidiária do disposto no n.º 2 do art. 877.º do Código de Processo Civil (CPC).
1.3 Inconformada com a sentença, a Reclamante dela interpôs recurso, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor: «Conclusões: 1. A credora/proponente é titular do direito de retenção conforme consta da sentença de condenação junta com a reclamação de créditos.
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A reclamante habita a fracção desde Agosto de 1995, porém, apesar de ter pago, praticamente, a totalidade do preço, nunca a aqui executada/proprietária celebrou a escritura definitiva de compra e venda.
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A credora/proponente é uma pessoa já de alguma idade e apresentou proposta de aquisição, porém como sabia, antecipadamente, que não tinha possibilidade de proceder ao depósito do preço no prazo legal requereu a dispensa do mesmo caso a sua proposta fosse aceite, dispensa essa que seria concedida até ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, altura em que o serviço de Finanças competente se encontraria em condições de, com total exactidão, proceder aos pagamentos do produto da venda.
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Dispõe o art. 256º al. g) que “O adquirente, ainda que demonstre a sua qualidade de credor, nunca será dispensado do depósito do preço”; por outro lado, dispõe a al. h) do mesmo normativo legal que “O Estado, os institutos públicos e as instituições de segurança social não estão sujeitos à obrigação do depósito do preço, enquanto tal não for necessário para pagamento de credores mais graduados no processo de reclamação de créditos ” [ (As alíneas a que a Recorrente alude passaram, na redacção dada ao art. 256.º do CPPT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, a ser as alíneas h) e i), respectivamente.)].
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Dispõe o art. 887º nº 2 do C.P.C. que “Não estando ainda graduados os créditos, o exequente não é obrigado a depositar mais do que a parte excedente à quantia exequenda, e o credor só é obrigado a depositar o excedente ao montante do crédito que tenha reclamado sobre os bens adquiridos”.
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A obrigação de depósito do preço por parte do credor reclamante nos presentes autos, antes de proferida a sentença de graduação de créditos, configura um tratamento desigual, que trará prejuízos irrecuperáveis à credora reclamante.
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A credora procedia ao depósito do preço de € 55.000, recorrendo a crédito bancário.
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Se a sentença de graduação de créditos fosse proferida daqui a um ano, haveria sempre que aguardar a elaboração da conta e respectivos pagamentos, o que significa que, dificilmente, antes de decorridos dois a três anos seria o credor reembolsado do depósito do preço, tendo, entretanto, pago os custos do recurso ao crédito, juros referentes às prestações que se venceriam durante o período em que se mantivesse o financiamento, pois apenas o poderia liquidar quando lhe fosse restituído o preço, ou grande parte dele.
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Tal obrigação de depósito do preço constitui uma grave violação do princípio da igualdade de tratamento entre o Estado e o credor particular, desigualdade essa que apenas se verifica nas execuções fiscais, uma vez que caso a presente venda se tivesse realizado num tribunal comum, tal obrigação não existiria.
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Em respeito ao princípio da igualdade, e não se descortinando uma razão pertinente para que tal princípio não seja aqui respeitado e de forma a fazer-se integral justiça ou, pelo menos, não se permitir a concretização de uma injustiça, com prejuízos irreparáveis, económicos e morais, deve ser concedida isenção do depósito do preço à Credora reclamante até ser proferida a douta sentença de verificação e graduação de créditos.
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Refere a douta sentença, como argumento para afastar a aplicação das regras do C.P.C. à venda em execução fiscal, o facto de a execução fiscal se caracterizar pela sua celeridade.
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Ora, salvo o devido respeito que muito é, entendemos que o facto da execução fiscal se caracterizar pela celeridade não justifica a imposição do depósito do preço aos credores com garantia real, uma vez que tal depósito não poderá ser utilizado enquanto não for proferida a Douta sentença de verificação e graduação de créditos.
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Ou seja, de que vale o depósito do preço para a Fazenda, uma vez que, existindo créditos reclamados e sendo necessário proceder à sua verificação e graduação, não podem ser efectuados quaisquer pagamentos, seja de impostos devidos ao Estado, seja dos créditos reclamados.
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Está-se a impor uma obrigação extremamente penosa, especialmente no caso de um credor particular munido de garantia real, o qual é necessariamente distinto de um proponente que não seja credor e que apenas vai à venda para adquirir um imóvel, enquanto no caso do credor vai igualmente à venda para garantir o seu crédito e não ver o imóvel ser vendido por valores irrisórios, o que muitas vezes sucede.
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Na verdade, o que pretende a credora/proponente é que a dispensa do depósito do preço seja concedida até à sentença de verificação e graduação de créditos.
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O MM Juiz [do Tribunal] “a quo” entende não existir qualquer violação do princípio da igualdade, referindo diversa jurisprudência, porém, se atentarmos na jurisprudência invocada, o credor trata-se de uma instituição bancária, e não de um particular.
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Ora, existe uma grande diferença entre uma instituição bancária e um particular, desde logo na capacidade económica e na facilidade de disponibilização de dinheiro.
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Sendo certo que o princípio da igualdade tem de ser analisado caso a caso, pelo facto de na Douta Jurisprudência invocada ter-se considerado não existir violação do mesmo na obrigação do depósito do preço no processo fiscal, tal não pode significar que, no caso em concreto, não se julgue de forma diferente.
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E, salvo melhor opinião, outro deveria ser o entendimento do MM Juiz, devendo ter julgado procedente a reclamação apresentada.
Nestes termos e nos melhores de Direito requer a Vªs Exªs se dignem revogar a Douta decisão...
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