Acórdão nº 04720/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | COELHO DA CUNHA |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul 1- Relatório A..., com os sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Leiria, de 07.07.2008, que julgou parcialmente procedente a acção proposta em 28.05.2003, contra o Estado Português e B..., por ter condenado os R.R., tão somente, no montante de €750,00 a titulo de indemnização por danos morais sofridos em acidente ocorrido numa marcha de treino militar.
Nas suas alegações de recurso, enuncia as seguintes conclusões: “1.
A douta sentença de fls. deve ser parcialmente revogada 2. O Tribunal "a quo" respondeu afirmativamente aos artigos 1º a 6°, 11° a 18°, 23°, 29°, 31°, 34° e 35° da BI.
3- Dando por não provados - ou provados restritivamente ("provado apenas que”) os factos consignados nos artigos 7°, 8°, 9º, 10º,19º a 22°, 24° a 28°, 30°, 32°, 33° e 36° da BI.
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Entendemos que o Tribunal "a quo" não apreciou adequadamente a prova produzida, o que se reflecte na fundamentação da decisão.
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Logo nos factos assentes, no ponto W, se consignou que o R. B...foi condenado pela prática de um crime de ofensas corporais em inferior, mediante sentença proferida pelo Supremo Tribunal Militar, já transitada em julgado.
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A decisão, proferida no processo n°17/C/9/E/02 - o qual se encontra apenso aos presentes autos - deu por provados determinados factos, atinentes, uns, à tipologia objectiva do crime, e outros, à tipologia subjectiva.
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O Tribunal "a quo" - e bem - acolheu o regime do artigo 674º-A do CPC.
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Face à posição evidenciada pelo Tribunal recorrido - e perante a meridiana clareza da tese - abstemo-nos de discorrer sobre o disposto no artigo 674°-A do CPC.
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Todavia, não podemos deixar de constatar que o Tribunal “ a quo" pese embora aceite, na sentença, a operatividade dessa presunção judicial, não a observou no que toca à definição real e efectiva dos factos provados e não provados.
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Com efeito, diz o Tribunal que impõe-se considerar-se provados os actos que integram a agressão.
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Todavia, dá por não provados os factos constantes dos artigos 7° a 10° (ou provados restritivamente), factos que - ver supra -foram dados por provados pelo Supremo Tribunal Militar.
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Assim, quanto aos mesmos, opera, inequivocamente, a citada presunção legal, decorrente do artigo 674°-A do CPC.
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Logo, impunha-se - e impõe-se agora - que o Tribunal "a quo" os desse como provados, decalcando, aliás, o Acórdão supra aludido.
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Deste modo, evidencia-se uma contradição entre os factos provados e o sentido final da decisão.
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Com efeito, não pode o Tribunal quanto ao artigo 10° da BI, dar por provado (apenas) que "(...) o Autor sofreu equimoses da " região auricular direita, no olho direito e esquerdo, na região malar esquerda, na região frontal direita e mastoideia direita", sem imputar tais danos à acção directa do R. B....
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E depois concluir não apenas pela verificação dos factos descritos no Acórdão do Supremo Tribunal Militar de fls., 17. Mas pela existência de danos morais - sofridos pelo Autor -consubstanciados "nas agressões de que foi vítima e as dores e incómodos sofridos por via das lesões traumáticas de que padeceu" designadamente, "equimoses da região auricular direita, no olho direito e esquerdo, na região malar esquerda, na região frontal direita e mastoideia direita (...)".
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Impõe-se dar por provados os factos descritos nos artigos 7° a 10° da Base Instrutória.
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Invocando-se, em qualquer caso, a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668° n° 1 d), do CPC.
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O Tribunal "a quo", na fundamentação da decisão, deve preceder a uma análise crítica da prova produzida.
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No que tange aos pontos da matéria de facto supra indicados, o único meio de prova apresentado em Tribunal - sendo que não apresentado nenhum elemento para "contra –prova” - foi o Parecer (ou relatório/consulta) elaborado pelo Dr.Santos Costa, Médico Especialista em Psiquiatria e em Medicina Legal, cf. fls.
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Os factos - isto é, os danos sofridos pelo A, - descritos nos artigos 19° a 22° e 28° da 81 emergem do documento supra referido.
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O documento em causa é - todos o sabemos - um documento particular, sem especial força probatória, como o teria uma perícia médico-legal, por exemplo.
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Todavia, o facto de se tratar de um documento particular não lhe retira, por si só, utilidade - e eficácia – probatória.
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Donde, em nosso entender, o Tribunal, para recusar as conclusões exaradas nesse documento - da autoria de um especialista, facto que é pacífico - deve explicar porquê.
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No fundo, deve fazer um exercício crítico quanto ao mesmo.
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Ora, compulsado o despacho de resposta aos quesitos, de fls., constata-se que o Tribunal exara que foi "Provado apenas que consta do "Parecer Médico -Legal e Psiquiátrico -Forense no âmbito da Valorização Civil do Dano Pós-Traumático”.
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Sem contudo avançar qualquer explicação para o facto de não ter acolhido as conclusões do mesmo.
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Apenas deixando consignado que tal documento “ apesar de impugnado foi confirmado foi confirmado pelo seu autor" (note-se, o Dr. C...).
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Com efeito, o Dr. C...foi ouvido em julgamento em 10.12.2007, tendo confirmado as conclusões exaradas no documento.
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Que apontam para danos graves sofridos pelo A.
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Nomeadamente, diminuição da libido, auto-depreciação, estados depressivos e de angústia, perda de capacidade de concentração, sensação de fadiga e cansaço.
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Por outras palavras, o A. deixou de ser o mesmo.
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O Tribunal "a quo" deu por provada a matéria de facto constante do artigo 12° da BI.
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Tal matéria emerge de um relatório elaborado no Hospital Militar Principal.
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Ao dar por provado esse facto, o Tribunal "a quo” mais não consigna do que o seguinte: que de tal documento consta que a "evolução clínica e laboratorial" foi compatível com "rabdomiólise”.
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O Tribunal "a quo" - sempre foi a nossa convicção – deixou-se impressionar por tal conceito, 38. A "rabdomiólise" apenas seria relevante num espectro de lesões "orgânicas".
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São as lesões duradouras e permanentes que justificam a "incapacidade permanente" do A. para o serviço militar, e não a rabdomiólise.
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Tanto mais que, a rabdomiólise - vide, desde logo, o artigo citado na sentença de fls. - é algo que, por definição, não é inibidor, no futuro, do desempenho de actividades físicas (ou militares), sendo algo até bastante comum.
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Logo, a rabdomiólise não é uma "patologia permanente".
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Por outras palavras, não foi a rabdomiólise a "excluir" o A. do Exército, e do serviço militar.
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Foram sim os demais danos, de índole “não orgânica", que lhe advieram das graves agressões infligidas pelo R. B....
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Documentados e explicados pelo Dr. C....
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O Tribunal "a quo" valorizou erradamente o efeito "rabdomiólise” desconsiderando, sem motivos, as conclusões do citado clínico”.
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Muito mais claras e objectivas que "recônditos" pareceres e relatórios, emanados de serviços que, de algum modo, revelaram pouca distância para com o caso concreto e os respectivos actores.
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As conclusões extraídas do referido Parecer em nada são infirmadas pela demonstração dos factos descritos nos artigos 11º a 18º da BI, em termos que passamos a explicar.
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A elaboração do Relatório do IML teve apenas por espectro a avaliação do dano para efeitos penais.
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O A. foi submetido a uma avaliação que teve em vista apurar apenas, a verificação de danos enquadrados no disposto 144º do Código Penal, e tendo em vista a instrução do processo penal junto dos Tribunais Militares, 50. Note-se, aliás, que o A. não foi admitido a intervir nesses processos, tendo-lhe sido vedada a possibilidade, logo aí, de deduzir pedido de indemnização civil.
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Logo, tal avaliação foi "puramente orgânica", como referiu o Dr. C..., com depoimento gravado na cassete 4, volta 1080 a, conforme acta de audiência de julgamento de 10.12.2007, de fls.
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Com efeito, referiu o Dr. C..., quando ouvido em julgamento, que as conclusões do Relatório do IML são demasiado "singelas", dando conta de que tal organismo não levou a cabo uma avaliação psicológica e psiquiátrica do dano.
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O citado médico chamou à atenção, nomeadamente, da total incongruência entre o relatório do IML de Coimbra – que concluiu pela verificação de danos consubstanciados em 5 (cinco) dias de doença - e o entendimento da Junta Médica que o julgou “incapaz de todo o serviço militar".
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É evidente que o relatório do IML de Coimbra é demasiado linear, singelo e simples, sem uma abordagem científica sustentada e abrangente, estritamente vocacionado para o processo militar.
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Sendo seguro que os danos físicos e psicológicos sofridos pelo A. não se resumem às equimoses, essas sim "sanáveis" em 5 dias, eventualmente.
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Não há qualquer incongruência na demonstração concomitante dos factos descritos sob os artigos 19° a 22° a 28ç da BI, e os factos descritos sob os artigos 11° a 18° dados por provados pelo Tribunal "a quo".
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A Junta Médica Militar "desmonta" as conclusões do relatório do IML, e a "consolidação" das lesões.
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A qual só vale para as lesões físicas da natureza das equimoses.
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Ou seja, as lesões orgânicas.
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E não para as outras, nomeadamente, as de natureza psicológica, que se mantêm e perdurarão no tempo.
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Traduzidas, nomeadamente, numa perda significativa de auto-estima e consideração pessoal.
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O Tribunal "a quo" deveria ter acolhido as conclusões do Parecer...
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