Acórdão nº 829/08.1TBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 14 de Maio de 2008[1], A… (A. e Apelante no contexto deste recurso) demandou M… e mulher, S… (RR. e aqui Apelados), pedindo a condenação destes a repetirem-lhe, com base no instituto do enriquecimento sem causa [artigos 473º e seguintes do Código Civil (CC)], o valor de €37.000,00, respeitante ao que ele A., enquanto contabilista dos RR., afirma ter satisfeito à Administração Fiscal [em conjunto com o Técnico Oficial de Contas (TOC) dos RR.] relativamente a IRS pelos RR. devido, respeitante aos anos de 2003 e 2004.

Tal pagamento pelo A., ocorrido em Abril de 2008, de uma obrigação fiscal alheia (dos RR.) teve lugar no pressuposto, induzido pelo R. marido ad terrorem, de que essa dívida fiscal teria na sua origem uma tributação acrescida resultante da circunstância dos RR. deverem optar em 2001 pelo regime de contabilidade organizada e não pelo chamado regime simplificado de tributação de rendimentos, sem que o A. tivesse promovido a formalização de tal opção junto da Administração Tributária, caindo os RR., assim, no regime simplificado (menos favorável para eles). Todavia, veio o A. a saber, mais tarde – e este constitui o fundamento da pretensão do A. expressa nesta acção –, que essa dívida fiscal tinha na sua origem, diversamente do que lhe foi feito crer quando pagou, tão-só, a circunstância dos RR. – e eventualmente o TOC – terem omitido, pura e simplesmente, a entrega das declarações de IRS respeitantes aos referidos anos de 2003 e 2004, não traduzindo essa tributação uma consequência de qualquer errada opção, induzida pelo A., pelo regime simplificado ou pelo regime de contabilidade organizada. 1.1.

Contestaram os RR. impugnando o pedido, afirmando a existência e a subsistência de causa para a realização do pagamento pelo A. das indicadas dívidas fiscais dos RR., atribuindo-lhe responsabilidade pelo aparecimento dessas dívidas.

1.2.

A culminar o julgamento foi fixada a matéria de facto por referência à base instrutória, isto através do despacho de fls. 165/170, e foi o processo decidido na primeira instância através da Sentença de fls. 174/200 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso – que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. da totalidade do pedido[2].

1.3.

Inconformado, interpôs o A. o presente recurso, motivando-o a fls. 203/221, rematando tal peça com as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] II – Fundamentação 2.

Encetando a apreciação do recurso, tenha-se presente que o âmbito objectivo deste foi delimitado pelas conclusões transcritas no item anterior [vejam-se, a respeito desta asserção, os artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

Olhando as conclusões do Apelante, sobressaem dois fundamentos colocados à apreciação desta segunda instância: (a) a impugnação da matéria de facto (artigos 712º, nºs 1 e 2 e 685º-B, nº 1 do CPC), referida às respostas aos quesitos 11º e 13º da base instrutória; (b) com ou sem alteração dos factos, incide subsequentemente o recurso sobre a verificação in casu dos pressupostos do enriquecimento sem causa, defendendo o Apelante estarem estes integrados.

2.1.

Os factos fixados na primeira instância são os seguintes (aqui se identificando a sua origem nos factos assentes e nas respostas aos quesitos da base instrutória): “[…] 2.2. (a) Interessa-nos agora – e assim iniciamos a abordagem do recurso – o primeiro fundamento da apelação acima equacionado, respeitando ele ao elemento do julgamento da primeira instância correspondente à fixação de determinados trechos dos factos, tanto na sua dimensão positiva (factos provados) como negativa (factos não provados), concretamente, tomando por referência as questões enunciadas na base instrutória, as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 11º[3] e 13º[4].

O primeiro destes recebeu resposta negativa, não sendo, por isso mesmo, transposta para os factos qualquer asserção retirada desse quesito. Quanto ao segundo quesito referido pelo Apelante (13º) obteve ele uma resposta bastante restritiva (a de fls. 166) que originou a alínea AK) do elenco supra transcrito, pretendendo o Apelante, em qualquer dos casos, a consideração integral das asserções de facto presentes nos dois quesitos, referindo-se genericamente ao registo áudio da prova testemunhal por ele apresentada.

Importa sublinhar, como ponto prévio, que na apreciação deste fundamento do recurso procedeu esta Relação à audição integral da prova testemunhal, bem como à gravação do depoimento de parte prestado pelo A., sendo que o controlo dos factos que aqui se exerce tem como referencial um entendimento amplo do acesso por esta Relação ao julgamento dos factos realizado na primeira instância. Este será aqui controlado através da gravação da prova pessoal produzida em sede de julgamento e com base no disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 712º do CPC[5].

Ora, neste quadro de referência, focando agora a resposta negativa ao quesito 11º, sublinhar-se-á, secundando a referência da Senhora Juíza a quo a fls. 169, na fundamentação das respostas, a formulação equívoca da pergunta, ao pretender situar no tempo um suposto conhecimento pelo próprio A. (o quesito condensa uma alegação deste) da circunstância de ter assumido ou não, no passado, determinada obrigação, colocando-nos perante a dificuldade inerente a determinar se e quando o Apelante soube que “assumiu” ou não assumiu determinada obrigação, quando etimologicamente assumir significa aceitar ou tomar para si.

De qualquer modo, valorando toda a prova testemunhal, não alcança esta Relação qualquer arrimo para fornecer uma resposta positiva a este quesito (que corresponderia à afirmação, admitindo que isso possa ter sentido, de quando é que o Apelante soube o que não tinha assumido). Tenha-se presente a este respeito o carácter inexpressivo de toda a prova testemunhal (da apresentada por qualquer das partes) quanto ao conteúdo funcional verdadeiramente assumido pelo A., como contabilista dos RR., no que respeita a hipotéticas obrigações referidas a estes de opção por modelos tributários com um ou outro conteúdo, num quadro de actuação presidido pela ideia de planificação fiscal[6]. Com efeito, tenha-se presente que todas as testemunhas do A. – incluindo a sua mulher, A… – depuseram com base num conhecimento indirecto, referido a aspectos muito gerais da relação funcional entre o A. e os RR.

[7], que está longe de permitir alicerçar uma asserção do tipo da que subjaz ao quesito 11º. Seja como for, não deixará de se sublinhar que o A. não era Técnico Oficial de Contas e que, em função disso, não lhe podem ser referidas obrigações legais privativas do Estatuto de um TOC, valendo aqui, quanto à caracterização do conteúdo funcional assumido pelo A. relativamente aos RR. os elementos indicados nas alíneas D) e G) dos factos.

E o mesmo se diga, quanto à prova, relativamente ao quesito 13º, na qual, face a depoimentos igualmente inexpressivos, se valorou apenas – e no limite do aceitável – a referência da testemunha mulher do A. à entrega de alguns documentos, por conta do A., à 2ª R., podendo extrapolar-se daqui, tão-só, algum tipo de conhecimento por esta última da situação, embora nada mais do que foi incluído na resposta restritiva que originou a alínea AK) dos factos.

Vale isto, enfim, pela confirmação dos trechos fácticos aqui discutidos e, consequentemente, pela improcedência deste primeiro fundamento do recurso. Aliás, conforme resultará da subsequente exposição, as alterações pretendidas introduzir pelo Apelante na matéria de facto nem sequer apresentariam a virtualidade de alterar a decisão do recurso que justificaremos de seguida. 2.3. (b) Interessa-nos agora, pois, o segundo fundamento da apelação acima equacionado, referindo-se ele à consideração dos pressupostos do enriquecimento sem causa, concretamente na modalidade de repetição do indevido (artigos 476º e 478º do CC), face ao elenco dos factos acabado de confirmar no item anterior.

2.3.1. (b) Numa primeira aproximação ao problema, teremos em conta, explicitando-a, a incidência que acabou por estar na base da situação que desencadeou a série de acontecimentos que viriam a culminar com a satisfação pelo A. (parcial, já que correspondeu a apenas €7.000,00 num valor global de €37.000,00[8]) de uma dívida fiscal alheia pendente de concretização executiva. Essa incidência está recolhida, no essencial, na alínea AL) dos factos e pode aqui ser juridicamente explicitada nos termos seguintes: no final do ano de 2000 foi editada a Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro que introduziu diversas alterações ao Código do IRS (originariamente aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro), designadamente no respectivo artigo 31º, passando este, nos trechos que aqui apresentam interesse, a ter a seguinte redacção: Artigo 31º[9] Formas de determinação dos rendimentos...

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