Acórdão nº 2489/09.3PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi o arguido AA... condenado pela prática dos crimes de injúrias e de ameaças, dos art. 181º, nº 1, e 153º, nº 1, ambos do Código Penal, em 60 dias de multa por cada um deles, à taxa diária de 7 €.

Realizado o cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 100 dias de multa, à taxa referida, a que correspondem 66 dias de prisão subsidiária.

Mais foi o arguido condenado a pagar ao demandante BB... a quantia de 350,00 €, a título de indemnização.

  1. Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «A. O presente recurso versa quer sobre a matéria de facto, visando a sua reapreciação, quer ainda sobre matéria de Direito, uma vez que se entende que a conduta imputada ao recorrente se poderá mostrar atípica e não punível, recorrendo-se todavia, ad cautelam, igualmente da pena aplicada e montante da condenação na vertente cível.

    B. Com o presente recurso não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária", traduzido no direito de recorrer consagrado na alínea i) do nº 1 do art. 61° CPP e no nº 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP brevitatis causa).

    C. No âmbito do presente processo foi oferecida contestação pelo recorrente, sendo que em sede de douta sentença se mostra referenciado unicamente o seu oferecimento e não já as conclusões vertidas na mesma, padecendo de um vício do qual deverá ser expurgada em sede de correcção, nos termos da alínea a) do art. 380º CPP ex vi 374º nº 1 d).

    D. E ao não considerar na devida conta o teor da contestação apresentada, padecerá a douta sentença do vício da nulidade previsto na alínea c) do nº 1 do art. 379º CPP, uma vez que deixou de conhecer das questões aí expressamente alegadas e dar resposta em termos de prova dos factos aí alegados.

    E. No tocante à reapreciação da prova gravada mostra-se incorrectamente dado por provado, em sede de ponto III, fundamentação de facto, que o recorrente teria vociferado "em tom agressivo e colérico, em local público e para quem quis ouvir", atendendo a toda a prova testemunhal produzida (maxime testemunha CC... nas passagens 04:22 a 04:25, 04:47 a 04:59, 05:53 a 06:17, 06:52 a 06:59, 08:02 a 08:06, 08:28 a 08:31 e 09:55 a 10:01) e demais concretas passagens referenciadas em sede de motivação.

    F. E sempre tal estado de exaltação, a ter existido, sempre diminuiria a ilicitude e a intensidade do dolo uma vez que o dolo directo exige uma certa cabeça fria e raciocínio, de produção de ofensas com tal estado colérico, sendo a douta sentença assim contrária, em sede de determinação da medida da pena, aos seus fundamentos e factos provados.

    G. Mostraram-se em confronto três versões dos factos (a do recorrente, a do assistente e sua esposa, com apenas minudências de diferença e a da outra testemunha presencial, o técnico CC...) sendo que das três, com o devido respeito, dir-se-á que a do assistente se mostra demasiado empolada e contrariada pela testemunha CC..., a única verdadeiramente imparcial.

    H. Acaba por dar o tribunal por dar por provado o estado colérico e tom agressivo do recorrente, quando a testemunha CC..., refere, amiúdes vezes que a única voz que ouvia era, pasme-se ... a do assistente (passagens 04:47 a 04:59, 06:52 a 06:59 e 09:55 a 10:01) e se mostrava ela própria perto por estar à varanda, de um r/c que deitava para a rua, local onde se terão desencadeado os factos (passagem 05:53 a 06:17).

    I. Assim, se estando perto a testemunha não ouviu qualquer injúria perpetrada pelo arguido, como dar por provado que o mesmo "vociferou em tom agressivo e colérico … e para quem quis ouvir" como se mostra tal dado por provado se mais nenhuma outra testemunha presencial foi ouvida ou localizada?! J. A esposa do assistente (testemunha DD...) expressamente confessou que, numa fase inicial, interpelou o recorrente a que lhe pagasse o que lhe devia (passagem 02:56 a 02:58), o que, na situação terá funcionado como apagar o fogo com gasolina, tendo ainda feito referência a que o recorrente, ao sair, disse que as coisas não iriam ficar assim e que seriam resolvidas de outra maneira (passagem 03:41 a 03:48), que necessariamente não podia ser a ofensa à integridade física por esta não ser outra mas a mesma maneira.

    K. Daí que igualmente, sem prejuízo do que infra se dirá sobre o tema, se tenha por incorrectamente julgada a questão do dolo de prática do crime de ameaça, que, em boa verdade, nada permite associar à integridade física, tendo o recorrente apresentado justificação válida e plausível: era sua intenção intentar um processo judicial contra o assistente e sua esposa, uma vez que entendia que os mesmos teriam enriquecido à sua causa (passagem 03:01 a 03: 13 da primeira parte do seu depoimento).

    L. E o mesmo se diga relativamente à ofensa à honra, em que, o uso das expressões usadas e em parte confessadas pelo arguido, foi unicamente fruto da contenda e inerente ao linguarejar menos cortês e polido próprio da actividade da construção civil (o que se tem por facto notório nos termos e para efeitos do art. 514° nº1 CPC), que foi a do recorrente durante vários anos.

    M. Entende-se assim que se mostra a questão da actuação do recorrente mal decidida, relativamente à cólera, vociferação e dolo de prática dos eventuais crimes, havendo ainda de levar ao elenco dos factos provados a circunstância de não mais, desde tal data, o arguido ter importunado o assistente (passagens 16:25 a 16:32 e 17: 18 a 17:23) ou sua esposa (passagem 11:05 a 11:12) bem como a circunstância do recorrente se mostrar desempregado/aposentado, uma vez que tal facto é de excepcional relevância para efeitos de fixação do quantitativo diário da pena de muita e indemnização.

    N. Se é certo que o princípio in dubeo pro reo apenas deva ter lugar quando ambas as versões se mostrem plausíveis, o certo é que se entende que in casu, nada implica objectivamente a adesão pura e simples à versão trazida pela assistente, contrariada pela versão do arguido e da testemunha CC... em detrimento do alegado pelo arguido.

    O. As expressões vertidas na douta sentença e que se mostram imputadas ao recorrente não são em si mesmo desonrosas consubstanciando unicamente linguagem menos correcta, cortês, polida e delicada dado que, como se tem por pacífico e jurisprudencialmente aceite, nem todo o facto ou juízo que envergonha, perturba ou humilha, cabe na previsão dos artigos 180º ss CP, tudo dependendo da intensidade da ofensa.

    P. Haverá assim que aferir, com ajuda de um honrímetro e tendo por parâmetro os critérios da interpretação plasmados no art. 9º CC, se tais expressões se mostram para lá desse mínimo de respeito, corresponde, grosso modo, à linha demarcativa, a esse equador (ou na visão perpendicular ou vertical "meridiano"!) a que se fez alusão, podendo surgir a ofensa sempre que se supere tal "Código de Conduta", que todavia não é estanque e imutável, tendo vindo a sofrer a erosão dos tempos.

    Q. Daí que se tenha por inconstitucional o entendimento de que crime de ofensa à honra se basta com a proferição de qualquer comentário ou desabafo menos próprio ou feliz, indelicado ou não simpático, como sejam as expressões "és um desgraçado... um miserável de merda ... não tens onde cair morto" sob pena de, a assim se entender, se alargar o âmbito da reacção penal de forma desmesurada.

    R. Todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade: a lei penal é igual para todos.

    S. Ora, é essa a essência do princípio da igualdade que não consiste em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igualo igual e de forma diferenciada o desigual.

    T. ln casu temos por violados os princípios da igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio e subsidiariedade do Direito Penal que assim se vê convocado quando a Iitigiosidade e danosidade material se mostra secundária e a "justiça restauradora" uma realidade ao alcance de um pedido de desculpas.

    U. O Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária, quando se revela útil, quando tem alguma eficácia, o que in casu se não vislumbra, atenta a subsidiariedade do Direito Penal que sempre imporia a opção pela via civil atenta a ofensa ao bom-nome, o que avisadamente se surpreende no ditame popular enunciativo do princípio da insignificância: "não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo que seja a única arma de que disponhamos" adaptado da frase de Georg Jellinek "Não se abatem pardais disparando canhões".

    V. Tinha o recorrente razões para acreditar que o processo contra si movido se deveu a dificuldades financeiras do assistente e visava a obtenção de uma soma em dinheiro e foi tudo resultado de um desabafo no quadro da tensão existente e notória, pelo que invoca o vertido na alínea b) do nº 2 do art. 180º CP (ad cautelam aplicável ex vi nº 2 do art. 181º CP), pelo que a não se terem por atípicas as expressões usadas, sempre o agente tinha razões para reputar tais factos como verdadeiros, uma vez que se sentia vítima da actuação concertada do assistente e sua esposa.

    W. No tocante ao crime de ameaça, tem-se tal afirmação como uma declaração não séria (uma vez que tão somente se traduzirá num apontar de um dedo e proferição de uma expressão que em si mesmo nada contende com a integridade física), dado que não há como nunca houve intenção de concretizar o suposto mal visando-se apenas a obtenção de um fim legítimo: o esclarecimento de...

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