Acórdão nº 652/10.3TTVNG.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Data da Resolução17 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação: nº 652/10.3TTVNG.P2 REG.109 Relator: António José Ascensão Ramos 1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva 2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva Recorrente: B… Recorrido: Banco C…, S.A.

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I – Relatório1. B…, residente na …, nº .., …, Vila Nova de Gaia, intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, ao abrigo do art.98.B e sgts do CPC, contra Banco C…, S.A., com sede na Rua …, nº …, Porto, requerendo que “ seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências.” ____________2. Após várias vicissitudes, que culminaram com o acórdão desta Relação, foi realizada a audiência de partes onde não se mostrou viável a conciliação.

____________3. A Ré, «não obstante entender que ao caso “sub judice”, dado que o processo disciplinar no qual o Requerente veio a ser despedido teve início em data anterior a 01.01.2010 (mais concretamente em 30.09.2009) é de aplicar o processo comum» apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT onde reitera os factos imputados ao ora Autor na nota de culpa e decisão de despedimento.

____________4. O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, expondo como questão prévia a inexistência de erro na forma de processo, deduzindo, ainda, reconvenção, pedindo que: a) Quer por inexistência de justa causa, quer por prescrição do procedimento disciplinar, quer por ilicitude da recolha de prova, ser considerado o despedimento ilícito; b) Condenar-se o empregador a pagar ao trabalhador as retribuições vencidas e vincendas a contar do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas em € 31.981,15; c) Reintegrar o trabalhador no respectivo posto de trabalho ou pagar-lhe a indemnização de antiguidade, conforme este venha a optar; d) Condenar-se o empregador a pagar ao trabalhador a quantia de € 790,65, a título de crédito de horas de formação profissional não ministrada; e) Condenar-se o empregador no pagamento dos juros legais, seguindo-se os ulteriores termos de direito.

____________5. A Ré respondeu para impugnar a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo como no articulado da motivação do despedimento.

____________6. Foi proferido despacho saneador que decidiu haver erro na forma de processo e absolveu a Ré Banco C…, S.A., da instância. Tal despacho, para o que aqui interessa tem o seguinte teor: O art. 387º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, estabelece no seu nº 2, que “O trabalhador pode opor-se ao despedimento mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior (…)”.

Esta norma introduz uma alteração relevante na impugnação do despedimento individual, cuja aplicação pressupõe a necessária tradução na respectiva disciplina processual, o que efectivamente veio a suceder com a revisão do Código de Processo de Trabalho, operada pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, que veio criar nos arts. 98º B a 98º P uma acção declarativa de condenação com processo especial para impugnação daquele tipo de despedimento, sempre que seja comunicada por escrito a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a qual se inicia com a entrega, pelo trabalhador, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual conste a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento.

O processo especial dos arts. 98º B a 98º P do C.P.T. revisto visa pois regular processualmente o disposto no art. 387º do actual C.T., como expressamente se refere no art. 98º C do C.P.T..

Acontece que, embora o novo Código do Trabalho tenha entrado em vigor no dia 17/02/2009, o citado art. 387º foi um daqueles preceitos cuja entrada em vigor foi especificamente protelada para a data da entrada em vigor da legislação que procedesse à revisão do Código do Processo de Trabalho. É o que resulta do art. 14º, nº 1, da citada Lei nº 7/2009.

Por seu turno, do art. 7º, nº 5, als. b) e c), dessa mesma Lei 7/2009 resulta que o regime estabelecido no novo Código do Trabalho, anexo à Lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor relativas a prazos de prescrição e caducidade, procedimentos para aplicação de sanções, bem como para a cessação do contrato de trabalho. E o art. 12º, nº 5, da mesma Lei estabelece ainda que a revogação, entre outros, do art. 435º (impugnação judicial do despedimento) do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, apenas produz efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo de Trabalho.

Resulta da conjugação destes preceitos que apenas em 1 de Janeiro de 2010, data da entrada em vigor do diploma que procedeu à revisão do C.P.T. (art. 9º do D.L. 295/2009, de 13/10), é que passou a ser aplicável o art. 387º do C.T. de 2009, bem como a acção nele prevista e que é a acção especial ora regulada nos arts. 98º B e segs. do C.P.T. revisto. Mais resulta da conjugação daqueles preceitos que esta nova acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento só é aplicável à impugnação judicial de despedimento cujo procedimento seja desencadeado a partir de 1 de Janeiro de 2010.

Tratando-se de despedimento cujo procedimento se iniciou antes dessa data, a respectiva impugnação judicial continua sujeita à forma do processo declarativo comum, regulado nos arts. 51º e segs. do C.P.T., mesmo que a impugnação venha a ocorrer depois daquela mesma data.

É certo que o art. 6º do Dec.-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, em sintonia com o art. 142º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, consagra o princípio da aplicação imediata da lei processual, ao estabelecer que as normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção por ele dada se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor. Mas no caso particular do processo de impugnação da regularidade e licitude de despedimento, essa norma tem necessariamente de sofrer uma interpretação restritiva, devendo entender-se como reportada às acções em que o procedimento prévio ao despedimento se iniciou após a entrada em vigor das alterações ao C.P.T., devido à necessidade de manter a harmonia entre o procedimento prévio ao despedimento e o processo judicial da sua impugnação.

Além deste elemento sistemático, também o elemento teleológico da interpretação (cfr. art. 9º do Cód. Civil) leva ao mesmo entendimento, pois que no preâmbulo do D.L. 295/2009 refere-se que a acção especial ora criada visa tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo Código do Trabalho.

Esta posição tem vindo a ser, aliás, a posição dominante na jurisprudência, como se infere do acórdão da Relação de Lisboa de 19/01/2011, referente ao processo 468/10.7TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt, o qual seguimos de perto, podendo no entanto citarem-se também os Acórdãos da mesma Relação proferidos nos processos nº 470/10.9TTLSB.L1, nº 320/10.6TTLSB.L1, nº 93/10.2TTLSB.L1 e nº 397/10.4TTLSB.L1-4.

Ora, no caso, o procedimento disciplinar que levou ao despedimento do trabalhador que intentou a presente acção especial de impugnação teve inicio antes de 1/01/2010, pois que a decisão do Comissão Executiva do Conselho de Administração da entidade empregadora de instaurar aquele procedimento data de 8 de Setembro de 2009, conforme se infere do procedimento junto aos autos (cfr. fls. 151) e a nota de culpa foi enviada ao trabalhador em 16 de Setembro de 2009, conforme se infere da carta anexa ao mesmo procedimento (fls. 163).

Não podia pois o trabalhador requerente ter impugnado o despedimento através do formulário com que o impugnou, nos termos do art. 98º C do C.P.T. revisto.

Trata-se de conclusão a que, diga-se, só agora se pode chegar, pois que nem na fase liminar do processo, nem na audiência de partes estava junto aos autos o processo disciplinar, desconhecendo-se então a data do seu início. Esta apenas se tornou conhecida com a apresentação do articulado do empregador e com a respectiva junção do procedimento disciplinar, pelo que não colhe o argumento, ora aduzido pelo trabalhador na sua contestação, de que “o despacho que ordenou a apresentação do articulado do empregador já transitou, e este também”.

Mas, portanto, retomando o raciocínio que vínhamos seguindo, a regularidade ou licitude do despedimento do aqui trabalhador apenas podia e pode ser apreciada no processo comum, com uma petição e nos demais termos regulados nos arts. 54º e segs. do Cód. Proc. Trabalho.

Trata-se, aliás, de questão que não se prende apenas com um erro na forma de processo empregue, mas também e até antes com a aplicação de lei processual no tempo. Pelo que não valem, para este efeito, as considerações adiantadas pelo trabalhador nos arts. 9º e 10º da contestação, ou seja: “de que renuncia a por em causa qualquer direito do empregador que o art. 387º do Cód. Trab. de 2009 tenha retirado do âmbito do art. 435º do Cód. do Trab. de 2003”; e de que “devem pois aproveitar-se os actos praticados com vista à melhor adequação do processo aos interesses em causa (nº 1 do art. 199º do C.P.C.)”.

A aplicação da lei – designadamente e para o que nos interessa, a sua aplicação no tempo – não depende de critérios de oportunidade ou conveniência, ao contrário do que parece entender o ilustre subscritor da petição, quando refere que não vê “vantagem em dar primado à Lei antiga em detrimento da Lei nova”.

Mas, mesmo equacionando a questão como de erro na forma de processo, sempre teremos de considerar o mesmo implica a anulação, não só dos actos de que resulte “uma diminuição de garantias do réu” (nº 2 do art. 199º do Cód. Proc. Civil)...

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