Acórdão nº 581/07 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Ribeiro
Data da Resolução21 de Novembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 581/2007

Processo nº 718/07

Plenário

Relator: Conselheiro Joaquim deSousa Ribeiro

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - RELATÓRIO

  1. Requerente e pedido

    O Presidenteda Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio requerer, aoabrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea g),da Constituição da República Portuguesa (CRP), a declaração, com forçaobrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida noartigo 126.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei doOrçamento do Estado para 2007).

    O preceito emquestão estabelece, no quadro das relações financeiras entre o Estado e asRegiões Autónomas, os montantes de que estas beneficiarão, durante o anoeconómico de 2007, a título de transferência. É do seguinte teor:

    Nos termos e para os efeitos doartigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pelaLei n.º 48/2004, de 24 de Agosto, as transferências para as Regiões Autónomasem 2007 são determinadas nos termos seguintes:

    a) € 223 436 000 para a Região Autónoma dosAçores, sendo € 167 436 000 a título desolidariedade e € 56 000 000 do Fundo de Coesão;

    b) € 170 895 000 para a Região Autónoma daMadeira, sendo € 139 195 000 a título de solidariedade e € 31 700 000 do Fundode Coesão.

  2. Fundamentos do pedido

  3. 1. De inconstitucionalidade

    O requerente alicerçao pedido de inconstitucionalidade nos seguintes fundamentos:

    1. Violação do dever desolidariedade do Estado para com as Regiões Autónomas

      Invoca-se, emsíntese, que foi violado o princípio constitucional da solidariedade do Estadopara com as Regiões Autónomas, ancorado nos artigos 225.º, n.º 2, 227.º, n.º 1,alínea j), e 229.º, n.º 1, da CRP, aoser reduzido o montante a transferir de 2006 para 2007 e que essa situação é«tanto mais gritante e escandalosa quanto é certo por ela se acentuarem asdisparidades derivadas do carácter insular do território do arquipélago daMadeira».

    2. Violação do direito de audição dasRegiões Autónomas

      A esterespeito, é alegado um vícioprocedimental pelo facto de «a Região Autónoma da Madeira não ter sidodevidamente auscultada na instrução do procedimento legislativo de elaboraçãoda Lei do Orçamento do Estado para 2007», o que configuraria a violação dodireito de audição consagrado no artigo 229.º, n.º 2, da CRP, e concretizadonos artigos 90.º e seguintes do Estatuto Político-Administrativo da RegiãoAutónoma da Madeira (doravante, EPA-RAM), aprovado pela Lei n.º 130/99, de 21de Agosto, e na Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto.

      Argui-se queum tal direito constitucional e legalmente consagrado não foi respeitado nocaso em apreço, «dado que a Assembleia da República, no decurso do prazoconcedido para a emissão de parecer por parte da Assembleia Legislativa daRegião Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou avotação na generalidade e iniciou a votação na especialidade da futura Lei doOrçamento do Estado para 2007». E acrescenta-?se que o «comportamento daAssembleia da República infringiu por completo o núcleo essencial deste direitode audição, ao não ter esperado pela emissão daquele parecer antes de começar atomar decisões sobre a configuração definitiva da Lei do Orçamento do Estadopara 2007, pondo em questão a utilidade daquele direito de audição».

      2.2. De ilegalidade

      São apontadostrês fundamentos para a ilegalidade da norma em questão:

    3. Violação da norma do nãoretrocesso financeiro consagrada no Estatuto Político-Administrativo da RegiãoAutónoma da Madeira

      Alega-se quefoi desrespeitado o artigo 118.º, n.º 2, do EPA-RAM, o qual estabelece que as verbas a transferir pelo Estado não podemser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anteriormultiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no Orçamentodo ano respectivo, visto que o montante agora transferido para a RegiãoAutónoma da Madeira foi inferior ao montante no ano anterior, tendo passadode € 204 888 536, em 2006, para €170 895 000, em 2007.

      Argumenta-seque aquele preceito estatutário, configurando uma norma legal imperativamínima, de legalidade reforçada, impede que possa ser desvirtuada pela lei queaprova o Orçamento do Estado, que é uma lei comum. E que a obediência da leiorçamental às leis reforçadas decorre, também, da própria força, procedimento,conteúdo e função dos estatutos político-administrativos e, no caso, até estáexpressamente mencionada, dado que qualquer orçamento se deve sujeitar àsvinculações impostas por leis e contratos.

      Prosseguindo,o autor do pedido afasta o argumento de que «o único padrão aferidor das relaçõesfinanceiras entre o Estado e as Regiões Autónomas é o constante da Lei deFinanças das Regiões Autónomas, Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro»,por considerar, em suma, que «é a própria Lei de Finanças das Regiões Autónomasa colocar-se num patamar inferior e complementar àquele que é primariamentedefinido pela Constituição e logo a seguir por cada EstatutoPolítico-Administrativo das Regiões Autónomas», o que resulta, nomeadamente,dos artigos 1.º, 4.º e 59.º, n.º 1, alínea c),desta lei financeira.

      E conclui que«o mesmo raciocínio deve ser feito em relação a uma pretensa justificação paraa diminuição do valor transferido em 2007 por comparação com o valortransferido em 2006 que se fundasse no artigo 88.º, n.º 2, da Lei doenquadramento do Orçamento do Estado», por esta não ser uma lei reforçada emrelação aos Estatutos Político?Administrativos, que sobre ela devemprevalecer pela sua especificidade na regulação dos direitos regionais e, emespecial, da autonomia financeira regional.

    4. Violação da norma da Lei de enquadramento orçamentalque apenas admite o retrocesso nas transferências financeiras para as RegiõesAutónomas em circunstâncias excepcionais

      A norma cuja violação forneceria uma segunda razão deilegalidade do artigo 126.º da Leido Orçamento do Estado seria a contida no n.º 2 do artigo 88.º da Lei deenquadramento orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto,alterada e republicada pela Lei n.º 48/2004, de 24 de Agosto, nos termos daqual, a redução das transferências doOrçamento do Estado, determinadas na lei do Orçamento, dependem da verificaçãode circunstâncias excepcionais imperiosamente exigidas pela rigorosaobservância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade eCrescimento e dos princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedaderecíproca e carece de audição prévia dos órgãos constitucionais legalmentecompetentes dos subsectores envolvidos.

      Noentender do requerente, a quebra do não retrocesso em matéria de transferênciasfinanceiras anuais do Estado para as Regiões Autónomas não obedeceu àscondições fixadas no n.º 2 do preceito.

      O carácterarbitrário da diminuição de verbas transferidas para a Região Autónoma daMadeira seria evidenciado pelo confronto com o tratamento conferido, nestamatéria, à Região Autónoma dos Açores: esta Região beneficiou de um aumento daverba a transferir, que, de € 210 066 000, em 2006, passou para € 223 436 000,em 2007.

      Taldesigualdade de tratamento violaria «uma ideia de solidariedade recíproca,neste caso entre as próprias Regiões Autónomas e o Estado», atentando tambémcontra a identidade de estatuto jurídico-político das duas regiões, do ponto devista constitucional.

      A reduçãoseria ainda desproporcionada «porque se pretende cumprir os objectivos doPrograma de Estabilidade e Convergência à custa das transferências para asRegiões Autónomas, quando é manifesto que o próprio Estado – o primeiríssimodestinatário desses apertados critérios e que deveria dar o exemplo – nãomostra capacidade de os cumprir, bastando dizer, para o justificar, que para2007 e em relação a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentam 9,4%,as despesas correntes do Estado sobem 3,1%, o serviço da dívida aumenta 16% eos encargos financeiros da dívida pública aumentam 8,1%».

    5. Falta de base legal préviana determinação do montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma daMadeira

      No querespeita a este último fundamento do pedido de declaração de ilegalidade, ocerne da questão é o facto de «ter sido erroneamente determinado o montante daverba a transferir para a Região Autónoma da Madeira por aplicação da Lei dasFinanças das Regiões Autónomas então vigente».

      Invoca orequerente que «a Lei das Finanças das Regiões Autónomas na altura em vigor – aLei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro – determinava como método de cálculo da verbaa transferir do estado para as Regiões Autónomas o constante do seu art. 30.º,n.º 2. […] Simplesmente, não foi esse o método seguido, mas um qualquer outrométodo sem qualquer respaldo em lei que no momento se aplicasse».

      Esse métodonão poderia, designadamente, corresponder àquele que veio a ser posteriormenteacolhido pela nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas, entretanto aprovada,uma vez que a norma em apreço, como todo o Orçamento do Estado para 2007,entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, enquanto que a Lei Orgânica n.º1/2007, que aprovou a nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas, apenas foipublicada em 19 de Fevereiro de 2007, pelo que a sua aplicação ao caso constituiriauma retroactividade inadmissível e violaria o princípio da tutela da confiança,«aplicável aos indivíduos como às instituições, constante do artigo 2.º daConstituição Portuguesa».

  4. Respostado autor da norma

    Notificado, nostermos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do TribunalConstitucional, o Presidente da Assembleia da República apresentou uma defesado exercício das suas competências, rejeitando a alegação de ter sido violado odireito constitucional e legal de audição das Regiões Autónomas. No querespeita a todos os outros fundamentos de inconstitucionalidade e ilegalidadeinvocados pelo requerente, deu por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT