Acórdão nº 2992/07.0TAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO JOÃO BORGES
Data da Resolução20 de Setembro de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Portimão (2.º Juízo Criminal) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 2992/07.0TAPTM, no qual foi julgada a arguida (…), melhor identificada na sentença de fol.ªs 609 a 629, datada de 28.02.2011, pela prática dos seguintes crimes: - Um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 218 n.º 2 al.ª a) do CP; - Um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256 n.º 1 al.ª c) do C); - Um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205 n.ºs 1 e 4 al.ª b) do CP.

A final veio a decidir-se: 1) Julgar a acusação improcedente, quanto ao crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217 n.º 1 e 218 n.º 2 al.ª a) do CP, e absolver a arguida da prática desse crime; 2) Julgar a acusação procedente, quanto ao mais, e condenar a arguida: - Pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 al.ª d) e 4 al.ª a) e 30, todos do CP, na pena de três anos de prisão; - Pela prática de um crime de falsificação de documentos, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30, ambos do CP, na pena de dois anos e dois meses de prisão; - E, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova e a condição de, nesse período, entregar à (…) a quantia total de que se apoderou, ou seja, 19.380,60 €; 3) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante/assistente (…), Ld.ª, e condenar a demandada no pagamento àquela da quantia de 19.380,60 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que foi notificada para contestar o pedido até integral pagamento.

  1. Recorreu a arguida desta sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: a) A sentença não podia, com os elementos dados como provados, condenar a arguida pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 e 4 al.ª a) e 30, ambos do CP, e um crime de falsificação de documentos, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30, ambos do CP.

    1. Houve, por parte do tribunal a quo, erro na qualificação jurídica dos factos e, consequentemente, na determinação das normas e das penas aplicáveis.

    2. Face ao que ficou provado, é reduzida a prova efectivamente feita, por modo a condenar a arguida pela prática dos crimes pelos quais foi acusada e é errada a subsunção da conduta da arguida, pois toda a factualidade dada como provada é insuficiente para tal.

    3. Entende a arguida que a sentença recorrida, ao valorar unicamente as declarações das testemunhas de acusação como determinantes para a convicção do tribunal, violou frontalmente os art.ºs 125 e 127 do CPP e, consequentemente, o n.º 5 do art.º 32 da CRP.

    4. O tribunal considerou um meio pouco credível de prova, nunca valorando as declarações da arguida para sustentar uma absolvição, e não considerou o princípio in dubio pro reo, violando um princípio de legalidade, que impõe que o Juiz valore de forma favorável ao arguido a incerteza sobre os factos decisivos da causa, o que foi o caso.

    5. Não existem antecedentes criminais, circunstância com relevo para a causa, atento todo o circunstancialismo da vida da arguida e a sua idade.

    6. A factualidade plasmada nos autos não foi praticada pela arguida, pelo que também ela foi vítima de um estratagema, o qual lhe foi e é completamente alheio, tendo-se limitado a cumprir ordens de um superior hierárquico.

    7. Não devia, pois, a arguida ser punida com pena de prisão e no pagamento da indemnização cível, pena absurdamente excessiva, por atenuada a culpa ou nenhuma culpa, nos termos gerais.

    8. Todos os factos em referência, que aproveitam à arguida, são determinantes para que a medida da pena em concreto não ultrapasse o mínimo legal previsto, sem o que é violado o disposto no art.º 71 do CP.

    9. É desproporcional, por excessiva, qualquer pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, e a condenação no pagamento à sociedade do montante de 19.380,60 €.

    10. Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida ou, caso assim não se entenda, condene a arguida em pena de prisão não superior a dois anos, que deverão ser substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade, por se mostrar uma medida que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que o caso requer.

  2. Responderam o Ministério Público e a assistente ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 3.1. O Ministério Público a) A arguida não cumpriu os ónus especificados no art.º 412 n.ºs 3 e 4 do CPP, pelo que o tribunal ad quem apenas poderia sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art.º 410 n.º 2 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso.

    1. Feita a análise dos elementos essenciais que caracterizam as noções de “insuficiência da matéria de facto”, “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, facilmente se conclui que a sentença sub judice não padece daqueles vícios e, bem assim, que as arguições da recorrente se revelam inconsequentes.

    2. Os vícios do art.º 410 n.º 2 do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art.º 127 do CPP.

    3. Argumenta a arguida que o tribunal a quo violou os princípios da livre apreciação da prova e in dubio por reo, invocando que, por um lado, não foram valoradas as declarações prestadas pela arguida em sede de julgamento, por outro, que as declarações dos legais representantes da assistente e demandante civil não foram isentos e, ainda, que não se teve em conta certas afirmações das testemunhas (…).

    4. No entanto, o alegado pela arguida apenas pode e deve ser visto como dissentimento entre a decisão de facto proferida e aquela que a recorrente entende ser correcta, face à prova produzida, ou seja, a que lhe convém, sendo certo que a douta sentença, na respectiva motivação, explica o motivo pelo qual as declarações prestadas pela arguida não mereceram crédito.

    5. Na verdade, o tribunal a quo foi transparente quando apreciou a prova produzida em julgamento (documental, declarações da arguida, declarações dos representantes legais da assistente e demandante civil e depoimentos das testemunhas) e quando explicou os motivos que o convenceram no sentido dos factos que deu como provados.

    6. Por outro lado, o princípio in dubio pro reo, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2008, p. 338), “… só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos”.

    7. Ora, tendo o tribunal a quo formado o seu convencimento, sem margem para incertezas, da prática, pela arguida, dos factos que foram dados como provados, dúvidas não restam que não estamos perante uma situação de aplicação do aludido princípio, sendo certo também que p tribunal a quo não violou o princípio da livre apreciação da prova nem tão pouco o art.º 32 n.º 5 da CRP e o art.º 125 do CPP (o que facilmente se constata pela leitura do teor dos mesmos).

    8. A Mm.ª Juiz a quo procedeu, sem mácula, na subsunção feita dos factos constantes da acusação e dados como provados à prática dos crimes de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 e 4 al.ª a) e 30 do CP, e ao crime de falsificação de documento, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30 do CP.

    9. Com efeito, da análise dos factos provados verifica-se estarem preenchidos, quer os elementos objectivos, quer subjectivos, dos ilícitos em causa, os quais foram cometidos sob a forma continuada.

    10. O tribunal a quo suspendeu a execução da pena aplicada, porquanto efectuou um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura da arguida, tendo em conta os pressupostos enunciados no art.º 50 do CP.

    11. Ao invés do que considera a arguida, a pena aplicada não deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, pois que, tendo em conta a pena única aplicada, não se mostra possível a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, por um lado, a mesma tem o seu campo de aplicação nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a dois anos, por outro, a sua aplicação implica a aceitação do condenado (art.º 58 n.ºs 1 e 5 do CP), a qual nunca foi manifestada, designadamente em sede de recurso.

    12. Ainda que se entendesse que a pena única a aplicar se deveria situar em dois anos de prisão, estando em causa duas penas de substituição – a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade – e não existindo uma hierarquia legal das penas de substituição, cremos que sempre se deveria optar pela pena de suspensão de execução da prisão, sujeita à condição de entregar à (…) a quantia total de que se apoderou (19.380,60 €), pois só desta forma se leva a cabo de forma eficaz o restabelecimento da confiança na validade das normas violadas (prevenção especial), sendo certo que em...

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