Acórdão nº 1461/10.5TTPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução19 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1461/10.5TTPNF.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 94) Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1.606) Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na freguesia …, concelho de Castelo de Paiva, intentou contra C…, com sede na …, …, Vila Nova de Famalicão, a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento que foi promovido pela sua empregadora, com as legais consequências.

A empregadora apresentou o seu articulado para motivar o despedimento, nos termos do art. 98º J do CPT, alegando em síntese, que em 3 de Maio de 2010 instaurou procedimento disciplinar à trabalhadora, com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, procedimento em cujo termo concluiu pela impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, em virtude dos comportamentos daquela relativos ao desconto indevido de vales …. Concluiu a empregadora pedindo que seja declarada a existência de justa causa para o despedimento da trabalhadora.

A trabalhadora apresentou a sua contestação, invocando a ilicitude do despedimento em causa, nos termos do preceituado no artigo 382º, do Código do Trabalho, atento o decurso do prazo previsto no nº 2, do mesmo diploma, e cumulativamente pelo não cumprimento do prazo para a comunicação da decisão de despedimento.

Por outro lado, alega que os factos constantes da nota de culpa nunca levariam ao despedimento, visto não ter havido comprometimento da “fides” que deve estabelecer-se entre empregado e empregador, sendo a aplicação de uma sanção menos gravosa para a trabalhadora suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que o caso reveste.

Na resposta, a empregadora defendeu que o prazo de caducidade do procedimento disciplinar não se tinha esgotado, nem o prazo de comunicação da decisão disciplinar, mantendo, no mais, a posição já anteriormente assumida no articulado motivador.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal fixado os factos provados e não provados, sendo afinal proferida sentença que decidiu julgar procedente a acção e declarar ilícito despedimento da trabalhadora, condenando consequentemente a empregadora a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzidas das importâncias que entretanto recebeu por força da decisão proferida na providência cautelar apensa.

Inconformada, a empregadora C… interpôs o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: A) A ora Recorrida, era operadora de caixa na C… de Castelo de Paiva, cabendo-lhe proceder ao registo dos produtos pretendidos pelos clientes, e receber deles o respectivo pagamento; B) A trabalhadora conhecia as condições de desconto dos vales … apresentados pelos clientes aquando do pagamento dos produtos na linha de caixa, sabendo que apenas podia aceitar o desconto de um único vale (com o valor de desconto de 1,20€), por cada tranche de 15,00 € do valor a pagar pelo cliente.

  1. A Recorrida executou seis operações de caixa, em três dias, através das quais, com recurso a descontos indevidos sobre o preço final a pagar em cada uma dessas transacções, beneficiou terceiros, os adquirentes dos produtos da ora Recorrente, que assim se viu privada de receber tais valores.

  2. Ao examinar a procedência do despedimento da Recorrida à luz e sob a perspectiva dos princípios próprios do direito penal, a douta sentença fere a própria essência da relação de trabalho, enquanto relação jurídica privada entre sujeitos com interesses próprios e distintos do interesse social, em que se funda e estrutura o edifício jurídico-penal.

  3. Se a conduta de uma operadora de caixa de supermercado que proporciona conscientemente descontos indevidos a terceiros, com prejuízo para a sua entidade empregadora, não pode ser socialmente aceite, muito menos o será de um ponto de vista empresarial.

  4. Quando o trabalhador prejudica financeiramente a sua entidade empregadora – sendo esta uma sociedade comercial, facto aliás totalmente desprezado na douta sentença – para beneficiar terceiros, evidencia desprezo tal pelos interesses e finalidades da actividade da sua entidade empregadora, que deixa de existir o referido suporte psicológico de confiança indispensável à manutenção da relação de trabalho.

  5. A trabalhadora, ora Recorrida, nunca apresentou – como era seu ónus – junto da Recorrente qualquer justificação para os comportamentos assumidos, nem no processo consta qualquer facto a este respeito, pelo que era forçosa a conclusão de que as transacções realizadas pela trabalhadora foram assumidas com o propósito de efectivamente beneficiar terceiros em detrimento dos interesses da sua entidade empregadora – foram realizadas com dolo.

  6. A ora Recorrida exerce funções de caixa, manuseia e guarda avultadas quantias que pertencem à ora Recorrente, e sobretudo é o primeiro e único garante da efectiva cobrança dos produtos vendidos na Loja, desempenhando, assim, funções de confiança acrescida, num campo da maior sensibilidade, como são as funções de caixa e de cobrança.

  7. Não é exigível à ora Recorrente, face aos comportamentos imputados à Recorrida, pela deslealdade que evidenciam, a manutenção de uma relação que pressupõe elevado grau de confiança, confiança esta que, com os comportamentos que assumiu, a Recorrida destruiu por completo.

  8. A conclusão que se impunha ao Tribunal a quo era a de que os comportamentos assumidos pela Recorrida, pela sua gravidade e consequências, tornaram imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral, pelo que a douta sentença, ao impor à ora Recorrente uma relação de trabalho, na qual não existe a menor possibilidade de restaurar a confiança destruída pela Recorrida, constitui violação do nº. 1, do art. 351º do Código do Trabalho, merecendo ser totalmente revogada.

Contra-alegou a trabalhadora recorrida, pugnando pela manutenção do decidido e reiterando que o prazo para proferir o despedimento se mostrou ultrapassado.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

  1. Matéria de facto A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a mesma não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte: 1) Em 3 de Maio de 2010 a empregadora instaurou à trabalhadora procedimento disciplinar, com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com fundamento nos factos que lhe imputou na nota de culpa que lhe entregou em 10 de Junho de 2010, cuja cópia consta de fls. 11 a 17 do processo disciplinar apenso.

    2) No termo do procedimento disciplinar concluiu a empregadora pela impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho que mantinha com a trabalhadora, com fundamento nos factos que lhe comunicou na decisão disciplinar.

    3) A trabalhadora encontrava-se ao serviço da empregadora desde 4 de Agosto de 2005, desempenhando, à data do seu despedimento, as funções de operadora.

    4) Prestava habitualmente a sua actividade profissional na loja de Castelo de Paiva, competindo-lhe, no exercício das suas funções, assegurar as tarefas inerentes ao funcionamento da loja, designadamente o registo de vendas na caixa, a reposição de produtos e limpeza.

    5) No exercício de tais funções, cabia-lhe...

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