Acórdão nº 479/98 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 1998

Data07 Julho 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 479/98

Processo nº 314/97.

  1. Secção.

    Relator: Conselheiro Bravo Serra

    I

    1. Nos autos de acção com processo especial para decretamento da falência que A., S.A., fez instaurar pelo Tribunal de comarca de Braga contra B., Ldª, o Juiz do 2º Juízo daquele Tribunal, por sentença proferida em 21 de Fevereiro de 1995, veio a denegar a falência.

    Apelada tal decisão, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 12 de Fevereiro de 1996, veio a declarar a falência da requerida, o que motivou que a mesma viesse a interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Subidos os autos àquele Alto Tribunal, o Conselheiro Relator exarou, em 26 de Novembro de 1996, despacho propugnando por se não dever tomar conhecimento do recurso, e isso pela circunstância de ser de retirar do disposto nos artigos 129º e 228º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, que a decisão que decrete a falência não é impugnável por intermédio de recurso, antes o sendo por meio de embargos.

    Notificada de tal despacho, pronunciou-se a B., Ldª no sentido de dever o recurso de revista ser admitido, aduzindo, inter alia, que o Decreto-Lei nº 132/93 e, nomeadamente, os seus artigos 129º e 228º, eram organicamente inconstitucionais já que, tendo o processo de falência "características especiais que o colocam na categoria de «questão sobre o estado das pessoas»", a respectiva edição incluir-se-ia na reserva legislativa exclusiva da Assembleia da República, sendo que a Lei nº 16/92, de 6 de Agosto, apenas cobriu "aspectos fiscais, penais e a inibição para o exercício do comércio, não existindo qualquer autorização legislativa conferida pela Assembleia da República para o Governo poder legislar sobre questões relativas ao estado e capacidade das pessoas, quer no que diz respeito às questões substantivas ou materiais, quer ainda relativamente às questões adjectivas ou processuais".

    2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Abril de 1997, não tomou conhecimento do recurso, tendo, na parte que ora releva, discreteado assim:-

    ".....................................................................................................

    Em um primeiro segmento, a requerida, ora recorrente, sustenta que o que não admite impugnação por meio de recurso é a sentença (da primeira instância) que declare a falência. A lei é omissa quanto à hipótese de a sentença denegar a falência e ser a relação que, em apelação, a decrete. Neste caso, não havendo norma privativa para ela, no Dec-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, cabe a aplicação do regime geral dos recursos, nos termos do Cód. de Procº Civil.

    Não é assim.

    O artº 228 º, nº 1, do Código aprovado pelo Dec-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, deve ser interpretado em termos não puramente literais, antes em termos teleológicos: o recurso cabe da decisão, como se refere no artº 676º, nº 1, do Cód. de Procº Civil, independentemente de ter sido proferida por este ou aquele tribunal.

    Assim, na economia do Código em apreço, a impugnação da decisão que decrete a falência faz-se por meio de embargos, independentemente de a falência ter sido decretada por este ou aquele tribunal, da primeira ou de outra instância, só da decisão sobre os embargos cabendo recurso - artºs 129º e 228º do citado Código.

    ................................................... ...................................................

    Dando de barato que a falência possa contender com o estado e capacidade das pessoas, o certo é que, na hipótese de que nos ocupamos, a da não admissibilidade da impugnação por meio de recurso da decisão que decrete a falência sem primeiro se lançar mão de embargos, diz respeito a uma questão puramente processual que não afronta, ela própria, o estado e capacidade das pessoas, que não acarreta qualquer diminuição das garantias de defesa do estado e capacidade das pessoas; isto, repete-se, tendo sempre presente que se não subtraiu a apreciação e decisão das questões substantivas que porventura respeitem ao estado e capacidade das pessoas à jurisdição dos tribunais superiores, por via de recurso, a interpôr da decisão que julgue os embargos.

    ....................................................................................................."

    É deste acórdão que, pela B., Ldª, vem interposto o vertente recurso com vista à apreciação da (in)constitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 129º e 228º do D.L. nº 132/93.

    3. Concluiu a recorrente a sua alegação do seguinte modo:-

    "1ª. Os artigos 129º e 228º do Código aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril padecem de inconstitucionalidade;

  2. O processo de falência tem características especiais, que o colocam na categoria de 'questão sobre o estado das pessoas', uma vez que da declaração de falência resultam para o falido consequências pessoais, denominadas de 'efeitos sobre a pessoa do falido';

  3. Entre os efeitos pessoais da falência, destacam-se os seguintes:

    1. fixação de residência do falido (artigo 128, nº 1);

    2. Dever de apresentação pessoal em juízo artigo 149º); e

    3. Atribuição eventual de alimentos (artigo 150º, nº 1, todos do Código de Falências, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril).

  4. Abrangendo o processo de falência legislação sobre questão relativa ao estado e capacidade de pessoas, questão essa que é da competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea a) da Lei Fundamental, haveria necessidade da existência de uma lei de autorização legislativa que facultasse ao Governo a possibilidade de legislar sobre esta matéria.

  5. Tal autorização legislativa não foi dada. A Lei de autorização nº 16/92, de 6 de Agosto apenas cobre os aspectos fiscais, os penais, e a inibição para o exercício do comércio por parte do falido, não existindo qualquer autorização para o Governo poder legislar sobre questões relativas ao estado e capacidade das pessoas, quer no que diz respeito a questões materiais ou quer no que diz respeito a questões processuais.

  6. O actual Código de Falências veio suprimir o recurso da decisão que decrete a falência de uma empresa, passando a aceitar a sua impugnação apenas através de embargos deduzidos nos termos dos artigos 129º e seguintes daquele diploma legal.

  7. No âmbito da legislação revogada, a sentença que declarasse a falência de uma empresa poderia ser alvo de recurso de apelação (artigo 1182º do Código de Processo Civil) e alvo de oposição através de embargos (artigo 1183 e seguintes do Código de Processo Civil. Tais meios de impugnação poderiam até ser cumulados (artigo 1183º, nº 3, do Código de Processo Civil).

  8. Com o Código aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, a sentença declaratória da falência deixa de estar simultaneamente sujeita à dedução de embargos e à interposição de recurso.

    Por outro lado, pode acontecer que o recurso a interpor da decisão proferida sobre os embargos no Tribunal de 1ª Instância tenha apenas recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ficando limitada tal decisão a um grau de recurso.

  9. Tais alterações legislativas podem afectar significativamente o estado e capacidade das pessoas, pois o falido deixa de poder contar com dois meios de impugnação da decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 1954/06-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2007
    • Portugal
    • 11 de janeiro de 2007
    ...o dever de apresentação à falência, tal como dispunha o artigo1140º do Código de Processo Civil. E como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional 479/98 a propósito do CPEREF estas normas revestem natureza processual, e ainda que se considere que elas regulam, numa determinada perspectiva......
1 sentencias
  • Acórdão nº 1954/06-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2007
    • Portugal
    • 11 de janeiro de 2007
    ...o dever de apresentação à falência, tal como dispunha o artigo1140º do Código de Processo Civil. E como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional 479/98 a propósito do CPEREF estas normas revestem natureza processual, e ainda que se considere que elas regulam, numa determinada perspectiva......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT