Acórdão nº 279/98 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução10 de Março de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 279/98

Processo nº 199/95

  1. Secção

    Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida

    (Cons. Sousa e Brito)

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I - RELATÓRIO

    1 — Publicado no Diário da República, II Série, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1994, o aviso do Conselho Superior da Magistratura (adiante designado CSM) anunciando, para o dia 17 de Fevereiro de 1995, a eleição dos sete vogais daquele órgão «eleitos de entre e por magistrados judiciais», nos termos do disposto no artigo 137.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais, adiante designado EMJ), foi afixada no átrio da sede do mesmo CSM cópia do «caderno provisório de recenseamento» respeitante a magistrados judiciais com capacidade eleitoral activa, de harmonia com o preceituado no artigo 3.º do processo eleitoral do Conselho Superior da Magistratura (publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Agosto de 1985, e alterado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro de 1994, adiante designado por processo eleitoral).

    Foi na sequência daquela afixação que o juiz de direito Dr. A., eleitor inscrito no referido caderno, veio reclamar deste para a comissão de eleições prevista no artigo 143.º do EMJ, baseando tal reclamação na indevida inscrição de 128 magistrados (juízes conselheiros, juízes desembargadores, juízes de direito e juízes de direito em regime de estágio) que indicou como «interessados a quem a procedência da reclamação» era susceptível de prejudicar.

    2 — A comissão de eleições, reunida em 11 de Janeiro de 1995, ponderou que entre as questões suscitadas pelo magistrado reclamante se encontrava, desde logo, invocada a «irregularidade de inscrição de vários magistrados judiciais que, por se encontrarem em comissões de serviço eventuais ou não judiciais, não podem ser eleitores por não se poderem considerar em efectividade de serviço judicial», tendo em conta o disposto no artigo 7.º do processo eleitoral e nos artigos 56.º e 140.º, n.º 3, ambos da Lei n.º 21/85.

    Consignou a este respeito a mesma comissão:

    Conforme dispõe o artigo 137.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 21/85, são eleitores todos os magistrados judiciais, muito embora só sejam elegíveis, nos termos do artigo 141.º, n.º 2, da mesma lei, magistrados judiciais que estejam no Supremo Tribunal de Justiça ou na Relação ou exerçam funções de juiz de direito em cada um dos quatro distritos judiciais.

    Por outro lado, dispõe o artigo 1.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, que o estatuto aplica-se no complexo do seu conjunto de direitos e deveres a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que se encontrem.

    Acresce ainda que, embora os artigos 53.º a 56.º da mesma lei estabeleçam distinções entre comissões de serviço de natureza judicial ou outras, certo é que se estabelece no seu artigo 58.º que o tempo em comissão de serviço, sem qualquer distinção, é considerado para todos os efeitos como efectivo na função.

    […]

    De harmonia com o raciocínio que se vem expondo, entende-se que tem de considerar-se como efectividade de serviço judicial o desempenho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais.

    Dada a distinção entre a capacidade para ser eleitor e elegível, nunca se verificaria a colisão de relações orgânicas que o reclamante refere […] o que afasta qualquer possibilidade de inconstitucionalidade, como foi alegado.

    Assim, considera-se que podem ser eleitores todos os magistrados judiciais no activo, seja qual for a situação e o cargo em que se encontrem.

    Noutro passo da mesma deliberação, equacionou a comissão de eleições outra das questões suscitadas pelo reclamante, relativa à indevida inscrição como eleitores dos juízes de direito em regime de estágio, referindo a tal propósito:

    Não obstante o disposto no artigo 40.º, alínea d), da Lei n.º 21/85 e no artigo 45.º, alínea c), e no artigo 56.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro, donde poderá resultar alguma aparência de razão para a posição defendida pelo reclamante, certo é que neste último diploma legal se faz clara distinção entre os auditores de justiça, que são os candidatos às magistraturas que se encontram em fase anterior ao estágio de pré-afectação, e aqueles que são nomeados para a última fase de formação, designada de estágio de pré-afectação.

    Esta distinção resulta nítida no disposto no artigo 42.º, n.º 1, do referido decreto-lei onde se estabelece que os auditores de justiça estão simplesmente sujeitos quanto a direitos, deveres e incompatibilidades ao regime da função pública, enquanto que no artigo 56.º do decreto-lei se diz que, nesta última fase, os estagiários exercem já, sob responsabilidade própria, embora com assistência de magistrados, funções inerentes à magistratura, tendo direitos, regalias, deveres e incompatibilidades próprias dos magistrados. Mostra-se ainda importante o que se contém no artigo 57.º, n.º 1, do mesmo diploma, onde se afirma que os auditores de justiça, entrando nesta última fase, são já nomeados juízes de direito, ou delegados do procurador da República em regime de estágio, como aliás o próprio reclamante os designa.

    Por outro lado, neste caso, a sua nomeação é feita já pelo CSM — cfr. n.º 1 daquele artigo 54.º

    […] Assim, conclui-se, aliás, de acordo com o procedimento uniforme adoptado em anteriores actos eleitorais, que também os juízes de direito em regime de estágio de pré-afectação têm já capacidade eleitoral.

    Em função deste entendimento foi a reclamação, nestes aspectos, desatendida.

    3 — Inconformado, interpôs o reclamante recurso contencioso para a Secção do Supremo Tribunal de Justiça decorrente da aplicação conjugada dos artigos 145.º e 168.º do EMJ, renovando a alegação de indevida inscrição dos magistrados referidos na reclamação.

    Entre as conclusões com que rematou a sua impugnação, sublinham-se as seguintes:

    II) Nenhum dos eleitores conselheiros, desembargadores nomeados como supra interessados […] se pode considerar em efectividade de serviço judicial, nos termos e para os efeitos do artigo 56.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio, já que nenhum deles exerce qualquer dos cargos referidos nesta disposição legal;

    III) Os cargos exercidos por tais interessados são-no no âmbito da Administração Pública ou de órgãos independentes de carácter administrativo e que por natureza integram o sector da Administração Pública, ou ainda no âmbito de órgãos políticos encarregues de funções da «alta administração», pelo que, por força do princípio da separação de órgãos jurisdicionais e administrativos, da incompatibilidade de magistraturas e de independência recíproca da Administração e da jurisdição, nunca os respectivos titulares, podem ser equiparados a juízes sujeitos de uma relação orgânica com um órgão de soberania tribunal;

    IV) Nos casos indicados é constitucionalmente inadmissível a existência simultânea de duas relações orgânicas, uma com um órgão jurisdicional (um tribunal), outra com um órgão prossecutor da função administrativa ou político-administrativa — artigo 218.º, n.º 3, da Constituição;

    1. A designação «juízes» mencionada no artigo 220.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, é restrita a titular de um tribunal, isto é, o indivíduo que exerce efectivamente as funções definidas no artigo 205.º da Constituição, titular portanto de uma relação orgânica com o órgão de soberania tribunal;

      VI) O artigo 218.º, n.º 3, da Constituição expressamente proíbe aos juízes em exercício de função jurisdicional o desempenho de qualquer outra função pública, o que implica a exclusão dos juízes sem qualquer relação orgânica com um tribunal;

      VII) Um juiz no exercício da função jurisdicional, por força da independência que tal exercício pressupõe (artigo 207.º da Constituição), não pode exercer outra função, nomeadamente, a função político-legislativa e a função administrativa;

      VIII) O sujeito que passa a exercer outra função que não a função jurisdicional, deixa de ser juiz em efectividade de serviço;

      IX) O artigo 140.º, n.º 3, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio, deve ser interpretado no sentido que decorre da Constituição, isto é, que «magistrados judiciais em efectividade de serviço judicial» são os «juízes em exercício de função jurisdicional» mencionados no artigo 218.º, n.º 3;

    2. Daí que «considerar-se como efectividade de serviço judicial» o desempenho de qualquer cargo em qualquer comissão por magistrados judiciais, como o considera a deliberação recorrida, traduz uma interpretação dos artigos 137.º, n.º 1, alínea c), 141.º, n.º 2, 1.º, n.º 2, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º e 58.º, todos da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, em desconformidade com a Constituição, mostrando-se violado o aqui disposto nos artigos 205.º, 207.º e 218.º, n.º 3, pelo que deve ser recusada a sua aplicação ao processo eleitoral em curso, entendendo-se que a capacidade eleitoral activa abrange apenas os juízes em exercício de função jurisdicional;

      XI) O artigo 220.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, faculta o acesso ao cargo electivo de «vogal do Conselho Superior da Magistratura» a «sete juízes eleitos pelos seus pares», fazendo coincidir a medida da capacidade eleitoral activa com a passiva, decorrente do disposto no artigo 50.º, n.º 3, da Constituição, sendo certo que a Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, não estabelece qualquer restrição naquele acesso em relação aos magistrados judiciais em exercício de função que não a jurisdicional;

      XII) A interpretação impugnada do artigo 141.º, n.º 2, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, é violadora do disposto nos artigos 50.º, n.º 3, e 220.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, pelo que deve ser recusada a sua aplicação ao processo eleitoral em curso, considerando-se que a capacidade eleitoral activa abrange apenas os juízes em exercício de função jurisdicional, e que a sua medida coincide com a da capacidade eleitoral passiva;

      XIII) O artigo 7.º do Regulamento do Processo...

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