Acórdão nº 663/99 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução07 de Dezembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 663/99

Processo n.º 598/98

  1. Secção

Relator – Paulo Mota Pinto

Acórdão na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Em de Junho de 1996, M..., intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa, emergente do contrato individual de trabalho, com processo sumário, contra a P..., S.A., para que lhe fosse reconhecido e pago o direito ao subsídio de refeição durante as licenças de maternidade ocorridas entre 25 de Fevereiro e 16 de Junho de 1995 e 15 de Maio e 12 de Agosto de 1997, desde logo invocando a inconstitucionalidade do disposto na parte final do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de Maio.

      Por sentença de 16 de Março de 1998 do 4º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa foi a acção julgada procedente, tendo-se, designadamente, considerado o seguinte a propósito da questão de constitucionalidade suscitada:

      "A Autora alega que com a sua conduta a Ré viola o artigo 13º da C.R.P- que consagra o princípio da igualdade.

      Também entende que o artigo 9º do DL n.º 136/85, de 3 de Maio, é inconstitucional por se encontrar em insanável contradição com o artigo 13º da C.R.P..

      Invoca para tanto o disposto no DL n.º 135/85, de 3 de Maio.

      Este contém o regime aplicável aos trabalhadores da administração pública central, regional e local, dos Institutos Públicos, dos serviços públicos, dos serviços públicos com autonomia administrativa e financeira e demais pessoas colectivas de direito público.

      Este diploma, ao contrário do DL n.º 136/85, de 3 de Maio, determina expressamente que na situação de licença de maternidade as mulheres trabalhadoras mantêm o abono do subsídio de refeição (vide artº 7º).

      Ora o artigo 9º do DL 136/85 estatui que:

      ‘as licenças, dispensas e faltas previstas nos artigos 9º, 10º,11º,13º e 23º da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, não determinam perda de quaisquer direitos, sendo consideradas, para todos os efeitos, como prestação efectiva de trabalho, salvo quanto à remuneração’.

      No caso concreto não vislumbramos por parte da Ré ou dos AE tidos como aplicáveis qualquer discriminação em razão ao sexo. Na realidade, não se provou que a Ré pague subsídio de refeição aos seus trabalhadores do sexo masculino durante o período de licença de paternidade.

      Mas e quanto às trabalhadoras a que se destina o DL n.º 135/85?

      Haverá a supra referida inconstitucionalidade?

      Entendemos afirmativamente.

      É certo que o princípio da igualdade não exige uma parificação absoluta.

      ‘Impõe, sim, que a disciplina jurídica seja igual quando são uniformes as condições objectivas das hipóteses reguladas, e desigual quando falte tal uniformidade.’

      Esta ideia encontra-se expressa pelo recurso a fórmulas diversas, mas próximas e complementares entre si, nomeadamente a de tratamento igual para aquilo que é essencialmente igual, e desigual para aquilo que é essencialmente desigual; regulação igual para o que for substancialmente igual; normas comuns a todas as situações que objectivamente não requeiram ou não consintam regras diferentes, e vice-versa; tratamento semelhante aos que se acham em situações semelhantes...

      Além destas imagens, a jurisprudência recorre também à ideia da analogia (susceptibilidade de aplicação analógica, e analogia relevante) – vide neste sentido Martim de Albuquerque, da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, pág. 333.

      In caso, é manifesto que o regime laboral da Autora – para quem vigora o regime de contrato individual de trabalho – não é igual ao das trabalhadoras às quais se destina o DL n.º 135/85.

      No entanto, salvo o devido respeito por opinião diversa, não vislumbramos qual o motivo pertinente, o fundamento, a justificação racional da diferença de tratamento no tocante ao subsídio de alimentação em face do estatuído na CRP e na Lei n.º 4/94.

      É que a situação de maternidade que a Constituição visou proteger é igual para todas as mulheres qualquer que seja o seu regime laboral.

      Assim, afigura-se-nos que a norma em causa enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade contido no artigo 13º da CRP.

      E em simultâneo também nos parece sustentável que se esteja perante um caso de inconstitucionalidade material (por omissão) em relação ao disposto no artigo 68º, n.º 3 da CRP; embora o facto de o artigo 9º do DL n.º 136/85 não referir expressamente o direito ao recebimento de subsídio de refeição durante a licença de maternidade não signifique a sua exclusão ou que o mesmo não seja devido.

      Tal como refere o Prof. Jorge Miranda ‘algumas omissões parciais implicam, desde logo, inconstitucionalidade por acção, por violação do princípio da igualdade, sempre que acarretam um tratamento mais favorável ou desfavorável prestado a certas pessoas, e não a todas as que, estando em situação idêntica ou semelhante, deveriam também ser contempladas do mesmo modo pela lei.

      É então que, reagindo contra o arbítrio, mais se propicia a intervenção dos Tribunais a declararem inconstitucionais as normas legais que contenham essas omissões ou, eventualmente, a estenderem ou a reduzirem o seu âmbito’ - Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3ª edição, pág. 522.

      Daí que a nosso ver, salvo o devido respeito por opinião diversa, se deva afastar a aplicação ao caso concreto por inconstitucionalidade material do disposto no artigo 9º do DL n.º 136/85, de 3 de Maio, no tocante ‘à remuneração’."

    2. De tal decisão foi interposto, pelo magistrado do Ministério Público em funções no referido Juízo, o recurso obrigatório previsto no n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da mesma lei.

      Nas alegações produzidas neste Tribunal, concluiu assim o Exmº. Procurador-Geral Adjunto aqui em funções:

      "1º

      A norma constante do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de Maio, ao estabelecer – em consonância, aliás, com o preceituado no artigo 18º da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril – que as faltas ao trabalho, decorrentes do exercício da licença de maternidade por trabalhadoras sujeitas ao regime do contrato individual de trabalho não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à remuneração, não implica violação do princípio da igualdade, nem de qualquer outro preceito ou princípio da Lei Fundamental.

      1. Na verdade – e em consequência de, no âmbito do sector...

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