Acórdão nº 655/99 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução07 de Dezembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 655/99

Processo n.º 306/95

  1. Secção

Relator – Paulo Mota Pinto

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. M..., que também usa M..., e outros, devidamente identificados nos autos, instauraram, no Tribunal Judicial da comarca de Peso da Régua, acção declarativa com processo ordinário contra T..., Lda., com sede nessa cidade, pedindo: a) que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio rústico que identificam, do qual, em 1982, venderam à ré uma fracção com a área de 950 metros quadrados; b) que lhes seja reconhecido fazer parte desse prédio uma fracção com a área de 124 metros quadrados que a ré ocupou, malogradas que foram as negociações de venda dessa parcela; c) que a ré seja condenada a demolir o que, nessa segunda área, construiu, restituindo o terreno respectivo aos autores; d) que a ré seja, bem assim, condenada a tapar as janelas que para este terreno deitam directamente e a construir, nas varandas existentes na construção, parapeitos com a altura mínima de 1,5 metros; e, e) que se condene a ré a pagar-lhes a indemnização que se liquidar em execução de sentença.

      Na 1ª instância foi proferida sentença a julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o prédio em causa, e que dele faz parte uma área de 56,04 metros quadrados ocupada pela construção da ré, condenando-se esta a indemnizar os autores pela ocupação dessa área e pelos prejuízos sofridos pela destruição da vinha aí existente, com direito a benefício (Região Demarcada do Douro), tudo a liquidar em execução de sentença.

      O Tribunal da Relação do Porto, para quem os autores apelaram, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença da 1ª instância.

      Recorreram os autores, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, que, no entanto, a negou.

    2. Inconformados, os autores interpuseram, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da interpretação e aplicação feitas pelo acórdão recorrido das normas dos artigos 334º, 566º, n.º 1, e 829º, n.º 2, todos do Código Civil, por alegada ofensa "aos princípios consagrados nos artigos 62º, 17º, 18º, n.º 2, e 13º da Constituição da República Portuguesa".

      Recebido o recurso no tribunal recorrido, veio a ser proferido, já neste Tribunal, o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional a que os recorrentes deram resposta, formulando as seguintes conclusões:

      "1º – O direito de propriedade privada é um direito económico consagrado no art.º 62º da CRP, que, como direito fundamental de natureza análoga, goza do regime dos direitos, liberdades e garantias, por força do preceituado no art.º 17º da CRP.

      1. – O direito de propriedade privada goza das garantias previstas naquele art.º62º, designadamente no seu n.º 1 e no n.º 2 do art.º 18º também da CRP.

      2. – A sua transmissão em vida ou por morte é feita nos termos da Constituição e só pode ser restringido por lei, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

      3. – A recorrida, em Junho de 1985, desobedeceu ao embargo judicial ordenado a uma obra que tinha em construção numa parcela de terreno com a área de 950 m2 que havia comprado aos recorrentes e prolongou essa obra, contra a vontade destes, ocupando-lhes, segundo os tribunais ordinários, 56,04 m2 de terreno, cuja restituição faz parte do pedido da acção do presente recurso.

      4. – Os recorrentes estão desde então arbitrariamente privados da referida parcela, cuja restituição foi recusada pelos ditos tribunais ordinários, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça.

      5. – Este, no acórdão recorrido, interpretou o disposto no artigo 334º do Código Civil no sentido de não violar os princípios expressos nos art.ºs. 13º, 18º e 62º da Constituição da República Portuguesa por entender que o direito de propriedade deve ceder na plenitude das suas características quando tal se justifique e tenha cobertura legal, considerando justificação o facto de a procedência do pedido de restituição daquela parcela implicar um resultado não razoável e como cobertura legal o disposto no art.º 566º, n.º 1 e no art.º 829º, n.º 2, ambos do Código Civil.

      6. – É completamente inaceitável tal interpretação que não estabelece as devidas distinção e hierarquia entre as referidas normas constitucionais que contemplam e garantem o direito de propriedade e quaisquer outras normas legais, como são as citadas do Código Civil, que nem sequer se destinam a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

      7. – Foi a recorrida que, manifestamente, excedeu os limites impostos pela boa fé e pelos "bons costumes" ao apropriar-se criminosamente – a desobediência ao embargo judicial parece que ainda continua a ser crime no nosso ordenamento jurídico, embora até aqui e neste processo se tenha olvidado esse "pormenor" – da propriedade privada dos recorrentes em área que não é tão insignificante que não dê para construir um apartamento de pelo menos, três boas assoalhadas e que para nove pisos, dá nove apartamentos –, e ainda por se socorrer de autorizações verbais – gravemente ilegais – de membros da Câmara Municipal de Peso da Régua para ocupar terreno que as instâncias deram como pertencente àquela autarquia.

      8. – Assim, na parte em que o acórdão recorrido interpretou o art.º 334º do Cód. Civil no sentido de considerar "ilegítimo" o pedido de restituição da dita área por considerar que haveria "excesso dos limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes", tal interpretação viola claramente o disposto nos referidos art.ºs. 62º, n.º 1, 18º, n.º 2 e 17º, todos da CR.

      9. – E o mesmo acontece quanto à interpretação dada às invocadas normas dos art.ºs 566º, n.º 1 e 829º, n.º 2, ambos do Código Civil, dado que, por um lado, a reconstituição natural é possível e a sua onerosidade tinha de ser obrigatoriamente prevista pela ofensora como consequência natural e lógica da sua actuação conscientemente ilícita e, por outro a cessação do direito à demolição representaria uma autêntica expropriação de natureza particular, sem o mínimo fundamental legal e a raiar a verdadeira espoliação.

      10. – Mesmo nos casos em que a nossa Constituição e as normas internacionais admitem a expropriação por utilidade pública está esta condicionada pelo pagamento pronto, efectivo e adequado da justa indemnização, o que jamais poderá verificar-se no caso concreto, dado que já decorreram mais de dez anos sobre a privação arbitrária consumada pela recorrida.

      11. – Por isso, a manter-se o acórdão do S.T.J. estariam os tribunais a transferir para o Estado a responsabilidade da recorrida, pois é manifesto que a violação das normas de direito internacional, permitirá aos alegantes recorrer às competentes instâncias.

      12. – Quando o acórdão recorrido recusa a aplicação da norma especial do artigo 1343ºdo Código Civil que contempla expressamente o prolongamento do edifício por terreno alheio porque, como está demonstrado, a recorrida nunca poderia provar a sua "boa fé" e procura contornar a dificuldade com o recurso à norma genérica do art.º 334º do mesmo Código, quando estão mais próximas as também normas especiais dos art.ºs 1341º e 1340º, n.º 4, do Código Civil, que são inequívocas quanto ao direito de restituição do terreno e de destruição da obra feita, está, objectiva e manifestamente, a cometer uma discriminação beneficiando a infractora e, correspondentemente, prejudicando os aqui alegantes, o que é inadmissível e viola o preceituado no art.º 13º da CRP.

      13. – O mesmo acórdão viola também o preceituado no art.º 2º da CRP ao não ponderar e valorar negativamente, como se impõe, os comportamentos da recorrida no que tange, quer à violação do embargo judicial, quer no que respeita às ilegais e duvidosas relações dela com os membros da autarquia.

      14. –...

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