Acórdão nº 639/99 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Novembro de 1999

Data23 Novembro 1999
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

Proc. nº 134/99 Acórdão nº 639/99

  1. Secção

    Relatora: Maria Helena Brito

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    II

    1. A. interpôs, em 17 de Agosto de 1994, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho conjunto do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, do Ministro da Agricultura e da Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, datado de 3 de Março do mesmo ano, que suspendeu a eficácia do despacho conjunto de 25 de Janeiro anterior, através do qual havia sido levantada a proibição estabelecida no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 327/90, de 22 de Outubro.

      Alegou que:

      – tendo deflagrado, em 15 de Setembro de 1992, um incêndio em terreno de que é proprietária, identificado nos autos, situado no Cabo Raso, em Cascais – o qual afectou cerca de 90% da respectiva cobertura vegetal –, requereu, em Novembro seguinte, nos termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 327/90, de 22 de Outubro, o afastamento da proibição que, por força do nº 1 da mesma disposição legal, incidia sobre o referido prédio, na sequência do dito incêndio, e que abrangia qualquer das acções de transformação do terreno mencionadas em tal diploma;

      – tendo as autoridades competentes proferido despacho em que determinaram o levantamento da referida proibição às acções a empreender no prédio, por considerarem demonstrado que o incêndio ocorrido em 15 de Setembro de 1992 se ficou a dever a causas a que a A., é alheia (despacho conjunto do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, do Ministro da Agricultura e da Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, de 25 de Janeiro de 1994, Diário da República, II Série, nº 33, de 9 de Fevereiro de 1994, p. 1296), a eficácia desse despacho foi suspensa por despacho conjunto de 3 de Março de 1994 (Diário da República, II Série, nº 66, de 19 de Março de 1994, p. 2549), "até à conclusão dos processos pendentes nas autoridades judiciais e à decisão que face às suas conclusões for tomada".

      A recorrente imputou ao acto impugnado os vícios de desvio de poder e de violação de lei, designadamente por se fundar em norma inconstitucional – a norma do artigo 1º do mencionado Decreto-Lei nº 327/90, que contraria o artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como o artigo 168º, nº 1, alíneas b), c) e d), da Constituição.

      Responderam as autoridades recorridas, sustentando a legalidade do despacho impugnado.

      Afirmou, além do mais, a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais:

      "– as entidades ministeriais em causa apenas se preocuparam em respeitar, quer a Constituição, quer a lei ordinária, não orientando a sua actuação para fins privados ou para fins públicos estranhos aos interesses – protecção da floresta, que o Decreto-Lei nº 327/90, visa proteger.

      – o despacho não revogou qualquer acto constitutivo de direitos, antes limitando-se a suspender os efeitos de um anterior despacho;

      não houve assim violação do artigo 18º, nº 2 da «LOSTA»;

      – o Decreto-Lei nº 327/90, de 22 de Outubro, não estabeleceu nenhuma presunção de culpa, pois limitou-se a consagrar uma restrição ao «jus aedificandi» dos proprietários de terrenos percorridos por incêndios;

      – não legislou assim em matéria criminal, pelo que o artigo 32º, nº 2, da C.R.P. não foi violado;

      – também não foram violados os artigos 62º, nº 1, da C.R.P. e 1305º do Código Civil, em virtude de o «jus aedificandi» dos proprietários do solo não estar consagrado na nossa lei fundamental e a própria lei civil admitir restrições ao direito de propriedade;

      – o Decreto-Lei nº 327/90, de 22 de Outubro, por não ter legislado em matéria criminal, disciplinar e contra-ordenacional, não carecia de qualquer autorização da Assembleia da República, pelo que o artigo 168º, nº 1, alíneas b), c) e d) da C.R.P. não foi violado."

      Disse, por sua vez, o Ministro do Planeamento e da Administração do Território:

      "[...]

      21º – Alega a recorrente no art. 46º que a sanção cominada no art. 1º, do Decreto-Lei 327/90 presume a culpa em vez da inocência.

      [...]

      25º – O que esta norma impõe, isso sim, é uma restrição ao direito de propriedade.

      26º – Expressa na proibição do direito à construção, pelo prazo de 10 anos, a contar da data do fogo.

      [...]

      29º – No tocante ao «jus aedificandi» o Tribunal Constitucional vem decidindo que a lei fundamental não o tutela expressamente como um direito que se inclua no direito de propriedade, necessariamente em todos os casos – acórdão 259/94, in DR, II Série, nº 175, de 94/07/30.

      30º - Consequentemente, inexiste violação quer do art. 1305º do Código Civil, quer do art. 62º nº 1, da CRP.

      [...]

      37º – Quanto à alegada inconstitucionalidade do Decreto-Lei 327/90, por violação do art. 168º, nº 1, alínea b) da Constituição, dir-se-á:

      38º – Como já referido, a CRP não tutela expressamente o «jus aedificandi» como um direito que se inclua no direito de propriedade.

      39º – Logo, o Governo não tinha que solicitar autorização para legislar sobre restrições ao direito à construção nos terrenos florestais, percorridos por fogos.

      [...]

      42º – O Decreto-Lei nº 327/90 apenas impõe restrições ao direito à construção, não contendo as suas disposições matéria de natureza criminal.

      [...]

      44º – No que toca à invocada violação da alínea d), a matéria legislada não respeita a infracções disciplinares nem a ilícitos de mera ordenação social.

      45º - Porque não procede nenhuma das alegadas violações, não havia lugar ao pedido de autorização legislativa à Assembleia da República."

      Finalmente, concluiu o Ministro da Agricultura:

      "Não pode, assim, aceitar-se a inconstitucionalidade do artigo 1º do citado Dec-Lei nº 327/90, invocado pela recorrente, sendo certo também que o direito de propriedade não é um direito absoluto, pois o seu exercício tem de se conformar com outros preceitos constitucionais, designadamente com as normas protectoras do ambiente e da qualidade de vida (artigo 66º da Constituição).

      Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acto impugnado."

    2. No acórdão de 13 de Fevereiro de 1996 (fls. 248 e seguintes), o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.

      Pronunciando-se sobre as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo refutou-as, nos seguintes termos:

      "O regime decorrente da norma do nº 1 do DL nº 327/90, com as limitações que impõe aos proprietários dos terrenos com povoamentos florestais percorridos por incêndios, não tem qualquer natureza sancionatória.

      Trata-se antes de uma medida administrativa, de carácter cautelar, de cariz objectivo, ligada à simples ocorrência de um facto – fogo em povoamentos florestais – independentemente da pessoa do respectivo proprietário, qual visa impedir que durante certo prazo quem tenha responsabilidade no desencadear do fogo possa vir a beneficiar em termos urbanísticos ou outros da acção do mesmo.

      Medida cautelar essa que só poderá ser levantada pela Administração, antes de decorrido o prazo previsto em princípio para a sua duração (10 anos), no uso de um poder discricionário, como resulta do nº 2 do mesmo art. 1º e se verá mais adiante.

      Sendo pois o efeito resultante do nº 1 dessa disposição uma medida de cariz administrativo, incidente sobre as coisas a que diz respeito (prédios rústicos com povoamentos florestais percorridos por fogos), encontra-se fora do campo do art. 32º, da CRP, onde se definem os direitos fundamentais dos cidadãos em matéria de processo criminal, como o está também do art. 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de natureza paralela.

      Por outro lado, contrariamente ao que defende a ora recorrente, também o preceito do nº 1 do art. 1º do DL nº 327/90 não viola a norma do art. 62º, da CRP, uma vez que o direito de propriedade daquela não resulta no caso atingido em qualquer das dimensões que o aludido preceito constitucional garante.

      Até porque a limitação imposta por aquele nº 1 do art. 1º pode sempre, a todo o tempo, como se viu, ser levantada pela Administração, podendo o interessado em caso de recusa desta socorrer-se dos tribunais administrativos.

      Como também, e contrariamente à tese da recorrente, o Governo, ao legislar na matéria, não invadiu a esfera de competência da AR – art. 168º, nº 1, als. b), c) e d).

      Não se integra a medida prevista no nº 1 do art. 1º do DL nº 327/90 nesta al. b) porque, como se viu, a mesma assume natureza administrativa e cautelar, de cariz temporário, não dizendo pois respeito, como se exige naquela alínea, à matéria dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

      O chamado jus aedificandi do proprietário do terreno – independentemente do problema de saber se tal direito se integra no núcleo do direito de propriedade garantido constitucionalmente – não resulta pois posto em jogo pela medida resultante do nº 1 do art. 1º do DL nº 327/90.

      Que se não integra também no campo de previsão da al. c) do nº 1 do art. 168º, da CRP, na qual se incluem apenas as matérias relativas à definição de crimes, penas, medidas de segurança a respectivos pressupostos, bem como o processo criminal, isto pelos motivos mais acima expostos aquando da apreciação da invocada violação pelo preceito do nº 1 do art. 1º do DL nº 327/90 da norma do art. 32º da CRP.

      Resta, finalmente, no domínio das inconstitucionalidades alegadas pelo recorrente, a que resultaria, segundo defende, de o despacho proferido pela Administração ao abrigo do nº 2 do art. 1º, do DL nº 327/90, poder assumir feição jurisdicional se representasse a antecipação de uma decisão judicial, como aconteceu no caso, ainda segundo a mesma recorrente, com o despacho contencioso impugnado.

      Mas aqui não se trataria de um problema de inconstitucionalidade, mas antes de usurpação de funções jurisdicionais por acto administrativo (que envolveria nulidade deste), que aliás se não verificou, e isto porque, no caso, a Administração, na sua decisão resultante do acto...

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