Acórdão nº 631/99 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Novembro de 1999
Magistrado Responsável | Cons. Artur Maurício |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 1999 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 631/99
Proc. nº 245/99
TC Plenário
Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores requer, nos termos do artigo 281º nº. 1 alínea e) e 2º alínea g) da Constituição da República Portuguesa (CRP), em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, do nº. 2 do artigo 6º do Decreto Legislativo Regional (DLR) nº. 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, por violação do princípio contido no nº. 1 do artigo 7º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto.
Fundamentou o pedido nos seguintes termos:
"1º - Dispõe o nº. 2 do artigo 6º do Decreto Legislativo Regional nº. 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, que "o Governo Regional fica autorizado, através do Secretário Regional da Presidência para as Finanças e Planeamento, a assumir, nos termos legais e até ao montante de 2,1 milhões de contos, a dívida das autarquias locais".
2º - Por sua vez, o nº. 1 do artigo 7º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, estatui que "não são permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias por parte do Estado, das Regiões Autónomas, dos institutos públicos e dos fundos públicos".
3º - Ora, a competência legislativa regional encontra-se limitada não apenas por parâmetros de constitucionalidade o interesse específico e as matérias reservadas aos órgãos de soberania -, mas também por um parâmetro de legalidade o respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República (artigo 112º, nºs. 4 e 5, e artigo 227º, nº. 1, alínea a)).
4º - A Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, constitui uma lei geral da República, na medida em que preenche os três requisitos constitucionalmente consagrados para o efeito: o âmbito espacial de aplicação; a razão de ser; e a autoqualificação (Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores Anotado, Lisboa, 1997, págs. 107 e segs.).
5º - Em primeiro lugar, a Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, vigora em todo o território nacional, como esclarece o seu artigo 35º ao estabelecer que "a presente lei é directamente aplicável aos municípios e freguesias das Regiões Autónomas".
6º - Em segundo lugar, não obstante as dificuldades inerentes à dilucidação da "razão de ser" de uma lei, afigura-se indiscutível que a Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, versando sobre uma componente basilar do poder local, contém necessariamente princípios fundamentais cuja observância é sinal e garantia do carácter unitário do Estado (Barbosa de Melo, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, Estudo e projecto de revisão constitucional, Coimbra, 1981, págs. 264 e segs.), estabelecendo, em consequência, um regime cujo âmbito nacional é imperativo por natureza (Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Coimbra, 1984, págs. 203 e 204).
7º - Em terceiro lugar, a Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, foi decretada pelo legislador parlamentar, nos termos do nº. 5 do artigo 112º, "para valer como lei geral da República", como se comprova pela simples leitura do proémio do diploma (artigo 9, nº. 5, e 11º, nº. 1, da Lei nº. 74/98, de 11 de Novembro).
8º - Por outro lado, não há dúvida de que o nº. 1 do artigo 7º da Lei 42/98, de 6 de Agosto, proibindo quaisquer formas de subsídios ou comparticipações, estabelece um princípio fundamental em matéria de relacionamento financeiro entre as autarquias locais e o Estado e entre as autarquias e as Regiões Autónomas, o qual constitui não só um corolário da autonomia financeira daquelas, mas também uma regra essencial à transparência das relações financeiras em questão e uma garantia da igualdade de tratamento das autarquias por parte do Estado e das Regiões Autónomas.
9º - O nº. 2 do artigo 6º do Decreto Legislativo Regional nº. 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, ao autorizar o Governo Regional a assumir uma parte substancial das dívidas das autarquias, permite a atribuição aos municípios e freguesias sediadas na Região de uma determinada modalidade de comparticipação financeira, colocando em risco os valores ínsitos no nº. 1 do artigo 7º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, e, muito em especial, a igualdade de tratamento entre as autarquias locais dos Açores e as demais autarquias do Continente e da Madeira.
10º - É certo que o princípio contido no nº. 1 do artigo 7º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, comporta excepções, algumas delas previstas nos restantes números do mesmo preceito, mas é igualmente verdade que nenhuma dessas excepções permite enquadrar a simples assunção de dívidas das autarquias locais.
11º - Aliás, a única referência da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, a dívidas das autarquias locais, constante do artigo 8º, apenas se refere às dívidas "definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas" e destina-se, numa lógica de autonomia e responsabilidade financeira, a estabelecer um regime em que o pagamento dessas mesmas dívidas se faz por conta das verbas a transferir, segundo as regras gerais do diploma, para as autarquias respectivas.
12º - Nem se invoque o poder normativo atribuído às assembleias legislativas regionais pelo nº. 7 do artigo 7º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, onde se estatui que "tendo em conta a especificidade das Regiões Autónomas, as assembleias legislativas regionais poderão definir outras formas de cooperação técnica e financeira", porque não apenas a situação de endividamento de algumas das autarquias açorianas não apresenta quaisquer especificidades face às demais autarquias, como também a assunção de dívidas não se enquadra no conceito de cooperação técnica e financeira, que abrange somente as situações que transcendam "a capacidade ou responsabilidade autárquica" (artigo 1º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 363/88, de 14 de Outubro) ou "projectos de investimento", envolvendo um ou mais municípios e departamentos da administração central ou regional (artigo 1º do Decreto-Lei nº. 384/87, de 24 de Dezembro; Decreto Legislativo Regional nº. 6/95/A, de 28 de Abril).
13º - Da mesma forma, o artigo 35º da Lei nº. 42/98, de 6 de Agosto, ao estatuir que a sua aplicação às Regiões Autónomas se faz "sem prejuízo da sua regulamentação pelas assembleias regionais, na medida e que tal se torne necessário" não constitui norma habilitante suficiente para o nº. 2do artigo 6º do Decreto Legislativo Regional nº. 19-A/98/A, de 31 de Dezembro, porquanto, como frisou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº. 82/86 (DR, I, de 2 de Abril de 1986), o sentido de tais disposições não pode ser outro senão o de reconhecer aos referidos órgãos a competência para a emanação de meros regulamentos de execução, com o objectivo de "enunciar os pormenores ou minúcias que o...
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