Acórdão nº 597/99 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 1999

Data02 Novembro 1999
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 597/99

Processo n.º 369/99

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M... e sua mulher, MR..., interpõem o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 1999, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 47º da Lei n.º 68/78, de 16 de Outubro.

      O acórdão recorrido (do Supremo Tribunal de Justiça) negou a revista do acórdão da Relação, que confirmou a sentença da 1ª instância, que, por sua vez, julgou improcedente a acção proposta pelos aqui recorrentes contra as seguradoras A..., SA, COMPANHIA DE SEGUROS B...,SA, T..., SA, COMPANHIA DE SEGUROS I..., SA, COMPANHIA DE SEGUROS P...., SA, F..., SA, e MC..., SA.

      Nessa acção, os ora recorrentes pediram a condenação daquelas seguradoras no pagamento das seguintes quantias: 4.243.000$00, 2.000.000$00, 4.000.000$00, 1.000.000$00, 35.000$00, 600.000$00 e 832.200$00, respectivamente, acrescidas de juros legais desde a citação, tendo fundado o pedido no facto de terem sido donos de uma unidade fabril (sita no Largo do Mosteiro, Leça do Balio), que, em 1979, fora destruída por um incêndio, ascendendo os prejuízos a 25.000.000$00, cobertos até ao valor de 13.026.000$00 pelos contratos de seguro que tinham celebrado com as rés.

      Na mesma acção, o ESTADO aceitou o chamamento à autoria.

      A improcedência da acção ficou a dever-se ao facto de se ter entendido que, não obstante os contratos de seguro invocados, os aqui recorrentes não tinham direito a receber qualquer indemnização pelos danos provocados pelo incêndio da unidade fabril, em virtude de, na data em que ocorreu o incêndio, o estabelecimento se encontrar em autogestão, pois que o não reivindicaram no prazo de 120 dias a contar da data da entrada em vigor da Lei n.º 68/78, de 16 de Outubro.

      Neste Tribunal, alegaram os recorrentes que concluíram como segue a sua alegação:

      (a). O artigo 47º da Lei n.º 68/78 é inconstitucional, desde logo por violação do artigo 62º da Constituição.

      (b). Nenhuma das disposições invocadas no acórdão do Tribunal Constitucional de 11 de Julho de 1984, perfilhado sem reservas pelo acórdão sob recurso, pode ser tomada como restritiva do direito reconhecido nesse preceito constitucional.

      (c). Trata-se, como é fácil de ver, de simples preceitos reguladores de situações previsivelmente verificadas e que, pressupondo o desapossamento regular e legítimo dos seus antigos donos, os classificam nas várias categorias indicadas e determinam o respectivo regime.

      (d). E se tais preceitos, em grande parte desaparecidos ou modificados, alguma coisa significassem em abono da tese do acórdão, já hoje não podiam ser invocados na forma que ostentavam na altura, por força do disposto no artigo 290º da Constituição, necessariamente aplicável a todas as situações passadas, presentes e futuras, já que não é admissível em qualquer caso que haja leis vinculativas contrárias à Constituição em vigor.

      (e). E a todos os argumentos extraídos no direito interno, pode e deve acrescentar-se o que dimana do Protocolo n.º 1 anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que impõe o respeito pelos bens das pessoas, singulares ou colectivas, ressalvando apenas, quando os estados façam a respectiva reserva, a regulamentação do uso desses bens, o que não significa a perda do direito de quem os possua, ou carta branca para dispor deles, negando a sua titularidade a quem realmente for dono deles.

      (f). Julgando como julgou, o acórdão violou os artigos 8º, 62º, 82º, 88º e 290º da Constituição, o primeiro deles em conjugação com o Protocolo n.º 1 anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

      As seguradoras alegaram, dizendo que "as conclusões das alegações dos recorrentes devem improceder e o douto acórdão recorrido ser integralmente confirmado".

      O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado, apresentou alegações que concluiu como segue:

      1. - Face ao circunstancialismo político-económico e social vigente em 1978 e perante o quadro constitucional – emergente da versão originária da Constituição – então existente, não representa solução violadora de qualquer preceito ou princípio constitucional a que se traduz em condicionar o direito à reivindicação das empresas autogeridas por parte dos respectivos proprietários a um prazo de caducidade de 120 dias, contados da entrada em vigor do diploma legal que – pela primeira vez – veio regular as numerosas situações de autogestão pelos trabalhadores, até então criadas no plano fáctico.

      2. - Na verdade, tal prazo visava dar resposta à complexa situação então verificada procurando obstar, de acordo com valores constitucionalmente relevantes, a que se protelasse indefinidamente a definição da situação jurídica das empresas em autogestão pelos trabalhadores, com naturais efeitos nocivos no tecido económico e no emprego.

      3. - Termos em que deverá confirmar-se inteiramente o juízo de não inconstitucionalidade, pelos fundamentos que constam do Acórdão nº 76/84.

    2. Cumpre decidir.

  2. Fundamentos:

    1. A norma sub iudicio.

      A Lei n.º 68/78, de 16 de Outubro, a que pertence o artigo 47º, questionado sub specie constitutionis neste recurso, foi editada para regular juridicamente a situação de um numeroso grupo de empresas e estabelecimentos, cuja gestão, depois de 25 de Abril de 1974, tinha sido assumida de facto pelos respectivos trabalhadores. Dispõe-se, com efeito, no n.º 1 do artigo 1º de tal lei que ela se aplica "às empresas e estabelecimentos comerciais, industriais, agrícolas ou pecuárias em que, por uma evolução de facto não regularizada ainda nos termos gerais de direito, os trabalhadores assumiram a gestão entre 25 de Abril de 1974 e a data da entrada em vigor da presente lei, sob forma cooperativa, autogestionária ou qualquer outra, tenham ou não sido credenciados por qualquer Ministério". E acrescenta-se no n.º 2 do mesmo artigo que ela se não aplica às empresas e estabelecimentos referidos no n.º 1, em relação aos quais "a situação sempre haja sido juridicamente regular ou se encontre actualmente regularizada, nos termos gerais de direito" [ alínea a)] ou em que essa "situação jurídica tenha sido definida por decisão judicial com trânsito em julgado, não meramente cautelar, à data da entrada em vigor do presente diploma" [ alínea b)] .

      As empresas a que a lei se aplica são, todas elas, consideradas empresas em autogestão (cf. o n.º 3 do artigo 1º). E, de acordo com o que preceitua o artigo 2º, a autogestão é: (a). litigiosa, quando há oposição do proprietário, singular ou colectivo, da empresa ou do estabelecimento (n.º 1); (b). viciada, quando se constituiu ou manteve por actos graves ou censuráveis, designadamente de violência ou fraude (n.º 2); (c). justificada, nomeadamente: (c1). quando, no momento da sua constituição, se verificavam os pressupostos da falência fraudulenta; (c2). quando, por culpa do proprietário, ficou comprometida gravemente a viabilidade económica da empresa ou do estabelecimento; (c3). quando o proprietário revelou manifesto desinteresse equivalente ao abandono [ n.º 3, alíneas a), b) e c)] .

      A autogestão será, no entanto, considerada injustificada - prescreve o n.º 4 do artigo 2º -, quando, "ponderadas as circunstâncias de cada caso, não se poderia razoavelmente exigir do empresário normal que se mantivesse à frente da sua empresa ou estabelecimento na altura em que se iniciou a autogestão".

      Enquanto a autogestão não foi regularizada definitivamente - e, para essa regularização, os proprietários dispuseram de um prazo de 120 dias a contar da data da entrada em vigor do diploma aqui em causa [ cf. artigos 39º, n.º 1, alínea b), 40º, n.º 1, e 47º] -, a lei manteve as situações de facto existentes, ficando as empresas ou estabelecimentos na situação de autogestão provisória. Nessa situação - preceituam os artigos 3º e 30º -, os proprietários das empresas ou estabelecimentos mantiveram a nua titularidade do seu direito, dela podendo dispor entre vivos ou por morte, do mesmo modo que podiam dispor das partes sociais de pessoas colectivas (artigo 33º). Decorrido aquele prazo de 120 dias, se os proprietários não reivindicaram as empresas ou estabelecimentos, nem pediram judicialmente a restituição da respectiva posse, ou, tendo-o feito, se não tiveram êxito nas respectivas acções - e a improcedência das acções era inevitável (diz o artigo 40º, n.º 2), sempre que se provasse que a autogestão fora justificada, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 2º -, a dita nua titularidade transferiu-se para o Estado (artigo 47º, nºs 1 e 2).

      A referida nua titularidade - dispõe o artigo 31º - confere ao proprietário da empresa...

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