Acórdão nº 330/99 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Junho de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Guilherme da Fonseca
Data da Resolução02 de Junho de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 330/99

Processo Nº 352/99

Plenário

Relator: Cons. Guilherme da Fonseca

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:

  1. O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, nos termos do nº 2 do artigo 278º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 57º e seguintes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio requerer, em processo de fiscalização preventiva, a apreciação da constitucionalidade de todas as normas do decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 15/99, sobre "Extracção de Areia no Mar dos Açores", decreto recebido no respectivo Gabinete, no dia 5 de Maio de 1999, "para efeitos de assinatura como decreto legislativo regional, nos termos do artigo 233º, nº 2, da Constituição" (requerimento entrado neste Tribunal Constitucional na data de 13 de Maio de 1999).

    Fundamenta o pedido nas seguintes razões, assim sintetizadas:

    a. em primeiro lugar, sucede que "o decreto em questão invade a competência legislativa reservada da Assembleia da República, em particular a alínea v) do nº 1 do artigo 165º da Constituição, desrespeitando, por consequência, um dos limites negativos do poder legislativo regional, consagrado no nº 4 do artigo 112º e na alínea a) do nº 1 do artigo 227º, isto é, o limite das matérias reservadas aos órgãos de soberania", porquanto, "a Assembleia Legislativa Regional dos Açores regulou matéria referente ao "regime dos bens do domínio público", a qual, pertencendo à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, somente pode ser disciplinada por lei desta ou por decreto-lei autorizado" (segue-se a referência à jurisprudência do Tribunal Constitucional, quanto ao entendimento de que "se encontram reservadas aos órgãos de soberania, ‘todas as matérias que reclamem a intervenção do legislador nacional’").

    b. "No caso, porém, não é sequer necessário recorrer à referida ‘noção extensiva de matérias reservadas aos órgãos de soberania’. Na verdade, afigura-se evidente que a normação contida no projecto de Decreto Legislativo Regional nº 15/99 consubstancia ‘regime dos bens do domínio público’, tendo a Assembleia Legislativa Regional actuado numa matéria em que o alcance da reserva de competência da Assembleia da República se situa no ‘nível mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada’. Por outras palavras, a reserva vale para toda a intervenção legislativa no âmbito da definição e do regime dos bens do domínio público. A interpretação conjugada da alínea v) do nº l do artigo 165º e da parte final do no 2 do artigo 84º revela mesmo que a lei definidora dos bens do domínio público deve, conjuntamente com o regime daquele, estabelecer as respectivas ‘condições de utilização’. Além disso, está ainda compreendido na reserva não apenas o domínio público do Estado, mas também o de outras entidades públicas susceptíveis de serem titulares de bens dominiais públicos, como as regiões autónomas e as autarquias locais (v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º edição, Coimbra, 1993, págs. 670 e 677)" (cita-se a seguir, e "a propósito de um problema semelhante ao aqui versado", o acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/90, in Acórdãos, vol. 17º, 1990, págs. 29 e seguintes).

    c. Por outro lado, e à luz do artigo 84º da Constituição, "não há lugar a dúvidas sobre a natureza dominial do mar territorial, bem como do respectivo leito, onde, naturalmente, se depositam as areias que se pretendem extrair ao abrigo do decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 15/99", não se tratando "sequer de domínio público da Região Autónoma dos Açores, mas antes de domínio público do Estado".

    d. "É certo que, nos termos do nº 2 do artigo 84º se prescreve que a lei deve delimitar o domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, e que o nº 2 do artigo 1º e o nº 1 do artigo 112º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores estatuem, respectivamente, que a Região abrange ‘o mar circundante e seus fundos, definidos como águas territoriais e zona económica exclusiva’ e que o domínio público da Região compreende ‘os bens do domínio público situados no arquipélago pertencentes ao Estado’. Todavia, bem cedo se sentiu a necessidade de interpretar restritivamente as disposições de idêntico conteúdo que precederam, sobretudo a segunda, das disposições estatutárias citadas. É que, embora a Constituição consagre uma concepção descentralizada do domínio público, há certos limites que é fundamental respeitar"(segue-se referência ao Parecer da Comissão Constitucional nº 26/80, in Pareceres, 13º volume, pág. 185, ao ensinamento da doutrina e ao Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 10/82, in Pareceres, vol. III, 1997, pág. 576).

    e. "Saliente-se, por fim, que o reconhecimento à Região, nos termos da alínea s) do nº 1 do artigo 227º, de poderes de participação na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos, bem como, nos termos do artigo 83º do Estatuto, no que respeita à lei do mar, à utilização da zona económica exclusiva, à plataforma continental e à poluição do mar, reflecte bem a natureza eminentemente estadual ou nacional das matérias em questão".

    f. "Em suma, o mar territorial, com o seu leito e subsolo correspondente, constitui, sem sombra de dúvida, domínio público necessário do Estado, sobre o qual este exerce poderes soberanos, pelo que o decreto nº 15/99 da Assembleia Legislativa Regional fere o princípio da unidade do Estado, consagrado no artigo 6º, nº 1, bem como o princípio consagrado no artigo 225º, nº 3, segundo o qual a autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado"

    g. "Pode, apesar de tudo, argumentar-se que, apesar das expressões ‘mar dos Açores’ e ‘mar territorial da Região Autónoma dos Açores’, o projecto de Decreto Legislativo Regional nº 15/99 não pretende pôr em causa a titularidade estadual do domínio público marítimo, mas apenas regular o seu aproveitamento económico. Mas, ainda que se aceite tal ideia, é bem verdade que não poderá ser a Região Autónoma a arrogar-se o direito de dispor sobre os recursos existentes no domínio público do Estado, independentemente do seu valor económico, devendo ser os órgãos de soberania a estabelecer quais os poderes que as autoridades regionais podem exercer sobre esse mesmo domínio público. É que, como se refere no citado Parecer da Procuradoria tirado no Processo nº 10/82, ‘os direitos de fruição, administração ou polícia daquele domínio marítimo pertencem ao Estado soberano que os deve exercer no interesse nacional’. Cabe, portanto, ao Estado definir quais as competências que as regiões autónomas podem exercer sobre esse domínio público, como sucede, aliás, relativamente ao sector das pescas (Decreto-Lei nº 52/85, de 1 de Março)".

    h. "Por último, a matéria da exploração dos recursos do mar territorial sobre que versa o decreto da Assembleia Legislativa Regional não é reveladora de interesse específico, pelo que não se encontra preenchido o parâmetro positivo da competência legislativa regional previsto no nº 4 do artigo 112º e na alínea a) do nº 1 do artigo 227º, ambos da Constituição.

    Com efeito, é significativo que a matéria em causa não conste da nova enumeração constitucional das matérias de interesse específico contida no artigo 228º, nem tão-pouco do extenso elenco constante do artigo 33º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Nem se invoque a referência que a alínea f) do artigo 228º faz aos recursos minerais, pois seguramente que o legislador de revisão constitucional não teve a intenção de aí incluir os recursos minerais existentes no domínio público do Estado. É certo que as enumerações mencionadas têm carácter meramente exemplificativo, mas idêntica conclusão se retira também do confronto entre a matéria relativa à exploração dos recursos do domínio público marítimo e os critérios jurisprudenciais e doutrinais de densificação do conceito de interesse específico regional" (segue-se a referência ao "já vasto conjunto de decisões proferidas pela Comissão Constitucional e pelo Tribunal Constitucional em matéria de poderes legislativos regionais" e ao ensinamento da doutrina, assumindo "particular relevância a posição defendida por Jorge Miranda").

    i. "É verdade que, tal como menciona o preâmbulo do decreto nº 15/99, não custaria reconhecer a existência de especificidades regionais devido à escassez ou à dificuldade de obtenção de areias em quantidade e qualidade suficientes para satisfazer as necessidades da economia regional. Mas o interesse específico não pode ser investigado em abstracto, mas antes em concreto, caso...

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