Acórdão nº 177/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Guilherme da Fonseca
Data da Resolução10 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 177/99

Processo nº 772/97

  1. Secção

Relator: Cons. Guilherme da Fonseca

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. R..., Ldª, sociedade comercial com sede no Porto, interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, "ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção resultante da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro", pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 5º, nº 2, do Diploma Preambular que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano, doravante RAU (o Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro), que expressamente revogou o nº 2 do artigo 1051º, do Código Civil, com a interpretação que lhe foi dada no acórdão ora recorrido do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/11/97, e que confirmou, nessa parte, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15/4/97, negando, por consequência, provimento ao recurso de revista por ela interposto.

    Subjacente à decisão daquele Supremo Tribunal, estão, em síntese, os seguintes factos e considerações:

    Por escritura de 28/9/78, E..., na qualidade de representante legal da sua filha, menor de 2 anos de idade, C..., deu de arrendamento, à agora recorrente, um prédio urbano, identificado nos autos, destinado à exploração de espectáculos cinematográficos e teatrais, conhecido por "Cinema J..."

    Tendo, entretanto, a C... atingido a maioridade (em 12/12/93) e, consequentemente, ficado habilitada a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens, entendeu terem findado os poderes legais de administração com base nos quais a sua mãe celebrou o contrato de locação e, decorrente de tal facto, ter o mesmo caducado.

    Desse facto informou a sociedade R..., que não aceitou a caducidade do contrato, razão pela qual a C... intentou acção de despejo, na forma sumária, contra a sociedade, pedindo a "declaração" de caducidade e a condenação da Ré "a ver julgada válida e eficaz essa caducidade e a despejar e a entregar à Autora até 30 de Setembro de 1996 o arrendado, inteiramente livre de pessoas e de coisas".

    A referida sociedade sustentou, porém, a não caducidade, uma vez que deu conhecimento à locadora, através de notificação judicial avulsa, efectuada em tempo, de que pretendia manter a sua posição de locatária.

    E acrescentou que o exercício de tal direito era-lhe permitido face ao regime legal em vigor à data da celebração do contrato (artigo 1051º nº 1, alínea c) e nº 2 do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro), pelo que, na sua tese, não tem razão a Autora ao apoiar a denúncia com base num preceito que foi alterado após a data da celebração do contrato e que já não permite ao locatário exercer tal direito (o artigo 5º, nº 2, do Diploma Preambular que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano – Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro – e que revogou expressamente o nº 2 do artigo 1051º do Código Civil, sendo certo que, por força daquele diploma, o contrato caduca quando findam os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado – artigo 66º, nº 1 do RAU e artigo 1051º, nº 1, c) do Código Civil).

    Não tendo logrado êxito na 1ª e 2ª instâncias, da decisão do Tribunal da Relação do Porto veio interpor a Sociedade R..., Ldª, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos seguintes termos as suas alegações perante o Supremo:

    "

    1. Não deve ser declarada a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados entre Recorrente e a mãe da Recorrida, enquanto sua representante legal, dado que se aplica o regime legal em vigor à data da celebração do contrato, que permitia à inquilina declarar que pretendia manter a relação locatícia - art. 1051º nº 1 alínea c) e nº 2.

    B) Uma vez feita por notificação judicial avulsa a declaração de que a Recorrida pretende continuar a manter a sua posição de inquilina, nos termos do nº 2 do art. 1051º do C. Civil, não podia o Mmo Juiz "a quo" declarar a caducidade dos contratos e decretar o despejo e entrega dos móveis à Recorrente.

    C) Se os contratos de arrendamento foram celebrados na melhor Boa Fé, como um regular acto de administração, não há razão para que os proprietários possam requerer os despejos em termos que superem os prejuízos daí derivados para os inquilinos.

    D) A Recorrente ao contratar, teve por certa a doutrina de Ordem Pública subjacente ao artigo 1051º nº 2 e 3 do C. Civil, não vislumbrando sequer a possibilidade de puder ver mais tarde a Recorrida vir declarar a caducidade do contrato de arrendamento, razão pela qual aceitou tomar os contratos de trabalho do pessoal do estabelecimento e levar a cabo inúmeras benfeitorias, necessárias, úteis e mesmo voluptárias.

    E) A interpretação da norma revogadora do preceito contida no decreto preambular do RAU, tem de ter em conta a unidade do sistema jurídico e as condições específicas de tempo em que é aplicada

    F) Uma vez que as partes contrataram na suposição de que a Recorrida não podia declarar a caducidade do contrato sem que a Recorrente se pudesse manifestar no sentido da continuação, estamos em face de um direito adquirido que deve ser considerado incorporado no contrato em apreço.

    G)A aplicação da Lei Nova ao caso, feriria o equilíbrio contratual existente à data da celebração do contrato e da respectiva formação das vontades, em consonância com o espírito proteccionista do locatário subjacente à legislação de arrendamento: "O contrato aparece como um acto de previsão em que as partes estabelecem, tendo em conta a lei então vigente, um certo equilíbrio de interesses que será como que a matriz do regime da vida e da economia da relação contratual.. A intervenção do legislador que venha modificar este regime querido pelas partes, afecta as previsões destas, transtorna o equilíbrio por elas arquitectado e afecta, portanto a segurança jurídica." Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador pag. 238.

    H) Estando em causa como no caso interesses de Ordem Pública e princípios Constitucionais que pesaram na determinação do equilíbrio estabelecido pelas partes ao contratar, temos de concluir que o regime em vigor à data da celebração do contrato terá de se aplicar. - Antes defendia-se a estabilidade da relação locatícia e a partir de hoje a sua crescente mobilidade.

    I) A entender-se ser de aplicar a Lei Nova, o que não se concede, então estamos em presença de uma norma ferida de inconstitucionalidade pela violação frontal dos princípios constitucionais subjacentes, nomeadamente o da estabilidade e da justiça, da igualdade, do direito ao trabalho e à cultura, pelo que está o Tribunal impedido de a aplicar - art. 207º da Const. da República devendo declarar essa inconstltucionalidade.

    J) É manifesto que a Recorrida ultrapassa claramente os limites impostos pela Boa Fé, pelos bons costumes e especialmente pelo fim económico e social do Direito que se arroga, o que torna o seu exercício ilegítimo por Abuso de Direito - art. 334º do C. Civil.

    O douto Acórdão recorrido, na linha da douta sentença recorrida, fez errada aplicação da Lei violando as normas acima referidas ao julgar nesta parte procedente a acção, pelo que substituindo por outra que julgue a acção inteiramente improcedente, ou quando menos se ordene o prosseguimento dos autos com a elaboração de quesitos para apuramento das circunstâncias que presidiram à celebração dos contratos, ou, a não se entender assim, declare inconstitucional o art. 5º nº 2 do Decreto Preambular do RAU - Dec-Lei nº 321 -B/90 de 15 de Outubro."

    Naturalmente que a Autora e recorrida entendeu ser de aplicar o regime novo, sem ver que daí se violasse algum princípio ou preceito constitucional.

    O acórdão recorrido negou a revista, com os seguintes fundamentos e no que aqui importa:

    "O princípio da igualdade inculca que seja arguido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais.

    Os interesses subjacentes ao arrendatário habitacional e ao arrendatário comercial nem sempre são iguais.

    Dessa diversidade resulta uma diversa forma de tratamento pelo legislador: foi o que aconteceu.

    O artº 1051 nº 1 c) CC - que regula a hipótese em apreço - não foi aplicado relativamente a situação ou facto passado.

    A sua...

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