Acórdão nº 105/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução10 de Fevereiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

Processo n.º 882/98 ACÓRDÃO Nº 105/99

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M.. e I. interpõem o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Maio de 1998.

      Pretendem as recorrentes se aprecie a constitucionalidade da norma constante do artigo 69º, n.º 2, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, na interpretação feita por aquele aresto, que, ?com fundamento na natureza subsidiária ou complementar da acção para o reconhecimento de direitos?, negou provimento ao recurso por elas interposto da decisão do Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que rejeitara, liminarmente, a acção por elas proposta para o reconhecimento de um direito.

      Para o que aqui importa, o caso dos autos, tendo em conta o que as recorrentes neles têm alegado, pode resumir-se assim:

      (a). As recorrentes são proprietárias de uma fracção autónoma, designada pela letra A, no prédio de três andares, sito no n.º 30 da Rua ..., da cidade de Viseu;

      (b). Essa fracção autónoma, correspondente ao 1º andar do imóvel, é destinada a habitação;

      (c). No entanto, durante mais de uma década, estiveram nela instalados os serviços das Comissões de Conciliação e Julgamento do então Ministério do Trabalho;

      (d). A Câmara Municipal de Viseu, a quem, por diversas vezes, se requereu a alteração do uso da dita fracção autónoma, sempre indeferiu tal pretensão, até que, por despacho de 17 de Abril de 1991, a deferiu, desde que fossem feitas obras de adaptação;

      (e). Mas, feitas as obras e requerida, novamente, a alteração do uso (as recorrentes pretendem destinar a dita fracção autónoma a escritórios), foi a sua pretensão indeferida, uma vez mais, por despacho de 1 de Agosto de 1997, com fundamento em que a mesma contraria o plano de pormenor daquela zona;

      (f). As recorrentes intentaram, então, ?acção de reconhecimento do direito ao alvará de licença de utilização para escritórios do 1º andar do prédio com o número de polícia 30 da RUA ..., sito na cidade de Viseu?, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra;

      (g). Essa acção foi rejeitada liminarmente, com fundamento em que ?o uso da acção de reconhecimento de direito foi feito de forma ilegal, em violação do n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos?;

      (h). As recorrentes impugnaram essa decisão de rejeição liminar perante o Supremo Tribunal Administrativo, mas este negou provimento ao recurso, justamente pelo acórdão de 28 de Maio de 1998, de que agora recorrem.

      Nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, as recorrentes disseram, entre o mais, que o n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos não pode ?reduzir e condicionar, in limine, o amplo alcance do n.º 1 da mesma norma, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade e das garantias de acesso dos cidadãos à justiça e aos tribunais?.

      Neste Tribunal, alegaram as recorrentes, formulando conclusões. Do que nestas disseram, importa o seguinte:

      a). Aquela interpretação da norma do n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, no caso concreto, feita pelo tribunal ?a quo?, viola as normas e princípios constitucionais atrás referidos;

      b). Inconstitucionalidade material que o caso concreto reclama de evidente;

      c). Deixa, assim, aquela interpretação da norma do n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos sem tutela direitos (à acção ex vi do artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e interesses (económicos ex vi do artigo 62º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), legalmente reconhecidos - ex vi da conjugação dos artigos 20º, n.º 1, e 268º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa - sendo que, com ela (interpretação dada àquela norma do n.º 2 do 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, pelo tribunal recorrido), se submerge a força jurídica dos preceitos constitucionais dos artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa - directamente aplicáveis - restringindo-se para além dos limites ali consignados, sendo que aquelas restrições diminuem a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, nomeadamente, dos artigos 20º, n.º 1, 62º, n.º 1, e 268º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa;

      d). Intentada acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, nos termos do n.º 1 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, a sua rejeição liminar, com fundamento na natureza complementar ou subsidiária daquelas acções, por interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 69º do mesmo diploma, feita pelo tribunal recorrido, no caso concreto das RR, concluindo que ?... o uso da acção do reconhecimento de direitos no caso dos autos foi feito de forma ilegal, em violação do n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, enferma (aquela interpretação da norma do n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos) do vício de inconstitucionalidade material.

      O Município de Viseu, que é o recorrido, apresentou alegações que concluiu, dizendo que ?não deve ser julgada inconstitucional a norma contida no artigo 69º, nº 2, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos?.

    2. Cumpre decidir.

  2. Fundamentos:

    1. A norma sub iudicio:

      O artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos preceitua como segue:

    2. As acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido podem ser propostas a todo o tempo, salvo o disposto em lei especial, por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.

    3. As acções só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, incluindo os relativos à execução da sentença, não assegurem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa.

      Nestes autos, está apenas em causa a norma constante do n.º 2 do artigo 69º acabado de transcrever, na interpretação que lhe deu o acórdão sob recurso. De acordo com esse aresto, a intenção do legislador constituinte, ao instituir a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, não foi a de criar um meio contencioso alternativo, mas um meio complementar, ?destinado a intervir apenas nos casos em que a lei não [...] faculta os instrumentos processuais adequados à defesa de direitos ou interesses legalmente protegidos, ou seja, à tutela efectiva destes?.

      No mesmo acórdão, sublinhou-se, de seguida:

      E foi nesta perspectiva que o n.º 2 do artigo 69º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos veio estabelecer como pressuposto processual da acção de reconhecimento de direito a subsidariedade do meio escolhido, só o admitindo perante a incapacidade dos restantes meios contenciosos para assegurar, efectivamente, a tutela jurisdicional do direito ou interesse cuja titularidade se invoca.

      Acrescentou, depois, o mesmo aresto:

      Não parece que as coisas se tenham modificado com o n.º 5 do artigo 268º, na redacção dada na revisão de 1989, que se limitou a aperfeiçoar aquele pensamento, esclarecendo que essa garantia não dependia da existência dum acto administrativo ou de esse acto ser recorrível.

      Nem outro entendimento se tem por razoável, pois, tendo o legislador constitucional continuado a consagrar a garantia do recurso contencioso com fundamento em ilegalidade dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, surge como inaceitável ter ele pretendido subverter o sistema tradicional, pondo na disponibilidade do administrado o uso de um outro meio processual, ao seu livre alvedrio, com eventual afastamento da segurança jurídica resultante do caso decidido.

      O que se quis consagrar foi, pois, a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse legalmente protegido, e, assim, deve ser em razão desse objectivo e perante cada caso concreto, segundo as circunstâncias, que se decidirá se foi correcta ou incorrectamente feito uso desse meio processual utilizado.

      E, assim, nomeadamente, sempre que o recurso contencioso e correspectiva execução de sentença anulatória se apresente como via adequada a uma eficaz e efectiva tutela jurisdicional dos direitos ou interesses legalmente protegidos e que tenham sido invocados para tutela, é injustificado e desnecessário o exercício do direito de acção, funcionando o pressuposto processual constante do n.º 2 do artigo 69º da Lei de...

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