Acórdão nº 103/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução10 de Fevereiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 103/99

Processo n.º 776/97

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M... e ML... interpõem recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1997, que confirmou um acórdão da Relação confirmativo da sentença da 1ª instância, que tinha julgado a CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS habilitada a prosseguir, como Autora, na acção de reivindicação que a INDEP-INDÚSTRIAS E PARTICIPAÇÕES DE DEFESA, SA, tinha proposto contra eles, pedindo que fossem condenados a reconhecer o direito de propriedade dela, Autora, sobre a casa de habitação (casa n.º 8), sita na Rua dos Sargentos, em Barcarena, que estivera afecta à antiga Fábrica da Pólvora de Barcarena (edifício n.º 87), inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2 031 e descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1 347; e condenados, bem assim, a entregar-lha.

      Pretendem os recorrentes que este Tribunal julgue inconstitucionais os Decretos-Lei nºs 515/80, de 31 de Outubro, e 485/85, de 22 de Novembro.

      Os recorrentes apresentaram alegações que concluíram do modo que segue:

      (a). A norma do artigo 376º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil é inconstitucional, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, pois, se dispensar a apreciação pelo juiz do título invocado pela habilitanda sobre a perspectiva de ter emergido duma conjuntura normativa que viole o princípio da separação dos poderes, admite, num segmento processual, uma ofensa directa a princípios estruturantes da Constituição [ ...] .

      (b). Tanto se conclui para prevenir a hipótese de poder defender-se que foi a aplicação da citada norma, no fim de contas, o motivo decisivo da solução final dada ao caso.

      (c). Porém, se tivermos em conta que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça parece antes fundar-se na recusa da invocada inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.º 515/80, de 31 de outubro, e n.º 448/85, de 22 de Novembro, então mantém-se que as normas destes diplomas legais através das quais as instalações da Fábrica de Pólvora foram desafectadas do domínio público, contrariam a reserva de lei consignada actualmente no artigo 165º, n.º 1, alínea v), da Constituição da República Portuguesa.

      (d). Na verdade, as instalações fabris militares mantêm-se no domínio público pelas disposições dos artigos 6º e 7º da Lei n.º 2 078, de 11 de Julho de 1955, nada opondo a Constituição à recepção deste direito anterior, em face do que dispõe o artigo 84º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

      (e). Donde, a desafectação só poderia ter ocorrido havendo lei da Assembleia da República a autorizar o Governo, segundo a norma do invocado artigo 165º, n.º 1, alínea v), da Constituição da República Portuguesa.

      (f). E como não houve, terá de concluir-se [ ...] para serem declaradas inconstitucionais as ditas normas dos diplomas em causa.

      (g). Assim, aceitando como título bastante para a habilitação uma escritura de compra e venda civil de um prédio urbano integrado nas instalações da Fábrica de Pólvora da Barcarena, como se do domínio privado do Estado se tratasse, caucionada a decisão na constitucionalidade dos decretos-lei acima referidos, fez o tribunal aplicação de normas inconstitucionais, como lhe está vedado pelo artigo 204º da Constituição da República Portuguesa.

      (h). Não procedendo por fim o argumento da desafectação tácita ou de facto, para além do mais por não ter consistência histórica, dado que a utilidade a que estão indexadas as instalações fabris militares não é o prosseguimento de qualquer guerra, mas habilitar a eficiência das Forças Armadas, que bem vistas as coisas se destina antes a manter a paz pela dissuasão, mas que importaria sempre uma violação, no caso em apreço, do princípio da autorização por parte da Assembleia da República.

      A CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS, na alegação que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

      (a). A alegação de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis 515/80, de 31 de Outubro, e 485/85, de 22 de Novembro, não oferece qualquer consistência.

      (b). A aplicação ao caso dos autos dos dois referidos diplomas é de todo irrelevante para a decisão de habilitação da ora recorrente na acção principal de reivindicação de propriedade, que veio a ser sucessivamente confirmada respectivamente pelos Tribunais de Oeiras, Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça.

      (c). Acresce que a eventual inconstitucionalidade dos dois diplomas consequências algumas trará, para o bem fundado da decisão de habilitação, sendo aliás evidente que a douta decisão do Supremo tribunal de Justiça se limita a analisar - e bem - a referida compatibilidade constitucional num contexto manifestamente alheio à decisão que produziu e que confirmou anterior da Relação de Lisboa.

      (d). Mesmo analisado, nas suas eventuais e remotas implicações, é claro que [ o] imóvel transmitido à ora recorrida [ por lapso, escreveu-se recorrente] , uma casa de habitação, não é um bem do domínio público, mas sim do domínio privado do Estado, quaisquer que sejam os critérios utilizados para aferir dessa qualidade.

      (e). Não há inconstitucionalidade por violação da reserva da lei, dado que os diplomas em causa não se referem a bens do domínio público nem operam qualquer alteração dos sectores ou bens de propriedade dos meios de produção.

      (f). Em qualquer caso o âmbito de protecção da reserva de lei tal como se prevê no artigo 165º, n.º 1, alínea v), da Constituição da República Portuguesa actual, refere-se tão-só a definição dos bens que integram o domínio público e o seu regime específico, em termos gerais, o que não põe em causa a possibilidade de por decreto-lei o Governo proceder à transferência de bens - do domínio privado do Estado, aliás - de empresas de direito público para uma empresa pública.

      Termos em que [ ...] deve o presente recurso de inconstitucionalidade ser julgado improcedente.

    2. Corridos os vistos, cumpre decidir.

  2. Fundamentos:

    1. O objecto do recurso:

      3.1. A recorrente, nas conclusões da alegação, diz que "a norma do artigo 376º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil é inconstitucional, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido". E acrescenta que "tanto se conclui para prevenir a hipótese de poder defender-se que foi a aplicação da citada norma, no fim de contas...

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