Acórdão nº 97/99 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Maria Fernanda Palma
Data da Resolução10 de Fevereiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 97/99

Proc. nº 667/97

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

(Cons. Mota Pinto)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. A Sociedade F..., S.A., interpôs recurso de agravo, para o Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho do juiz do 14º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.

O problema foi, no entanto, reexaminado pelo juiz a quo à luz da invocada inconstitucionalidade da alteração introduzida na redacção do artigo 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro. Assim, o juiz veio a substituir o despacho recorrido por um outro que admitiu liminarmente o pedido de apoio judiciário, tal como fora formulado pela referida sociedade, considerando, designadamente, o seguinte:

A lei pode limitar, e tem de limitar, o direito de protecção jurídica e de apoio judiciário, mas não pode estabelecer limites que atinjam o princípio fundamental de que a ninguém pode ser denegada justiça por insuficiência de meios económicos, aí se inserindo seguramente o patrocínio judiciário.

Julga-se, pois, não ser compatível com aquele princípio constitucional enunciado no artigo 20º, nº 1, da CRP a recusa generalizada de patrocínio judiciário às sociedades comerciais ou equiparados.

  1. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº1, alínea a), e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, encontrando-se o processo em fase de alegações à data da entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.

    As alegações apresentadas pelo Ministério Público concluíam deste modo:

    1. - Não constitui restrição excessiva ou desproporcionada relativamente ao direito de acesso à justiça, na modalidade de protecção jurídica, a que se traduz em limitar - quanto às sociedades, aos comerciantes em nome individual nas causas ligadas ao exercício do seu comércio e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada - o referido direito (de que gozam integralmente as pessoas singulares e colectivas sem fins lucrativos), de modo a não permitir que empresas que prosseguem uma actividade económica, com fins lucrativos, ponham a cargo da generalidade dos contribuintes o pagamento de custos que, embora ligados à administração da justiça, são inerentes ao normal ‘giro comercial’ dos requerentes e cujo montante se não mostra manifestamente desproporcionado relativamente à dimensão económica da empresa.

    2. - Na verdade, tal limitação ou restrição traduz mera decorrência das finalidades constitucionalmente atribuídas ao sistema fiscal e do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, bem como da regra de que devem ser prioritariamente os beneficiários de uma actividade económica, exercida com fins lucrativos, a fornecer os meios financeiros indispensáveis ao prosseguimento de tal actividade.

    3. - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso.

  2. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II

    Fundamentação

    4. O objecto do presente recurso é a norma ínsita no artigo 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, após a alteração introduzida pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, o qual dispõe que:

    As sociedades, os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às possibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e número de trabalhadores ao seu serviço.

    No despacho recorrido, foi considerada inconstitucional a interpretação deste preceito segundo a qual às entidades nelas referidas é genericamente recusado o recurso ao apoio judiciário, na forma de protecção jurídica consistente no pagamento do patrocínio judiciário. A inconstitucionalidade daquela interpretação resultaria, nesse despacho, da violação por tal norma do direito de igual acesso à Justiça imposto pelo próprio princípio da igualdade - artigo 13º - e explicitamente consagrado no artigo 20º da Constituição.

    5. A interpretação normativa sub judicio foi efectuada pelo tribunal a quo tendo em conta que a Lei nº 46/96 revogou o primitivo nº 4 do mesmo artigo que estipulava genericamente que "as pessoas colectivas e sociedades têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº 1" e veio restringir o apoio judiciário às pessoas colectivas de fins não lucrativos.

    Da conjugação dos nºs 4 e 5 do artigo 7º do referido diploma resulta, efectivamente, ter-se verificado uma alteração legislativa que visou suprimir a atribuição generalizada do direito ao apoio judiciário às pessoas colectivas de fins lucrativos e que as sociedades comerciais, bem como os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, têm meramente direito à dispensa (total ou parcial) de preparos e custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às respectivas possibilidades económicas.

    Deste modo, foi efectivamente restringido, embora não suprimido, pela alteração legislativa citada, o conteúdo do direito ao apoio judiciário para as entidades referidas no nº 5 do artigo 7º da Lei nº 46/96, deixando de lhes ser atribuído o direito ao pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87) e...

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