Acórdão nº 24/99 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Janeiro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Paulo Mota Pinto
Data da Resolução13 de Janeiro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

content="Relator: Cons. Paulo Mota Pinto (Guilherme da Fonseca)">

content="Relator: Cons. Paulo Mota Pinto (Guilherme da Fonseca)">

ACÓRDÃO Nº 24/99

Processo n.º 684/98

  1. Secção

Relator: Cons. Paulo Mota Pinto (Guilherme da Fonseca)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. J... e mulher M..., ora reclamantes, intentaram contra a C..., S.A, no Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, uma "acção declarativa de condenação em processo sumaríssimo", na qual estava em causa "saber se a Ré deve aos AA, a quantia por estes peticionada, o que passa pela questão da remuneração dos depósitos denominados obrigatórios".

      Por sentença de 9 de Dezembro de 1997, foi julgada "totalmente improcedente por não provada" a acção e, em consequência, foi a ré e ora reclamada C..., S.A., absolvida do pedido. Na sentença, depois de se dar como assente que "só há lugar ao vencimento de juros quando há uma obrigação de capital", faz-se a pergunta "Haverá nos autos essa obrigação de capital? Ter-se-á estabelecido entre AA. e Ré uma obrigação de capital?". E a resposta é esta:

      "A) Os AA. afirmam que o seu direito aos juros radica no ?contrato de depósito? que respeita à conta de depósito à ordem n.º ..., conta de que os AA. são titulares.

      Vejamos:

      A expressão ?depósito bancário?, designa o depósito em dinheiro, que o público efectua, em diversas condições, nos estabelecimentos autorizados para receber depósitos desta espécie.

      O depositante tendo em vista a guarda ou custódia confia ao banco determinada quantia constituindo-se o banco na obrigação de a reembolsar, nas condições entre os dois ajustadas.

      Ora, não tem qualquer fundamento tal invocação pelo simples facto de o capital relativamente ao qual se peticionam juros não ter sido depositado pelos A.A. nem ter sido entregue para a conta de que são titulares, não tendo havendo qualquer ajuste entre os AA. e a Ré relativamente a tal capital.

      O contrário sucede nos depósitos voluntários, em que há a entrega de dinheiro por parte do público a uma instituição bancária, que fica constituída na obrigação de o restituir, nas condições ajustadas entre os dois; nesta vertente, a jurisprudência tem qualificado o depósito como contrato de depósito irregular ? art.º 1205º - ao qual se aplicam as regras do mútuo ? art.º 1206º do CC ? sem descurar a vertente de contrato de mútuo, tendo como sujeito passivo o banco, que se traduz no facto de o banco ficar autorizado a dispor do dinheiro, pagando uma dada contrapartida que são os juros.

      Mas como vimos nada disto ocorre no caso dos autos.

      B) Os AA. invocam ainda o enriquecimento injustificado por parte da R, com o que invocam o enriquecimento sem causa.

      Vejamos:

      Dispõe o artº 473º do CC:

      ?1. Aquele que, sem causa justificada, enriquecer à custa de outrém é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

    2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa , tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

      A obrigação de restituição com base no enriquecimento sem causa depende da verificação de vários requisitos:

      a)tem de haver um enriquecimento - consiste na obtenção de uma vantagem patrimonial;

      b)tal enriquecimento tem de carecer de causa justificativa - tem de especial por objecto o que for indevidamente recebido ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que se não verificou; poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema legitime o enriquecimento; a falta de causa terá de ser alegada e provada por quem pede a restituição - não bastará não se provar a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa;

      c)que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição - ao enriquecimento de um há-de corresponder o sacrifício económico de outro, o empobrecimento de outro - mesmo que o titular da coisa não a fruísse, nem por isso se pode deixar de entender que há enriquecimento sem causa, na medida em que tudo quanto os bens sejam capazes de produzir pertence ao respectivo titular;

      d)finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição - que não haja de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançado pelo enriquecido um outro acto jurídico.

      *

      a)Em primeiro lugar verificamos que os AA. alegaram que a Ré durante o período alegado deu ao dinheiro a aplicação que entendeu, que produziu rendimentos e que aumentou o património daquela.

      No entanto a Ré veio negar, no artº 26º da contestação, tal asserção, pelo que cabia aos AA. fazer essa demonstração, o que não aconteceu.

      Na verdade, em sede de enriquecimento sem causa a lei não se basta com uma abstracção, carecendo, neste domínio, de concretização, de efectividade.

      b)Mesmo que assim não fosse, os AA. não alegavam a falta de causa para o enriquecimento que alegavam, limitando-se a enunciar o conceito jurídico de "enriquecimento injustificado" sem justificarem, sendo certo que reconhecem implicitamente que a Ré estava obrigada a receber em depósito as rendas.

      1. Como resulta de fls. 18, o senhorio recusou receber as rendas.

      Essa recusa é juridicamente indivisível, no sentido em que não é possível aceitar que produza uns efeitos e não aceitar que produza outros.

      Assim, ao recusar receber as rendas, o senhorio determinou que as mesmas fossem depositadas, aceitando portanto que as mesmas ficassem fora da sua esfera jurídico patrimonial, da sua titularidade.

      Na verdade, as quantias referentes às rendas só passaram para a titularidade dos AA. com o seu levantamento. Até lá aguardaram a decisão do tribunal, tanto mais quanto foram feitas condicionalmente.

      Donde ainda que tal capital tivesse produzido algum rendimento, durante o referido período, não seriam os AA. os titulares do mesmo por não serem os titulares do capital.

      d)Finalmente, a haver um enriquecimento e um empobrecimento, ele não teria sido obtido imediatamente à custa dos AA. na medida em que de permeio se intrometeu um acto jurídico licito, qual seja, o depósito necessário das rendas.

      A haver enriquecimento ele decorreria do depósito necessário, face à recusa dos AA. em receber as rendas.

      Conclui-se assim não haver qualquer enriquecimento sem causa".

    3. J... e mulher M... interpuseram recurso de constitucionalidade desta sentença. Por despacho de 10 de Março de 1998, não foi admitido "o recurso interposto pelos AA. da sentença de fls. 50 para o Tribunal Constitucional", por se entender que, vindo ele fundado no disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, "nunca foi suscitada durante o processo" a inconstitucionalidade de determinado grupo de normas e, relativamente a outro grupo de normas, "muito embora a sua inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, a verdade é que as mesmas não foram aplicadas por este Tribunal como decorre da leitura da sentença".

      Nesse despacho vêm assim identificadas as normas a que recurso de constitucionalidade diz respeito:

      "artºs 514º, n.º 1 e 664º do CPC, artº 342º, n.º 1, 473º, 1022º, 1038º alínea a) 1041º n.ºs 1,2,3 e 4 e 1042º n.ºs 1 e 2 do CC, artºs 20º, 22º, 25º, 27º e 28º do DL 321- -B/90, de 15 de Outubro ? alínea A), B), C), D) e E) do requerimento de interposição de recurso ? e artº 2º do Dec. n.º 19706, de 07.05.1931, artºs 1º e 2º do DL n.º 693/70, artº 26º n.º 2 do DL n.º 694/70, artº 9º n.º 2 do DL n.º 48 953, de 05.04.69, dos despachos do Ministro das Finanças de 22.12.44 e do secretário de Estado do Tesouro de 22.05.70 ? alínea F) do requerimento de interposição do recurso".

      E acrescenta-se no despacho, imediatamente antes da decisão:

      "1)Relativamente às normas indicados nas alíneas A) a E) do requerimento de interposição do recurso, a sua inconstitucionalidade nunca foi suscitada durante o processo, pelo que nessa parte o requerimento de interposição do recurso é ilegal;

      2)Relativamente às normas indicadas na alínea F) do requerimento de interposição do recurso, muito embora a sua inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, a verdade é que as mesmas não foram aplicadas por este tribunal como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 251/06 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Abril de 2006
    • Portugal
    • 4 Abril 2006
    ...em ordem a averiguar se existiu uma indevida preterição da sua apreciação (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos disponíveis em Como se sabe, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento daquele tipo de recurso, além do esgotamento d......
1 sentencias
  • Acórdão nº 251/06 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Abril de 2006
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 Abril 2006
    ...em ordem a averiguar se existiu uma indevida preterição da sua apreciação (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 490/98, 24/99 e 571/99, todos disponíveis em Como se sabe, são requisitos específicos para se poder tomar conhecimento daquele tipo de recurso, além do esgotamento d......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT