Acórdão nº 377/00 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução13 de Julho de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 377/00

Proc. nº 672/99

TC – 1ª Secção

Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - S..., com os sinais dos autos, propôs acção declarativa de condenação contra o Estado Português, pedindo, de acordo com a formulação modificada do pedido operada na réplica, o seguinte:

"

  1. A título principal deve o Tribunal declarar inconstitucionais, na medida em que violam os preceitos dos artºs 1º a 3º, 8º, 13º, 17º, 18º, 62º, 82º, 83º, 168º, 205º, 207º e 281º da CRP as normas dos diplomas legais referidas na petição inicial, v.g. do Dec.-Lei nº 701-E/75, do Dec.-Lei nº 328/76, do Dec.-Lei nº 206/78, da Portaria nº 497/85, da Lei nº 80/77, do Dec.-Lei nº 51/86, do Dec.-Lei nº 332/91 e do Dec.-Lei nº 63/81, sendo por isso ilícita a actividade legislativa com que o Estado nacionalizou a Socarmar e regulou a indemnização do autor, enquanto ex-titular das acções da referida empresa, tudo nos termos que constam da petição inicial;

B) Deve ainda declarar, em conformidade com o articulado nos nºs 40 a 45 da petição inicial, a inconstitucionalidade da Lei nº 148/92 e as normas que autorizam o Estado a reprivatizar a Socarmar, sem que esteja definitivamente regularizada a questão da justa indemnização do autor e satisfeito o seu pagamento integral por tais normas violarem o direito à protecção da confiança e o direito de propriedade, impedindo o autor de exercer o direito de preferência na reprivatização, direito esse que é inerente ao direito de propriedade.

C) Com base na responsabilidade do réu pelos referidos actos legislativos inconstitucionais e violadores de direitos fundamentais do autor, deve o Tribunal condenar o Estado a pagar ao autor a indemnização por danos materiais e morais que se vierem a liquidar em execução de sentença, nos termos que constam da alínea A) da conclusão da petição inicial".

A acção foi julgada improcedente por sentença de que o autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Neste recurso o recorrente obteve parcial provimento, tendo recorrido do respectivo acórdão, na parte desfavorável, para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações, formulou as seguintes conclusões:

  1. O Estado-legislador, ao nacionalizar a Socarmar, pelo Dec. Lei nº. 701-E/75, distinguiu as empresas de transportes marítimos e fluviais das empresas do ramo das cargas e descargas, qualificando expressamente as empresas com a actividade da Socarmar como aquelas quem actuavam ao nível das infraestruturas portuárias, enquadrando umas e outras no sector económico do Comércio Externo.

  2. A Socarmar foi a primeira empresa, ao nível das infraestruturas portuárias, a ser nacionalizada, como resulta da própria justificação apresentada pelo Legislador para a nacionalizar.

  3. O Estado, na mesma data, em outros diplomas, nacionalizou empresas de transportes marítimos e fluviais usando a técnica da nacionalização de grupos de empresas em um só diploma, quando o fundamento da nacionalização era o mesmo;

  4. Sempre o Estado considerou necessária a fundamentação da nacionalização, mesmo quando o fez através de uma lei-medida, como sucedeu no caso da Socarmar;

  5. E, neste caso, sempre apresentou a medida como fazendo parte do plano de integração no sector público de todas as empresas com o mesmo tipo de actividade;

  6. Contudo, como resulta da prova (resposta ao quesito 21º), o Estado acabou por só nacionalizar a Socarmar, no ramo de actividade desta empresa, embora houvesse outras, quer registadas no porto de Lisboa, quer em outros portos do país (prova dos autos).

  7. O acórdão recorrido ignorou a Especificação e o Questionário e, ofendendo o disposto no nº. 3 do artigo 65° do C.P.C., não tomou em conta os factos provados nem os .meios de prova, dispensando-se de os analisar .

  8. Pior do que isso, usou as expressões do Questionário nomeadamente a palavra "ramo", constante do quesito 21°, para, arbitrariamente, ampliar e desvirtuar o sentido útil que levou a integrá-la no quesito, com o objectivo de enquadrar a Socarmar no sector do Comércio Marítimo, confundindo-a com as empresas de transportes;

  9. Foi deste modo artificial, e contrário às regras do processo e à prova produzida no caso concreto, que o acórdão confundiu o que o próprio Estado-Legislador distinguiu, quando nacionalizou, por um lado, as empresas transportadoras, e, por outro lado, as empresas que actuavam ao nível das "infraestruturas portuárias".

  10. O acórdão recorrido contrariou a própria vontade do Estado, expressa na fundamentação dos preceitos do Dec. Lei n° 701-E/75.

  11. Contra o que resulta do acórdão, o Estado, quando não nacionalizou qualquer outra empresa do ramo da Socarmar (resposta ao quesito 21º), não respeitou o fundamento positivo da nacionalização operada pelo Dec. Lei n° 701-E/75;

  12. Não havendo razão para não nacionalizar as empresas similares, o Estado discriminou a Socarmar;

  13. Não era ao A., neste caso, que cabia o ónus de prova dos motivos da não nacionalização pelo Réu das empresas do ramo da Socarmar, i.é, do não cumprimento do plano apresentado no Dec. Lei n° 701-E/75 para nacionalizar a Socarmar;

  14. O acórdão do T.C. nº. 468/96, publicado no B.M.J. nº. 445, a pags. 152, no seu sumário, é claro quando aponta ao Estado a obrigação de fundamentar positivamente as razões da discriminação, quando elas não são racionais aparentemente;

  15. O acórdão recorrido perdeu o sentido lógico, e entrou mesmo em contradição, quando pretendeu, ao mesmo tempo, sustentar a não discriminação pelo alargamento do conceito de ramo, integrando a Socarmar no ramo dos transportes, e defender que era legítima a discriminação por não haver provas dos motivos que levaram o Estado a só nacionalizar a Socarmar, no seu ramo de actividade;

  16. A discriminação é ilícita, e a ilicitude resulta de uma inconstitucionalidade anterior à Constituição de 1976, que esta não sanou ou consolidou, antes determinou a caducidade das normas discriminatórias e de todo o direito ordinário anterior incompatível com os seus princípios (art. 290°, nº. 2 da C.R.P .);

  17. O Estado português nunca deixou de ser uma Ordem Jurídica subordinada às Leis Constitucionais, consagradoras dos direitos fundamentais dos cidadãos, antes e depois de 1976;

  18. O Estado Legislador, na medida em que, neste caso concreto, discriminou a Socarmar, lesou apenas o Autor, como resulta da resposta aos quesitos 22° e segs.;

  19. O Autor foi realmente, como se provou nos autos, o único cidadão atingido pela nacionalização de uma empresa do ramo da actividade de cargas e descargas marítimas e fluviais, actividade ao nível das infraestruturas portuárias;

  20. A discriminação sofrida pelo Autor não foi determinada apenas pelo facto de o Estado não ter afectado mais ninguém com a nacionalização de empresas no ramo de actividade ao nível das infraestruturas portuárias, mas também por o Estado ter beneficiado, sem razão legal ou constitucional, outros cidadãos, através da privatização de empresas do ramo (caso da Nortemar) cujo capital era inteiramente público, antes da revisão Constitucional de 1989, i.é, antes da revogação da norma constitucional que impedia a privatização de empresas de domínio público;

  21. Para ser justa e lícita, a nacionalização, como acto legislativo, devia manter o seu carácter geral e abstracto, atendendo apenas ao interesse público, sem lesar de modo particular uma só pessoa, individual, concreta, e respeitando o plano geral de nacionalização que lhe serviu de justificação;

  22. Devendo enquadrar-se o acto num projecto de nacionalização generalizada, que constituía o fundamento da lei (Dec. Lei n° 701-E/75), perdeu a sua justificação pelo comportamento discriminatório do Estado, denunciado e comprovado nos autos;

    x) A lesão não foi determinada apenas pelo acto legislativo de nacionalização, mas por uma sucessão de actos legislativos, que constituem o processo legislativo da nacionalização/indemnização, desenvolvido pelo Estado dentro da sua função, tal como está previsto no artigo 83° da C.R.P.;

  23. Com efeito, como resulta da alegação, entre 1975 (data do dec. Lei n° 701-E/75) e 1991 (data do diploma que fixou os critérios legais da indemnização definitiva - Dec. Lei n° 332/91), o Estado-Legislador violou o compromisso, assumido na lei de nacionalização, de resolver a questão da indemnização em prazo curto, publicou diplomas legais indemnizatórios que deixou caducar por falta de oportuna regulamentação (Dec. Lei n° 528/76), e publicou outros viciados de inconstitucionalidade orgânica (Dec. Lei n° 206/78), criou Comissões Arbitrais para fixar indemnizações, através de diploma legal publicado em 9 anos de atraso, em relação ao prazo de 60 dias estabelecido na Lei n° 80/77 (Lei n° 51/86), e desfez o trabalho da Comissão, inutilizando-o com o Dec. Lei n° 332/91, depois de o fazer pagar ao Autor;

    aa. A responsabilidade do Estado por acto ilícito não se reporta, neste caso concreto, apenas ao acto legislativo instantâneo, mas ao processo legislativo que culminou com a fixação das condições legais para a atribuição da indemnização definitiva;

    bb. Saliente-se que a culpa do Estado, no atraso não razoável da justiça e na frustação dos meios legais de acesso do Autor ao Tribunal, teve a clara intenção de atrasar o pagamento da indemnização ao lesado e resultou da indefinição dos próprios critérios legais de indemnização constantemente alterados ao longo de 15 anos;

    cc. O Estado incorreu, também aqui, em responsabilidade por omissão legislativa ilícita, criando mesmo um vazio jurídico entre 1977 (Lei n° 80/77) e 1986 (Lei n° 51/86) e entre 1986 e 1991 (Dec. Lei 332/91), para não ter que pagar o que devia;

    dd. O Autor tinha, e tem, o direito à justiça em prazo razoável, como já foi proclamado pelo Conselho da Europa, em decisão neste caso concreto, que reconheceu ter o Estado violado o artigo 6° (n°1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doc. junto a fls. 1214);

    ee. O tribunal a quo julgou mal quando considerou que o Dec. Lei n° 701-E/75 era a única causa adequada dos danos...

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